quarta-feira, agosto 31, 2005

Antes da fuga

Ele olhava para as mãos, fascinado. Talvez nunca tenha reparado antes nos dedos, ágeis, finos e delicados, deslizando sobre as teclas do piano. Não ouvia a música, nem faria diferença. A visão era o sentido principal, olhos parados em contemplação. Não sorria. Mal sabia se respirava. No peito, oco, um sinal de alerta. E as mãos seguiam seu caminho, sua rotina, seu destino.

Um vento leve soprava em seu rosto. A janela entreaberta era a possível culpada, de onde vinha também o raio de sol que se insinuava preguiçoso ao final da pauta. Não era um dia quente, nem frio. De repente nem mais era dia, ou o mesmo. Sabia que as horas de sua vida não respeitavam a imortalidade que os belos momentos mereciam, por isso aprendera a ignorá-las. Contudo, não contava o segredo a ninguém.

Era preciso ser esperto, afinal.