domingo, dezembro 15, 2013

Domingo, 22h20


Ela prendeu os cabelos mais uma vez e continuou a falar. Confesso que ali já era incapaz de entender qualquer palavra que saía por entre seus lábios - estava apaixonado por sua delicadeza, por aquela forma tão sutil de fazer cada ação. Imagino que eu não fosse o único. Era fácil render-se a ela. Sua pele branca, seus olhos levemente apertados, seu jeito tímido. Poderia passar horas olhando-a fazer coisas simples e, ainda assim, admirá-la mais a cada minuto. Mas era um instante, não mais do que um instante, e eu sabia que logo iríamos nos afastar. Por isso, mantinha minhas mãos inertes, sem qualquer tentativa de aproximação. No máximo, levantava uma delas para tomar um gole do café que já nem quente estava mais, quase como um gesto sem propósito. E guardava para mim as emoções, com medo de abreviar o término inevitável. Eu pensava, admirava, sentia. Enquanto isso, ela falava, e sua pele branca parecia ainda mais bonita em contraste com as luzes que iluminavam a rua lá fora, e os seus olhos quase se fechavam quando ela sorria ao final de uma frase, e sua timidez se destacava quando ela percebia que eu não parava de olhar. Era difícil até respirar. Foi quando seus dedos encostaram nos meus e o mundo parou de girar. Tudo era silêncio. E nós dois ali, no centro do nada. Simplesmente perfeito. Absolutamente único. Obviamente irreal.

- Sua conta, senhor.

domingo, outubro 27, 2013

Filme Noir


Ele olhou pela janela e avistou o horizonte seco mais uma vez. Na casa, a música sublinhava seus pensamentos, pedindo textos que as mãos não queriam escrever. Fazia muito que não dialogava com os sentimentos, sua alma calada no esquecer de fazer pulsar vida ali dentro. Talvez faltassem as gotas de chuva no vidro, o vento frio percorrendo a espinha. Quem sabe alguma saudade, um desespero de solidão. Alguma coisa que o fizesse reviver. Porque agora o horizonte era só horizonte, e os prédios em progressão não indicavam histórias a contar.

Eram cinco da tarde. Não havia mais cigarros, nem vinho. Os livros empilhados resumiam uma existência catalogada por palavras que tentava recriar para si. Via-se imóvel, inatingível, incógnita em busca do desaparecer. Um telefone tocando ao fundo. Um raio de sol invadindo o rosto de relance. O ar rarefeito, mas ideal. Ele se afastou da janela e começou a dançar. A sala logo se preencheu de sombras. As cores perderam seu lugar. Porque agora a tarde era só tarde, e a noite não parecia apressar-se em chegar.

Deitou-se, por fim, com o teto a lhe observar e o tempo a lhe sorrir. Fez-se melancolia, enquanto as luzes lá fora pareciam despertar.

Tornou-se início outra vez.


sábado, agosto 10, 2013

Invernos


Durante muito tempo, eu pedi que você voltasse. Não suportava a cama imensa, o silêncio pela manhã, o café em apenas uma xícara. Doía. Assim, como para fingir que a lembrança não existia, passei a evitar algumas músicas, esconder seus bilhetes, renegar nossos filmes. Às vezes, escrevia palavras a esmo, como se elas fossem lhe alcançar e fazer você reencontrar seu lugar. Tolo, não entendia o que acontecia.

Foi então que o inverno chegou, e eu precisei encontrar calor de novo. Deixei de lado a busca pelo seu abraço e a intensidade do seu beijo. Esqueci seu cheiro, desaprendi a percorrer seu corpo. Escolhi deixar as folhas em branco outra vez. Comecei a construir uma nova existência na qual de você eu não fosse refém. E esperei.

Até que, certo dia, senti que você não estava mais aqui - e isso, finalmente, não foi razão para lamentar. Acordei, abri os olhos e soube que era hora de seguir. Dei passos firmes como alguém que não teme mais andar sozinho. E me despedi de você como sempre pretendi fazer.

