quinta-feira, novembro 20, 2003

Cores da Noite do Fim

Quase dez da noite e só se ouvia o silêncio. Um leve vento brincava com a cortina da janela semi-aberta e a sala estava escura. Deitada no sofá, ela chorava discretamente, cartas espalhadas pelo chão e uma garrafa vazia de vinho tinto ao seu lado. Transbordava angústia, a consciência da solidão lhe perturbando enquanto tentava não sentir mais dor. Não conseguia esquecer aquele abraço, a despedida para um salto que só poderia terminar em nada. Ainda podia sentir o perfume dela, o toque leve nos cabelos que nunca ficam arrumados, e era impossível não sentir saudade. Aceitar os rumos que tudo tinha tomado era o primeiro passo, mas como seguir? Ficara pequena, abandonada em sua nova condição, e só pensava em quanto errou ao não valorizar o que tinha. Só quando o barulho arruinou uma noite de silêncio uma semana antes ela de fato sentiu. Havia sido tarde, porém. Tirou o rosto das almofadas e enxugou as lágrimas. Do sofá, sentiu que o vento a chamava para fora. Caminhou até a janela e a fechou. As luzes do outro lado do vidro ficaram mais fracas, enquantos seus olhos desistiam de olhar. O corpo ao cair no chão rompeu de novo o silêncio. Mas dessa vez ninguém iria sentir.

domingo, outubro 26, 2003

Dos Meios, O Fim

Ela andava sozinha, pisando descalça nas poças de lama, os olhos cansados e um cigarro nas mãos. Já estava naquele caminho há um bom tempo, horas talvez, mas não tinha a intenção de parar. Era tudo vazio à sua volta, e não havia ponto de partida ou de chegada; apenas o pensamento buscava algum sentido, enquanto o corpo era automático em seus gestos. A estrada de barro, imperfeita, dizia a que ela que não era única em sua busca, ainda que não se soubesse o que deveria ser encontrado. Perturbava-a a idéia de que sua paz fazia-se no silêncio, e um grito amargo saiu de sua boca involuntariamente. Ventava leve agora, e umas poucas nuvens ao longe anunciavam chuva para depois. Mas o agora era o que importava, quieto e vazio em sua essência.

Ajoelhou-se. Seu corpo agora estava mole, cedendo ao cansaço. Curvou-se para a frente e encostou o rosto no chão. A terra parecia lhe dizer algo, mas não conseguia entender. Sentiu o coração bater mais lento e voltou seu olhar para o céu. Um pássaro voava solitário em meio à imensidão cinza do dia. Fechou os olhos e apertou as mãos. Esperou sorrindo. A estrada de barro lhe dera algum sentido enfim.

domingo, outubro 19, 2003

Quase Sempre Nada

“Calma, me dá sua mão...”

Dois passos e ela continua distante. Desde que eles se conheceram parece assim; ele corre em sua direção, ela fecha os olhos e segue seu caminho. Às vezes ele pensa que é uma tentativa inútil, mas basta um aceno dela para se desarmar de novo e seguir achando que é capaz de traze-la para perto.

“Agora vamos, um de cada vez...”

Ele acha tudo isso muito novo. Não costuma se interessar por alguém a ponto de querer trazer por sua vida, mas ela o instiga de tal maneira que não consegue evitar. Talvez não o faça de propósito, é verdade – parece apenas ser o jeito dela, reservada e cautelosa –, só que ele se sente estranhamente atraído. Acaba sendo conduzido sem perceber.

“Um, dois, três, quatro...”

Ela quase nunca vem até ele. Seus passos são secos, sempre para longe. Não parece se importar o suficiente para deixá-lo se aproximar, mas também não o evita. Talvez ele não sinta que é preciso não agir, que na ausência ela pode descobrir que ele é perfeito para ela, por isso reclama e age o tempo todo. Acaba que nada parece sair do lugar.

“Cinco, seis, sete, oito...”

Eles seguem instáveis. Ambos são fechados, mas um quer ceder. O tempo passa e tudo parece permanecer igual. Ele espera cada dia, ela sente as horas pesarem. Para ele, ainda não se conhecem como deveriam se conhecer. Para ela, não deveriam se conhecer como poderiam. Talvez por isso nada pareça mudar, ainda que mude a todo instante. (Eles não sabem, mas é para ser assim.)

“Pronto, chegamos. Abre os olhos...”

