quarta-feira, novembro 16, 2011

Epílogo

Quando ela o olhou e disse “aquela noite nunca existiu”, ele temeu por suas lembranças. Que ela levasse seus planos, vá lá. Mas que o destituísse de suas memórias, isso não podia consentir. Era como se acostumara a viver, e não era justo pedir que não o fizesse agora. Ainda tinha os cheiros, a música, o toque. Já não tinha esperanças brancas. Fechou-se.

“Acredite, nós sequer tivemos juntos”. Os olhos dela eram sérios, não havia titubear naquelas palavras. Era o seu abandono, a sua liberdade, enquanto pedia a ele que afogasse o que restara de si. Ela não sorria, já não sabia mais como o ser. Era outra, ainda que a mesma. Não tinha as dores, as alegrias, as vontades. Tinha o cinza dos dias nublados. Fechara-se.

Aquela manhã não passaria. Aquela tarde não deveria chegar. Só a noite, passado-presente, cismando em voltar. E ela pedia que esquecesse. E ele tentava desaprender a sonhar. Como dois, eram nada. Cada um estava só. Deixaram-se.

Com a certeza de quem vive de dúvidas, ele se pôs a caminhar para as cores de um outro lugar, enquanto a noite se encerrou nela com a escuridão de quem não olha para trás. Calaram-se.

Nada tinha existido. Nada valia insistir.

“Desculpa, eu nunca estive aqui.”

Foram-se assim.

quarta-feira, novembro 02, 2011

El primero

(Para ella)

Escucha tu voz. Es la misma que, un día, dijo “te quiero”. Ahora tienes miedo. Quizás porque fui un tonto y no lo dije también. O porque creí que no decías la verdad y, por eso, elegí salir de tu vida. No lo sé. Estoy lejos y todo ha cambiado aquí. Los que me conocen desde hace pocos meses piensan que soy un hombre feliz (aunque, a veces, te eche de menos y necesite llorar solo en mi habitación). Pero no es verdad. Soy un cobarde. Nada de lo que era cuando estábamos juntos. Un tonto, un salvaje. Aquel que no puede acceder a sus sentimientos. Joder! Estas aquí, una vez más. Y puedo tomar tus manos, mirar tus ojos, olvidar nuestros errores. Empezar una nueva vida. Por que no puedes creer que esta es nuestra última oportunidad? Por qué no intentarlo? Escucha mi voz. Es la misma que, un día, dijo “te quiero”. Y la misma que va a decir eso por muchos años más, hasta que las luces se apaguen y se calle la música. Porque esa es la historia que me gustaría escribir. Estoy listo. Vienes conmigo?

sexta-feira, setembro 30, 2011

#1 Crush

O silêncio era longo, tão longo quanto a distância que ela havia colocado entre nós. Nem a mesma música tocava mais, cansada que ficou de ecoar suas notas em um coração vazio. Era um deixar de existir quieto, furtivo. Um apagar. Como se estivesse fugindo dela e, assim, de mim mesmo. Para encontrar um lugar longe do preto-e-branco da vida comum. Para descobrir um canto onde eu mesmo quisesse estar. Mas sempre existe a lembrança do beijo, e assim ela acaba por voltar. E dá cores para um mundo sem vida, põe música onde a quietude deveria reinar. Insuportável. Porque a alegria da lembrança esconde a realidade solitária, aquela que tenta ser aplacada com filmes, discos e livros – que passam por mim sem dizer nada também. Assim eu continuo acreditando, mesmo sem saber no que devo acreditar. São referências, vontades, momentos a compartilhar. Enquanto isso, o silêncio é longo. Enquanto isso, a vida insiste em passar.

Ela só está feliz quando chove. Eu só fico triste por não saber como fazer para que o fim não seja sempre igual. E logo me conformo com pontos finais quando as reticências precisariam existir. Quando é ela, acontece; na dúvida, não falo, e tudo fica quieto lá fora, enquanto o barulho que surge aqui dentro parece querer me matar. E ela está longe demais para ouvir.

Eu nunca gostei de pausas longas. Por isso, ela precisa voltar.

(mas não vai)

sexta-feira, setembro 09, 2011

Quatro taças

“Então você prefere que eu minta para você?”

Ele não sabia o que responder. Um pouco por não saber mais o que havia sido verdade em toda aquela história, outro pouco por não saber se queria continuar a se enganar. A verdade é que sempre viveram farsas, desde o dia em que se conheceram até a tarde em que se despediram, e não parecia fazer sentido buscar algo fora do comum agora. Talvez por isso tivesse vontade de perguntar a ela que diferença faria se ela mentisse mais uma vez.

“Eu quero que você seja sincera.”