(Mas como nunca gostaria de ter)

domingo, maio 12, 2013

Partir, andar, um lar, adeus



Ela precisava ir. Já não tinha mais fôlego, já não sentia mais pulsar sua vontade. Apesar disso, seus passos eram firmes, bem como sua decisão. Comprara um bilhete, tinha um destino. Ficar não lhe cabia agora. Aquele lugar não mais bastava. Aquele amor não mais existia. Não havia nem o que deixar para trás. Mas o dia era claro, e a luz era inimiga da fuga. Como sair sem ser notada? Como partir sem dizer adeus? Não suportaria as lágrimas da despedida. Estava preparada para tudo, menos para o apelo. Por isso, queria a noite. O escuro, o silêncio. O cúmplice dos amantes, o refúgio dos solitários. No entanto, as horas lhe sobravam, em eternidade circular. Arrumara e rearrumara todos os itens. Refizera todos os passos. Faltava apenas cruzar a porta. Lá fora, a liberdade a esperava. Uma nova vida de dúvidas e experiências. Fora do conforto. Fora do banal. Fora do óbvio. Enquanto isso, ele ainda seguia. Certo de que nada acontecia, satisfeito em seu pequeno universo. Incapaz de temer o girar da chave. E ela ali, olhando pela janela a vida lhe passar. Pensou em uma música e uma lágrima escorreu em seu rosto. Fraca. Suas mãos procuraram os bolsos, nervosas. Forte. Não cabia mais esperar. Aproximou-se da saída. Ele a chamou.

Talvez fizesse frio naquela tarde.

Talvez o céu brilhasse azul.

Talvez os olhos estivessem nublados.

Foi amargo o caminhar.

segunda-feira, fevereiro 04, 2013

Da ausência e do silêncio


Ainda hoje, quando me lembro do seu silêncio ao meu lado, fecho os olhos e posso ver seu olhar calmo, sentir sua respiração forte em mim. Foi com você que aprendi a valorizar o não-dito, o compartilhar mudo, o estar junto por estar. Nunca te disse, mas foi. E essa é uma daquelas lembranças fortes que não sou capaz de apagar. Talvez por isso, desde que você partiu, eu tente preencher os espaços com a música, aflito em não deixar as pausas soarem. Mas não adianta, a gente sabe. Porque os sons me doem agora, e o silêncio que cisma em reinar aqui é o da ausência, e não o da cumplicidade. E cada vez que você, já distante, emudece, eu, perdido, enlouqueço mais. Aí volto aos nossos espaços, mas você não está ali. Sou imposto a um novo começo, ainda que sua presença esteja em cada lugar que descubro. Então imploro, procuro, insisto. Me desespero. Só que você foi, e a cada vez parece se afastar mais. Impotente, assino a rendição e assumo que não sei como superar você, enquanto você segue seu caminho, sem nada do que um dia fomos. Porque se calar, para você, é ir adiante - e não ouvir, para mim, é morrer aos poucos. Assim, eu espero um sinal que nunca chega, e o silêncio que paira não é mais aquele que me faz feliz. E eu temo pelo dia em que nem o lembrar caiba mais a mim.

terça-feira, janeiro 08, 2013

Do zero ao zero


Eu queria escrever um texto para apagar você. Um texto que fosse de superação, daqueles que incentivam a todos que precisam seguir em frente depois de um coração partido. Um texto cujas palavras fossem amenas e esperançosas, sem qualquer resquício de mágoa ou de frustração. Um texto que não evocasse seu nome, que não me trouxesse sua imagem, que não tivesse o seu cheiro (sim, é possível senti-lo mesmo agora, apesar de toda a distância que você nos impôs). Mas não consigo. Basta colocar a caneta no papel e você volta no mesmo instante, como se a casa se preenchesse da sua presença mais uma vez. Aí as letras, as palavras, as frases, as imagens redundam, e tudo é seu, de novo. E você vira protagonista, antagonista, personagem secundário, obra completa - só não é narradora porque desistiu de contar nossa história. Até a trilha sonora é para você, ainda que você não saiba. Parece proposital. Talvez até seja. Afinal, eu escolhi, mas pensava em você. Sempre penso, não é? Sempre. Daí o texto fica repetitivo, as palavras soam iguais, o sentimento não muda. Daí quem vem aqui ler apenas pensa que perdeu seu tempo, acreditando que veria algo que o incentivasse a mudar de caminho, em vez de seguir rumo ao nada. Desculpem-me, eu não consegui. Fui clichê. Isso tudo porque eu queria escrever um texto que não contivesse você. Só que você ainda segue em mim. Mora. E a página em branco não consegue ganhar vida se não for assim.