Ele não dá mais passos. Ela não sai mais do lugar. Os olhos nunca se cruzam – ele prefere desviar sempre que ela mira os seus. O jazz que toca em seus ouvidos não é o peso que passa pelos dela. Mesmo assim estão lado a lado. Não se tocam, não se tentam, mas não se afastam. A noite cai igual porque continuam assim. E eles não conseguem perceber o óbvio.

“Vem, é aqui. Não falei que era seguro comigo?”

Só que estão sempre ali.

domingo, outubro 12, 2003

Sem Estações

Venta forte cada vez que penso em você. Jamais imaginei que o clima pudesse representar tão bem o que a saudade faz comigo, mas a chuva me ensinou que é simples assim, quando molha meu rosto e lembra as lágrimas que derramei por você. Aprendi que se tudo fica cinza, é porque você não está por perto, e que se está claro, é para meus olhos se fecharem e me forçarem a lembrar do que já se foi.

Mas aqui dentro é sempre escuro, então não sinto você. Talvez seja mais fácil assim. Porque o papel em que lhe escrevi está na minha mesa há mais tempo do que deveria - não o entreguei, mas também não o joguei fora. Observo-o todo dia jogado ali, às vezes o pego e leio as linhas tremidas e palavras manchadas, depois o largo de novo, enquanto volto para minha cama para viver uma vida que não é triste assim. Então acordo em um novo dia sozinho, e fico certo de que não tenho escolhas por as coisas serem tão diferentes nesse mundo daqui.

Estranho perceber que qualquer decisão sempre me é penosa, ainda que elas não representem tanto assim. Talvez não consiga lidar com os resultados, arcar com as conseqüências de uma manhã ser de sol e outra chuvosa. Quem sabe eu prefira o tempo frio para me colocar debaixo das cobertas e me defender dos trovões como criança assustada.

Ou apenas eu sinta que não há lugar seguro para ir sozinho.

segunda-feira, setembro 22, 2003

Recado

Hoje se completam dois anos de Rumo Ao Nada.

Quando comecei isso aqui, a idéia era apenas publicar alguns escritos dos quais eu me orgulhava. De lá para cá, virei um escritor compulsivo, refém do meu próprio monstro. De fato, nunca imaginei que pudesse durar tanto.

Obrigado a todos que fazem parte disso aqui, tanto como leitores quanto como fonte de inspiração. Vocês são a origem e o fim de tudo.

E que mais e mais anos se sigam em palavras!

quinta-feira, setembro 11, 2003

Um Pouco Mais

I

As quatro horas não chegavam, e chovia. Chovia como poucas vezes chovera por ali, gotas finas e quentes, lembrando as lágrimas que vez por outra brotavam dos olhos dela. Mas nada mudava, e as quatro horas não chegavam. Frio, muito frio. A solidão fazia-se sentir nela naquele instante.

Tomava seu café lentamente, a fumaça parecendo brincar em frente ao seu rosto, e um sorriso estático, falso talvez, insinuava-se para os olhares alheios. Seu ar era sóbrio, ainda que seu semblante carregasse uma dor que parecia não querer se esconder. Estava sentada em uma mesa de canto, sozinha, quase perdida em meio à pouca luz. Quase. Perder-se-ia caso não houvesse mais ninguém ali, caso os espaços fossem imensos, mas próxima a tanta gente sua beleza incomum impossibilitava uma ausência de percepção. Um clichê tornando-se real, a personagem colorida de um filme em preto e branco.

Uma garçonete aproximou-se de sua mesa. Mascava um chiclete e andava desajeitada, implorando por desejos masculinos. Recolheu a xícara e anotou algo em seu bloco, olhando para a moça com desdém. Ela sorriu em gesto automático, balbuciou algo e voltou seus olhos para a parede, com charme que não lhe era caro. Ali estava a diferença, ali estava o especial. 'Só ela poderia ser assim', as paredes pareciam dizer. A mim, só restava acreditar. Permaneci sentado no canto extremo, estudando seus gestos como um aluno devoto, dedicado. A distância era muito maior que as doze mesas, sugeria milhas ou léguas, um farol longínquo para um marinheiro perdido em um oceano de incógnitas. E não havia como chegar.

II

O tempo que passa não é mais o meu tempo. Só ouço a chuva, mas não sinto seu gosto, seu cheiro. Ela não me diz mais nada, porque tudo acontece igual, e eu não sei mais ser assim. As quatro horas logo vão chegar, e nada vai ser diferente. Frio, muito frio. Se existe solidão, ela está aqui.