Ela já havia sido. O problema é que ele não aceitava, dizendo que era impossível tudo o que ela disse um dia ser tão forte e tão exato ter se acabado assim. Mas acabou. Ela não mentia. Não agora. Foram uma farsa por muitas vezes, talvez todas, revestidos de casal-perfeito-que-está-sempre-feliz, só que não dava mais para seguir. Por isso, a recusa. Por isso, a despedida. Abandonar parecia uma saída; ficar junto, um martírio. Tinha certezas. Não tinha coragem.

“Já não sei mais o que fazer.”

Então não faz. Fica aqui. Deixa como está. Vamos tentar de novo. Pode funcionar. A gente aprende com os erros. Temos tantos planos. Nosso sexo é bom. Nossas famílias se adoram. Nossos amigos não querem se separar. Queremos um cachorro. Não queremos filhos. Você foi feita para mim. Eu não me vejo sem você. Não vai embora. Não desiste agora. Não faz assim.

“Nem eu.”

Por favor, desiste. Eu não sirvo para você. Sou ruim. Sou insensível. Prefiro viver só. Nunca vai funcionar. Por isso eu menti. Por isso eu preciso partir. Não temos mais nada a construir. A sua vida vai se ajeitar. Seus amigos vão estar com você. Compra uma passagem. Faz uma viagem. Descobre o seu mundo. Não fica por aqui. Não baseie sua existência em mim.

“É melhor eu ir.”

Vocês não podem sair assim. O que vai restar daqueles que ainda acreditavam no amor? Dos que viram a relação crescer? Dos que apoiaram, insistiram, ouviram, falaram? Não é justo, não acham? Vocês podiam tentar mais. Vocês tem tudo para dar certo. Não se abandonem. Não desistam. O amor salva tudo. E vocês têm o principal. Fiquem. Por favor.

“É melhor eu desistir.”

Um dia vocês vão se arrepender.

sexta-feira, agosto 12, 2011

Bandeiras

Ela finge que sorri, ele finge que acredita. E assim vão levando mais uma relação que, fadada ao fracasso, insiste em permanecer apenas para evitar os dias de solidão. Por isso, seguem o teatro do cotidiano: investem nas aparências, ignoram o não-sentir.

Em parte das vezes, ela pensa que é por toda a história juntos. Em outras, é ele quem se convence de que não encontrará nada melhor. A verdade é que sempre é pouco, irrelevante, inadequado. Ou apenas fraco, o que, por si só, já basta. São reféns daquelas situações em que só se pode rir porque ambos não percebem o óbvio. Vítimas de momentos em que não se reverte o que está sacramentado. Culpados de uma vida a dois sem graça.

Eles não tentam, apenas estão ali. Não querem estar. Só não sabem como não o fazer. Porque ficou tarde. Porque ficou complicado recomeçar. Porque preferem o igual. Porque gostariam de voltar a gostar. Porque é da natureza deles se acostumar. Simples assim. Um estar na vida sem a vivenciar.

(Perdendo tempo e vontade para quê?)

Ela finge que vai embora, ele finge que não se importa. Mas amanhã estarão no mesmo lugar.

quinta-feira, julho 21, 2011

O outro fim de uma pequena história

E então você retornou às palavras daqui. Não precisa temer – desta vez elas não saem como lágrimas, são parte do sorriso que, um dia, foi capaz de brotar em meu rosto por sua causa e agora se encontra expresso outra vez. Não é uma novidade que o tempo faz isso com as pessoas, porém é bom constatar que tenha sido logo com você. Porque era a peça que faltava, a parte que não podia deixar de existir. Só assim os traumas viram piadas, as lembranças não viram saudades e a gente pode seguir em frente. Transformar. É o perdão ser óbvio, é a presença ser constante. É o amor ser nosso, é a vida ser aqui. Nada distante, nada ausente. Passos dados juntos como um dia prometemos fazer.

“Um dia desses eu me caso com você...”

Não, não foi. E quem precisava?

De novo, somos nós. No lugar que reencontramos. Do jeito certo que antes não entendemos. De uma forma que não pode deixar de ser.

Seja bem-vinda de volta.

sábado, julho 09, 2011

Última chamada

Obrigado por ter vindo. Eu sabia que você logo encontraria o seu lugar e me daria o meu. Sabia que ia ficar completo, que seria compartilhado, que dois poderiam virar um. E foram assim os poucos momentos em que tive você por aqui. Houve sorrisos, palavras, pensamentos. Houve acordar, dormir, experimentar. Ignorei o que podia, relevei o que devia, sonhei o que queria. Foram bons, ainda que poucos. Seriam melhores, se tivéssemos mais. Mas existia muito em jogo, e nada do que parece certo importa se você parece apenas do errado lembrar. E o silêncio incomoda. E a saudade aumenta. E a ausência vai ficar. Como o texto que não publiquei. Como as ideias que não vão se concretizar. Obrigado por ter vindo. Sinto muito por me deixar.