Preciso de café para me manter viva. Não ligo para as lágrimas, não me importo de sorrir por conveniência, não sinto. De onde vem minha calma? A fumaça passeia a minha frente e isso é tão importante quanto o quadro naquela parede. Arte, fé, brinquedo - quem sou eu no meio de tantos nãos? Nada além de mim, outra como eles. Eles. Os donos dos olhares, os sedentos de porquês. Vocês não entendem? Sou essa, branca, vaga, nula. Perdida, talvez. Cansada das cores, descrente de tudo. Menos do café que me aquece a alma. Sorri.

E ela vem de novo, papel e caneta na mão. Desperdício, puro desperdício. Há mais nas palavras do que essa suja consegue perceber. Mas sorrio para ela, ela me traz a vida. 'Um café, por favor'. E sei que você me olha com desdém, mas não ligo. Você é fraca, como eles. Carente de desejos, como eles. Só eu tenho as paredes, e só elas falam para mim. Doze mesas e ele está ali. O que olha, se não consegue ver? Há um mar entre nós, você está disposto a nadar? Consegue ver a luz que mostro a você? É longe, é forte, é perigoso. Vivo aqui para mim, e não acredito que você possa viver também. Há um barco, talvez, mas é preciso achar. Meus olhos não são de ninguém, só as paredes os têm. Está escuro. Um dia poderemos nos encontrar. Até.

sábado, agosto 30, 2003

Recomeço

Tudo estava em desordem. Ainda havia chuva caindo do lado de fora, roupas jogadas pelo chão e pontas de cigarro pelos cinzeiros. Talvez um quadro que se pudesse pintar daquela situação servisse como síntese da sua vida, porém ninguém se interessaria em imortalizar o banal. Já se conhecia o suficiente para saber que era assim.

“Eu só encanto os que já perderam as esperanças.”

Existia calma no lugar, ainda que dentro dele tudo estivesse virado pelo avesso. Nada mais doía. Só importava estar de volta.

quinta-feira, agosto 07, 2003

FIM

Porque toda estrada tem um final e essa daqui encontrou o seu.

terça-feira, julho 08, 2003

Mentiras Certeiras

Não criei a mim mesmo para seguir um caminho que é só meu. Não sei quais foram as razões que me levaram a esses dias que eu gostaria apenas de deixar para trás. Não vim para ouvir de você o que sempre escuto quando tento voltar. Não.

É algo mais aqui.

O maior problema da dor é quando ela se torna tão banal que a gente nem se importa mais se sente ou não.

E fica fingindo ser feliz para nada, porque na verdade não merece ser além do que se pode ver.

Por isso é tudo escuro assim.

segunda-feira, junho 30, 2003

De Tão Pouco Tempo

O silêncio meu e seu naquele fim de tarde não dizia nada, como todo silêncio nosso dos últimos meses. E eu que sempre achei que o dia em que não conseguíssemos falar nada seria porque tudo estava dito, agora via que estava totalmente enganada. Você olhava para a parede cinza como se dela fossem saltar as perguntas que você deveria fazer para mim, e eu olhava para você como se da sua boca ainda pudesse sair algo mais do que um suspiro triste. Já estávamos distantes um do outro, por mais que não quiséssemos aceitar. Eu corria e parava sem saber a direção que estava por vir.

Não sentia mais vontade de lhe dar um abraço ou mesmo de olhar em seus olhos com o mesmo brilho de quando nos conhecemos. Eu era mais inocente ali, perdida em suas vontades, e você enxergava de mim muito além do que eu sabia. Só que eu sempre tive medo, você sabe, menina que era e não sabia lidar com minhas emoções, e ia e voltava de nós dois como se pudesse continuar brincando com as minhas incertezas, até a hora em que me vi obrigada a decidir. O problema foi que eu nem sabia que decisão era essa, e você também não sabia o que dizer para me confortar.

Mas as palavras ainda existiam dentro de mim e de você, apesar do silêncio. Elas estavam distantes, perdidas em emoções passadas, jogadas na solidão que cada um de nós construiu para si, esperando ser encontradas. E se foram assim. Tentar chegar até você já não era o refúgio que o meu coração pedia, e talvez deixar você partir não fosse tão ruim assim. Ou talvez o melhor seria eu sair. Sempre é difícil decidir o que não se sabe ao certo.

De repente nem mais estávamos ali.

domingo, junho 22, 2003

Outros Campos

E ela me olhou com os olhos de quem não sabe o caminho certo e disse: “vem, vamos ficar juntos, com você do meu lado nada é ruim, eu preciso de paz agora”, aí pegou em minhas mãos com força, como se isso me fizesse acreditar ainda mais nas suas palavras.

Eu estava quieto. Mais do que nunca queria trazer alguém para perto de mim, começar um mundo novo com ela, que nem eu quis quando conversamos pela primeira vez algumas semanas antes. Mas minhas mãos não mexiam, eu continuava em silêncio e só conseguia pensar em como tudo tinha mudado tão de repente.

Era apenas um sonho, só um sonho. Não conseguia tirar os olhos das mãos dela. Os dedos entrelaçavam-se rapidamente, depois batiam as pontas na mesa, depois se esticavam preguiçosos e então descansavam de novo por alguns segundos, não mais do que alguns segundos, e aí tudo se repetia incontáveis vezes. E eu ria desajeitado, tentando disfarçar o fascínio que aquela timidez me despertava, mas que ao mesmo tempo me dava uma sensação de imobilidade, de que nada daquilo seria de grande serventia no futuro. Era apenas um momento, só um momento, e quando acabasse eu talvez nem fosse lembrar que me sentira bem em estar ali.

O início de uma tarde fria. Os livros, o jazz, o capuccino sobre a mesa redonda. “Você não precisa ficar distante, eu estou aqui, vem, vamos ser felizes, você sabe me deixar assim”, mas eu não consigo, não chego perto, não me mexo. Eu não sou capaz de trazer para perto de mim. E as cortinas se fecham, eu quero abrir, mas elas se fecham, aos poucos, inteiras, cinzas. Que nem ela, quando disse que havia trancado as portas e que só existia o medo de não ter amor para dar em troca. É que a estrada se tornou escura e já não dá para saber se o sonhar é tão real quanto parece ser. Resta sentir.

domingo, junho 08, 2003

Quase Um Só

Quebrar tudo que tem pela frente sempre me pareceu a solução ideal para compensar minhas frustrações. Quando eu era pequeno e não sentia tanta dor, ainda assim gostava de jogar coisas na parede e gritar bem alto para tirar daqui de dentro o que incomodava. Naquela época eu já não entendia direito o que se passava, mas achava que era porque não tinha ainda idade para entender, e não porque não era capaz de controlar minhas angústias. Só que a gente cresce e percebe estranhamente que certos hábitos nunca mudam, e aí passa a chorar de desespero e a não conseguir aceitar que as atitudes podem fugir da vontade. E pensa que a vida de repente pode mudar, que aquela solidão não é uma solidão só, mas várias, e que deixar as coisas inteiras não significa nada se você também não está inteiro. E aí os objetos viram os inimigos, a parede se torna o mundo e você se torna nada. Tudo cai, tudo quebra, tudo vira ao contrário. Não há mais dor por um instante, depois a dor volta e te joga a realidade na cara, e aí a gente acha que o que é real nunca foi real ou então que vive numa mentira própria, que é tudo inventado pela gente ou por um outro alguém. Dá vontade de sair correndo, de voltar a gritar bem alto para expulsar tudo, e o grito sai mudo, e as pernas não respondem, e tá tudo escuro de novo. Sozinho. E as paredes que eram o mundo agora são o buraco negro e você é pequeno, pequeno, pequeno. Não consegue alcançar as coisas e elas não podem ser quebradas. Aí começa a se quebrar, porque não pode ficar inteiro, não há inteiro, só partes, e cada parte é um pouco de um todo que não existe, mas que quebrado pode existir. E surge de novo a angústia, a dor que não pára nunca, a vontade de ficar imóvel e simplesmente deixar o tempo passar. Só que ele não passa, e a gente se mexe à toa, só para ver se alguma coisa ainda está no lugar. E volta a ser grande, a se atrapalhar com as coisas e querer que elas não existam. Pede para a dor parar, para o gritar ter som e as cores do mundo preto e branco saírem do lugar que não é delas. E cai da cama para acordar da solidão e sentir que é tudo sozinho mesmo sem querer. Não há fuga para a confusão. As coisas estão no mesmo lugar.

terça-feira, junho 03, 2003

Epílogo de Duas Vidas em Papel

A última voz que imaginava ouvir naquela noite de fim de semana era a sua. Talvez por isso não tenha atendido de primeira quando vi no telefone o número de um lugar que não era o seu. E até agora não entendi o que aconteceu ao certo, como você voltou a fazer parte da confusão que existe aqui dentro. Mas a verdade é que voltou, e eu preciso fazer algo.