terça-feira, junho 21, 2011

Indomável

Assimilo o golpe e me afasto para respirar. Foi-se o tempo em que eu me esquivava de cada cruzado que você desferia; agora prefiro deixar a cara exposta para ver se a porrada é tão certeira a ponto de me fazer apagar de vez – quem sabe a memória, quem sabe você. Mas a dor física é igual à psicológica, e só repito que preciso suportar. Quando percebo, estou no centro do ringue de novo, desafiando você sem sequer ter forças para me defender. Enquanto isso, você arma sua guarda para um eventual ataque meu, como se não soubesse que sou incapaz de partir em sua direção. Extasiado, percebo sua troca de guarda, e ao invés de amedrontar, a violência dos movimentos me faz pensar na leveza de seu corpo quando o tinha junto a mim. E assim tento puxar você de volta, freando a luta com um abraço, do qual você se desvencilha e responde com uma nova investida. O golpe agora é mais duro, e fico tonto, quase sem pensar. Mas quando meus olhos focam outra vez, consigo perceber o seu sorriso, que já traduz uma superioridade que não consegue me incomodar. Sou aquele que já não pode lutar, por fim. O último me joga à lona tão fortemente que o som é seco. Enquanto a contagem soa longe, vejo seus braços levantados e me pergunto qual vitória faz você vibrar. Afinal, não existe platéia a aplaudir nem troféu a erguer. Fecho os olhos, cansado, querendo ficar ali para sempre, esperando que o despertar leve junto qualquer lembrança de nós dois. Porque, no final, quem vai perder é você.

quinta-feira, junho 02, 2011

A primeira de todas iguais

Às vezes eu busco botar um pouco de felicidade em mim. Ouço uma música, vejo um filme, leio um livro. Mas parece que sempre existe algo aqui dentro que atrapalha todo o plano, que me faz lembrar que a tristeza é regra, e não exceção. E assim um texto novo brota, fruto de uma inspiração que eu adoraria não ter. E com ele vem a saudade, a ausência, a angústia – só não vem você, seja lá quem você for. Nunca sabemos, não é?

Reluto, insisto, paro de escrever. É quando vejo que há uma parte do que eu sou que precisa sair, e as palavras são a maneira que encontrei para isso acontecer.

É sempre assim.

Não sei se porque as lágrimas já rarearam, não sei se porque os suspiros já silenciaram.

Talvez porque a sua voz eu nunca (mais) ouvi.

Eu só sei que escrevo. Não aprendi a dizer.

E no papel encontro o remédio para a solidão que eu cansei de sentir.

terça-feira, abril 26, 2011

Resistência

“Tudo fica”, você costumava dizer. As palavras ditas, os momentos vividos, os sentimentos compartilhados. Coisas assim. E o esforço de apagarmos os rastros de nada costuma adiantar. Mas admiro você por tentar viver como se nada tivesse acontecido. Deve ser alguma espécie de talento esse que você tem de ignorar por completo toda uma existência a dois. Eu, infelizmente, ainda não o desenvolvi. Deve ser por esse motivo que a foto continua ali na mesa, e o cd que ouvíamos antes de dormir nunca saiu do aparelho de som. Enquanto isso, imagino que na sua casa o quadro branco não tem mais a minha declaração, e que o filme que perdíamos tardes revendo já virou mero adorno em uma prateleira esquecida. Talvez nem mesmo o espaço vazio que tantas vezes você alegou não suportar ainda exista aí. É tudo uma farsa tão grande assim?

Não sei se quero saber.

Ok, tudo fica - mas o quê? O vazio, a mágoa, a angústia? A solidão, a tristeza, o medo? Eu? Porque você pode ir, já foi, não vai voltar. E o que restou aqui é parte de um passado que o presente não quer esquecer. É lembrança, vontade, esperança, teimosia. É vão (se vão). Agora você é isso.

E eu não sei se quero você.

sexta-feira, abril 01, 2011

Um dia no meu mundo

Nunca mais eu disse seu nome. Não porque tenha desaprendido, ou porque tenha sido capaz de esquecer, e sim porque cada letra que ia se somando até chegar à palavra final saía de mim arrancando um pouco de tristeza que eu não queria mais sentir. Mas hoje, quando olhei sua foto, ele saltou de minha boca num suspiro, forte e quase automático, e não pude impedir o coração de sangrar. Meus olhos, enciumados, verteram lágrimas também, e logo meu corpo todo era uma solidão só. Tentei colocar outras palavras para fora, ocupar os buracos com qualquer nome, porém às vezes o vazio que dá na gente é logo daquilo que um dia escolhemos não ter. Por isso, eu odiava seu nome, e tremia toda vez que ouvia alguém o dizer. Agora, me pego escrevendo-o incontáveis vezes numa folha de papel qualquer que encontrei por aqui. Como se a repetição fosse enfim o apagar. Como se cada letra que sai da caneta me fizesse te abandonar. Como se a escrita ajudasse a me calar, ainda que só para mim. Como se a ausência significasse que nunca existiu.