Não sou imune a você. Nunca fui, desde o primeiro instante, e pareço ser menos ainda depois de tudo que aconteceu. Pedir para ignorar o que sua voz me disse naquela noite de fim de semana é inútil, você sabe que não sou assim. Eu me preocupo, sempre me preocupei, e não foram meses, distância e silêncio que afastaram isso de mim, não mesmo. Só estava guardado, e agora voltou tudo. Estou aqui.

Você não vai ler isso, ninguém vai. Não dessa vez. Acho que aprendi com você que as palavras dizem mais do que os olhos sem dor podem perceber. Você entenderia, eu sei, mas talvez seja tarde. Quem sabe não é. Você escolheu assim.

Espero que fique bem.

domingo, maio 25, 2003

Os Sãos
Para uma amiga

Por onde anda você? Talvez estejamos distantes demais agora para ver que nada está no mesmo lugar. Você consegue perceber isso? Nosso castelo ruiu, não há mais um só em dois de nós. Acho que eu gostava do escuro que era nosso, o cinza preenchendo as certezas que você sempre quis ter.

Por que você continua? Não precisa ficar se não for para estar ao meu lado. Você não sente que já acabou? Fizemos o que estava ao nosso alcance, mas algo se perdeu nesse caminho de luz que surgiu a nossa frente. Acho que você gostava do silêncio das nossas confissões, o olhar cheio de respostas a perguntas que eu nunca quis fazer.

Às vezes as coisas simplesmente terminam em vazio.

Eu achei que os dias de sol esquentassem a gente, mas a verdade é que eles podem ser tão gélidos quanto tentar achar algum sentido para estarmos aqui.

quarta-feira, maio 14, 2003

Casa nova para o Rumo Ao Nada, com direito a comentários e o quadro que é a síntese do conceito disso aqui.

sábado, maio 10, 2003

Rumo Ao Nada

Eu não sei escrever textos alegres. Meu alimento é a melancolia, minha inspiração é a tristeza que consome o mundo. Talvez isso represente a forma como eu vivo. Ou talvez seja a forma como eu vejo o que é externo a mim. De fato, não sei. Não acho que tenho uma resposta para isso, e nem acho que preciso ter. Apenas deixo as coisas saírem daqui.

- Mas você não sabe o que escreve? Não é o que você sente?

- Seus textos são tão intensos, eu sinto eles em mim...

- Adoro quando você fala de olhares!

- Sabe aquele texto da menina e do malabarista? É o meu favorito!

- Doeu ler seu último texto. Fico preocupada com você.

- Tá tudo bem? Me escreve.

- Quando é que você vai atualizar o site, hein?

- Que lindo esse seu último texto!

- Não agüento mais suas lamentações.

- Sei lá, eu não curto muito os diálogos...

- Ok. Depois eu leio.

Eu só sei escrever por causa de vocês.

terça-feira, maio 06, 2003

Silly Love Songs

- Aí, não tô gostando da minha vida assim não.

- Quê? Você só pode estar brincando! Que que foi agora, cara?

- Não sei. Tá tudo calmo demais. Não gosto disso.

- Como assim, porra? Você vivia reclamando das suas confusões e agora não tá satisfeito porque tá tudo calmo? Você é louco!

- É...

- Não acredito nisso, na boa.

- É sério, cara. Minha vida tá muito calma, preferia como era antes.

- Puta merda, hein? Nada te agrada, que saco.

- É... acho que sou assim mesmo. Mas agora é diferente, sabe...

- Diferente por quê?

- Porque pelo menos eu sei do que não tô gostando.

- Ah, mas isso você sempre sabe.

- Não, não sei. Eu sempre acho que sei, mas nunca sei de verdade. Tanto é que nenhuma mudança me agrada. Acho que é esse lance de ser pós-moderno...

- Ahn?!

- É, pô... de criticar por criticar, saca? De estar insatisfeito com o que tá rolando mas não ter idéias pra melhorar.

- Você é maluco.

- Também. Mas faz sentido, vê só... eu nunca tô satisfeito com nada, não é isso?

- É, pô.

- Então pronto. Na verdade, eu não gosto de nada. Ou gosto de tudo e não consigo escolher o que me satisfaz, sacou?

- Não. Você é maluco.

- Você já disse isso.

- ...

- Mas não é culpa minha.

- Claro que é!

- Não, não é não. Dessa vez não.

- Então tá.

- É tudo culpa das canções de amor.

- Quê?

- As canções de amor, pô. Se não fosse por elas, eu não estaria assim.

- Eu, hein.

- É. Eu descobri que preciso de paixões na minha vida. Me alimento disso.

- Mas você sempre sofre quando tá apaixonado...

- Talvez seja essa a lógica da coisa.

- Ahn?

- Eu me sinto mais vivo assim.

- Putz...

- É que eu adoro tolas canções de amor.

domingo, abril 20, 2003

Pintura Abstrata

- Sou sentimental como nunca. Inadequado como sempre.

Deu um aperto no peito quando estiquei o braço logo que acordei e você não estava do lado da cama que sempre foi seu. Essa cena já tinha acontecido várias vezes (faz tempo que você não está ali), mas, por algum motivo, só hoje senti o vazio que se instaurara desde então. É um problema grave; às vezes meu cérebro não aceita o perder, me deixando suspenso, longe da realidade, como se o conceito de perda pudesse ser relativizado. Talvez seja essa a explicação de fato - ou apenas a verdade que eu criei para mim, a que eu prefira acreditar para não ter que lutar pela volta e admitir um novo fracasso (não é sempre assim?).

Confesso que estranhei minha frieza ter ido embora nesse momento. O espaço maior na cama me agradava, representação concreta dos anseios de liberdade que sempre tive. Não há constância em minhas vontades, eu sei, só que o caminho percorrido agora é muito longo para fugir do paradoxo. Levanto e olho pela janela, a mesma que já foi um quadro com o tempo parado e hoje vaza a parede. A neve cai forte no mundo que não é meu. Seus óculos ainda estão na mesa de cabeceira, marcados na lente direita pelos seus dedos sonolentos, e me pergunto se o calor que sentíamos dentro dessas quatro paredes um dia realmente existiu.

O cinza delas me diz que não.

quarta-feira, abril 09, 2003

Genérico

Tentei correr, mas minhas pernas não obedeceram – sequer saí do lugar, para ser mais exato. Ainda que em minha mente eu quisesse evitar a cena que estava para acontecer, dentro de mim algo dizia que eu devia continuar e encarar de frente, e acho que foi por isso que não me movi.

Acabou que tudo aconteceu e eu nem me dei conta. Talvez eu devesse ser mais cauteloso nessas horas, tentar manter a racionalidade a qualquer custo. Mas eu não me obedeço. Daí vem a insegurança que me toma parte por parte, e com ela a crise de consciência e a vontade de sumir do mapa.

Eu atravesso a rua com esforço e encontro outro ponto claro vindo em minha direção.

Começa tudo de novo. E vai. E volta. Cedo ou tarde.

Odeio quando eu me divido dentro de mim mesmo.

quinta-feira, março 20, 2003

Not In This Life


- Eu só queria saber o que fazer quando você me olha assim.

- Por que você simplesmente não age?

- Porque eu tenho certeza que, quando eu tiver você, vou perder de vez.

- E mesmo assim não terá valido o risco?

(confesso que não sei.)

quarta-feira, fevereiro 26, 2003

Em Cortes e Sombras

Eu não imaginava que a perda ia ser tão grande quando você virou as costas e saiu daqui. Na hora dei pouca importância, sequer ouvi o que você disse ao bater a porta. Simplesmente sorri com o canto da boca e pensei que era só mais uma vez que isso acontecia. E deixei você ir, confiante de que minha frieza seria capaz de me ajudar a superar sua ausência ou que mais cedo ou mais tarde voltaríamos ao normal. Acho que descobri tarde demais que nada daquilo era normal, que o que estava escapando de mim era mais do que eu mesmo tinha constatado até então.

“Por que você só enxerga aquilo que quer? Por que insiste em tentar entender?”

Há dias não saio de dentro do meu quarto. Isso normalmente me incomodaria muito, mas não agora. Sinto que tudo ficou parado. A música que toca no meu rádio tem apenas um acorde e as palavras da carta que você escreveu naquele dia distante são todas iguais. Os lugares perderam os seus sentidos se eles não podem mais ser atribuídos a nós dois. Não há mais o que ver lá fora. Da minha janela, olho para o céu nublado e penso que a chuva traz saudade. É estranho, eu costumava gostar desses dias, antes dessa imagem ficar associada a você.