Mas não foi assim. Talvez não seja assim.

Hoje, quando olhei sua foto, seu nome voltou a soar por aqui. E tudo que eu queria era que você tivesse sido capaz de ouvir.

terça-feira, março 15, 2011

Vete a vivir

Perdi a conta de quantas vezes eu me disse para não esperar. Apesar disso, segui tentando, na expectativa de que um dia algo fosse ser diferente. Mas palavras são sempre palavras, e quando há distância envolvida, elas podem se perder no ar da mesma forma que são lançadas, sem controle ou direção. Na verdade, a gente sabe que o sentido está ali, ainda que ele só se faça quando desejamos que seja assim, o que tem sido cada vez mais raro entre nós. Em outros tempos, já não importava a língua, a grafia, a tinta – bastava a nossa vontade de nos fazer entender. Agora, o seu silêncio é mais forte que o seu olhar, e sentir você longe vai além de qualquer separação geográfica. Talvez seja o resultado do que não plantamos, do que não tivemos coragem de arriscar. Talvez seja o caminho inevitável, uma vez que o impossível foi a tônica desde o primeiro momento em que nos vimos. Difícil saber, tanto quanto é difícil aceitar.

Eu chamo você de longe. Eu não escuto você me chamar. O tempo age. O sentir se (es)vai.

Apenas a lembrança a resistir, marcada em uma foto para a qual não consigo parar de olhar.

- E que insiste em querer fazer tudo voltar.

domingo, fevereiro 06, 2011

Valsa de Barcelona

O metrô esvaziou. Quando percebeu, seus olhos já pairavam sobre ela. De repente, os olhares se cruzaram, mas ele não acreditou na correspondência e mirou algum outro ponto do vagão. No entanto, a todo instante a procurava de novo, e a cena se repetiu mais algumas vezes. Uma. Duas. Três estações. Entra um grupo de meninas. Falam alto, incomodam. E estão ao lado dela, que tenta fugir com os fones de ouvido. A ele, tudo o que resta é ficar ensurdecendo. Mas ela repara na cara de desaprovação dele e sorri. Ele corresponde, vendo que ela também se aborrecia com as adolescentes. Já é certeza que seus olhares estavam se esbarrando por vontade mútua. Ele pensa em ir até ela. Não vai. Ela também permanece no seu lugar. Faltam três. Duas. Uma estação. Ele precisa descer. Ela não está olhando. Na plataforma, ele vira para trás. Ela observa, esperando uma mudança de plano. A porta se fecha. Eles nunca mais vão se encontrar. Durante a noite, ele vai se arrepender por não ter dado aqueles poucos passos. E vai torcer para que a partida de futebol sirva para consolar. 

(Mas este texto já diz que não)

segunda-feira, janeiro 03, 2011

Sem título

Sempre gostei desse sorriso que se abre fechando os seus olhos já pequenos, parecendo iluminar seu rosto de tal forma que poderia fazer com que você enxergasse mesmo assim. É engraçado, porque, quando isso acontece, você perde um pouco da beleza séria que me conquistou desde o primeiro instante em que vi, sentada naquele banco, mirando o horizonte como se houvesse respostas para quaisquer dúvidas ali. E me lembro de que você, muito tempo depois, falou que não havia uma preocupação naquele instante, ainda que tenha sentido um conforto maior quando sentei ao seu lado e perguntei se podia ajudar você a procurar o que quer que fosse que estava conquistando o seu olhar. Era uma quinta-feira, acho que chovia, mas nunca consigo precisar. A verdade é que você não se levantou depois de alguns minutos em que, juntos, contemplamos o céu que nada dizia, e eu achei que aquilo podia dizer algo. Quando nos despedimos, o seu sorriso quis aparecer, porém não era a hora. Como não o conhecia, não sabia ainda como seria difícil ficar sem tê-lo em minha vida. Agora, depois de tantas vezes em que brotou espontaneamente, estranho a ausência, e me deparar com ele nessa velha fotografia que cisma em me encarar não traz qualquer tipo de alívio. Porque não vejo os olhos se fecharem, não ouço o som baixinho da sua risada nem sinto o seu respirar leve. Porque ele não se desfaz em seguida para dar lugar a um olhar carinhoso e uma expressão apaixonada. Porque ele eterniza o que nunca deveria ficar estático. Porque ele é só uma imagem, como aquela que você procurava no dia em que nos conhecemos. E que, nós sabemos, nunca estará ali, porque não existia. Sempre gostei desse sorriso. Sempre acreditei que ele só era para mim. Agora é hora de eu aprender a sorrir assim.