“Mas você precisa aprender a viver sem mim. Eu sei que as coisas não ficaram legais, mas não temos mais o que fazer. Vai ser melhor assim”

Foi num dia como esse que tomamos café juntos pela primeira vez, naquela livraria. Eu ainda tinha dores pelo corpo e você, olhos desafiadores. Algo de diferente surgia ali, algo que não soubemos dimensionar então – e até hoje ainda não sei. Só lembro que seu cheiro se fundiu à cena e nunca mais pude esquecer. Hoje mesmo, enquanto minha caneta percorria tensa as linhas do papel, senti ele preencher o ambiente de novo. Talvez uma lágrima tenha escorrido pelo meu rosto nesse momento, mas preferi ignorar e continuar a escrever. É assim que a dor sai de dentro do peito, você sabe.

“A verdade é que eu só queria te ver feliz.”

sábado, fevereiro 15, 2003

Sem Título

Caiu mais uma folha da árvore lá fora. Acho que chegamos ao outono e nem percebi. É estranho, mas as estações do ano não são diferentes para mim agora. Na verdade, há algum tempo eu já não me importo mais se faz frio ou calor, se a chuva lá fora alaga as ruas por onde poderia andar ou se o sol queima a pele mais do que deveria. São coisas que parecem tão pequenas que prefiro não ligar para elas. Acho que fui mal acostumado, as sutilezas da vida não me comovem mais.

Queria poder olhar para a parede e dizer que o branco dela não me passa nada, mas estaria mentindo de novo, que nem aconteceu certa vez que você estava aqui. Agora falta algo nela, só não sei bem o quê. Já tentei preenchê-la com fotos e desenhos e ela continua olhando severa para mim, pedindo de volta o que eu não sei que se perdeu. Nem mesmo o urso polar de quem fiz só o contorno deixou o espaço mais familiar. Não sei de quem é a culpa pelo vazio, mas nesse quarto parece caber muito mais do que trago comigo ultimamente.

Em meus poucos metros, ando sem firmeza, receoso. Os passos que tenho dado nunca foram tão incertos e o gelo fino que cobre o meu caminho parece que vai se romper a qualquer momento. Fico parado, tentando evitar a queda. É frio lá embaixo, eu sei, e já chega de frieza por aqui. Deixo o vento ir embora, os pensamentos também. Queria tudo quieto como antes – foi assim que aprendemos a nos gostar, lembra? – só que o barulho das vontades agora é mais forte por aqui. Eu não consigo dormir assim.

Já sei que o livro largado na mesa de cabeceira está assim há mais tempo do que deveria, mas não tenho vontade de continuar a ler. Talvez hoje eu prefira ser mais burro, saber menos do que todo mundo (eu acreditava que sabia demais). Ou talvez não o leia simplesmente porque ele me lembra que eu o comprei junto ao seu presente de Natal do ano passado. Confesso que já nem sei ao certo. Às vezes parece que as palavras de suas páginas são tão silenciosas quanto as que tentam sair de minha boca, e em nossa mudez somos cúmplices e inimigos.

A verdade é que tudo que ficou está juntando poeira da mesma forma como junto solidão em mim.

quarta-feira, janeiro 29, 2003

Muito Além de Nós Dois

Eu queria entender o que seus olhos dizem quando encontram os meus assim, tão aflitos. É estranho, talvez diferente, mas a verdade é que sempre fico desconfortável, procurando abrigo no chão ou no céu, mas acho que há menos formigas e estrelas para contar do que o tempo que dura a sinceridade do seu olhar. Não sei se isso é bom ou ruim. Às vezes parece que eles buscam uma verdade que eu não tenho ou me dizem uma que eu não quero ouvir, e nessas horas meu corpo não responde como deveria. Dá vontade de correr para algum lugar seguro, onde eu possa ficar quieto. Trancado em uma bolha, talvez. Só que eu não consigo, tudo o que faço é ficar parado, esquivando-me de você. Mas seus olhos continuam pairando sobre mim, pesando como a consciência de quem esqueceu de amar a si mesmo por não saber amar aos outros.

Sua mão estendida já não me diz muita coisa, enquanto seu olhar me revela mais do que eu posso agüentar. É meu espelho, meu retrato em tons de cinza. Parado em sua órbita, sou eu encolhido em um canto, caricatura de menino amedrontado. Sou eu indefeso, deixando que o mundo me tome por completo, sem que sobre um pouco de mim em mim mesmo. Desconstruo-me nas suas certezas e fico solto em seu espaço. Não fujo mais do que seus olhos tentam dizer. As formigas estão imensas agora e as estrelas se apagaram. No escuro, ficamos eu e você de cara para a parede, em confronto injusto - eu intimidado e você muda. Não há paz aqui, só dor e tensão. Ainda lembro da dúvida que o seu olhar trazia quando me encontrou pela primeira vez. Você era mais você ali. E eu me sentia leve assim.

No silêncio da nossa confusão, ouço os gritos que vêm de dentro de mim e de você. Talvez pudéssemos entendê-los antes, quando o universo parecia ser um só para nós dois e o rancor não havia nos tomado, mas hoje isso me parece tão impossível quanto não ser doloroso olhar em seu íntimo de novo. Seu abraço não traz conforto, e prefiro procurar por você em algum lugar perdido da memória. A inquietude em nosso encontro revela o quanto já fomos diferentes, ainda que nos olhemos no espelho e vejamos sempre a mesma insatisfação daquele tempo. Eu sei que os céus se tornaram mais nublados desde então, e nada podemos fazer agora. A verdade que eu buscava está perdida em algum espaço em branco do seu olhar e a minha não mais lhe parece assim. “É apenas a vida”, você irá me dizer.

Mas eu prefiro acreditar que não.

sábado, janeiro 18, 2003

Dia de Festa

“Acho graça ver que os discos continuam os mesmos, mesmo a música entrando no meu ouvido diferente. Tudo porque os discos cantam só pra gente.”

Disse isso e se sentou na poltrona velha da sala pouco iluminada. O frio que anunciava a chegada da noite entrando pela janela fez com que ela se arrepiasse por um breve instante, mas assim que se acomodou o calor das taças de vinho tinto entornadas durante todo o dia tomou seu corpo novamente.

“Gosto dessa vitrola”, ele disse. “Na verdade, acho que gosto do que ela me traz de volta, sabe? Sei lá, era um tempo bom aquele, não era?” Seus olhos procuraram conforto nos da irmã. Ela acenou com a cabeça positivamente. “Era bom quando a gente pegava a coleção dos Beatles da mamãe e ouvia o dia todo, sonhando com o dia que seríamos famosos. Lembra disso, Lu? Por que tiraram isso da gente?”

“A gente cresce, Rafa. Não tem jeito. Também sinto falta, foi um tempo bom, mas passou. Não volta mais. Era bom sonhar, mas hoje a gente tem que ver as coisas reais mesmo.”

Esticou a mão e fez um afago na cabeça do irmão. Apesar dos 26 anos, ele às vezes era mais criança que ela, parecendo despreparado para encarar o mundo com olhos de adulto. Isso, de certa forma, doía bastante nela, que aos 18 já se cobrava como responsável pelo rumo da sua vida.

“Não devia ser assim.”, ele falou bem baixinho.

O coração dela apertou. Sabia que tudo aquilo era difícil demais para o irmão, e pela primeira vez desde que tudo acontecera teve vontade de chorar com ele. Mas não podia, precisava ser forte. Sua mãe lhe ensinara desde cedo a ser assim, e por mais que todos a considerassem fria e distante, era um comportamento que lhe dava agora a segurança necessária para encarar mudanças tão bruscas.

“Rafa, olha pra mim. Não fica assim, vai. Você precisa se acostumar. Sério, você precisa crescer. O mundo de fantasias acabou, você não percebe isso? Meu Deus...”

Ele a encarou de forma séria. Levantou-se do chão onde sentara ao lado da poltrona e caminhou até a vitrola. Abriu a tampa com raiva, puxou um dos discos cuidadosamente arrumados na prateleira acima e colocou para tocar. A música alta preencheu o ambiente rapidamente. Lucia levou as mãos aos ouvidos e fez uma careta de desaprovação. Rafael sorriu e esticou a mão direita em sua direção.

Dançaram pela sala como faziam quando eram crianças ainda inocentes na casa dos pais. Sentiram-se mais leves e mais distantes de tudo naqueles minutos que puderam sonhar de novo. No dia seguinte, tudo voltaria ao normal. A música soaria diferente mais uma vez, o vinho não faria mais efeito. Mas, naquela noite, ao menos naquela sala, o que soava aos ouvidos tinha gosto de nostalgia. Apenas os dois, os mesmos discos velhos dos Beatles tocando e a velha vitrola. Simples como sempre deveria ser.

*com a colaboração especial da amiga Natalia Warth, autora do parágrafo inicial.*