segunda-feira, junho 30, 2003

De Tão Pouco Tempo

O silêncio meu e seu naquele fim de tarde não dizia nada, como todo silêncio nosso dos últimos meses. E eu que sempre achei que o dia em que não conseguíssemos falar nada seria porque tudo estava dito, agora via que estava totalmente enganada. Você olhava para a parede cinza como se dela fossem saltar as perguntas que você deveria fazer para mim, e eu olhava para você como se da sua boca ainda pudesse sair algo mais do que um suspiro triste. Já estávamos distantes um do outro, por mais que não quiséssemos aceitar. Eu corria e parava sem saber a direção que estava por vir.

Não sentia mais vontade de lhe dar um abraço ou mesmo de olhar em seus olhos com o mesmo brilho de quando nos conhecemos. Eu era mais inocente ali, perdida em suas vontades, e você enxergava de mim muito além do que eu sabia. Só que eu sempre tive medo, você sabe, menina que era e não sabia lidar com minhas emoções, e ia e voltava de nós dois como se pudesse continuar brincando com as minhas incertezas, até a hora em que me vi obrigada a decidir. O problema foi que eu nem sabia que decisão era essa, e você também não sabia o que dizer para me confortar.

Mas as palavras ainda existiam dentro de mim e de você, apesar do silêncio. Elas estavam distantes, perdidas em emoções passadas, jogadas na solidão que cada um de nós construiu para si, esperando ser encontradas. E se foram assim. Tentar chegar até você já não era o refúgio que o meu coração pedia, e talvez deixar você partir não fosse tão ruim assim. Ou talvez o melhor seria eu sair. Sempre é difícil decidir o que não se sabe ao certo.

De repente nem mais estávamos ali.

domingo, junho 22, 2003

Outros Campos

E ela me olhou com os olhos de quem não sabe o caminho certo e disse: “vem, vamos ficar juntos, com você do meu lado nada é ruim, eu preciso de paz agora”, aí pegou em minhas mãos com força, como se isso me fizesse acreditar ainda mais nas suas palavras.

Eu estava quieto. Mais do que nunca queria trazer alguém para perto de mim, começar um mundo novo com ela, que nem eu quis quando conversamos pela primeira vez algumas semanas antes. Mas minhas mãos não mexiam, eu continuava em silêncio e só conseguia pensar em como tudo tinha mudado tão de repente.

Era apenas um sonho, só um sonho. Não conseguia tirar os olhos das mãos dela. Os dedos entrelaçavam-se rapidamente, depois batiam as pontas na mesa, depois se esticavam preguiçosos e então descansavam de novo por alguns segundos, não mais do que alguns segundos, e aí tudo se repetia incontáveis vezes. E eu ria desajeitado, tentando disfarçar o fascínio que aquela timidez me despertava, mas que ao mesmo tempo me dava uma sensação de imobilidade, de que nada daquilo seria de grande serventia no futuro. Era apenas um momento, só um momento, e quando acabasse eu talvez nem fosse lembrar que me sentira bem em estar ali.

O início de uma tarde fria. Os livros, o jazz, o capuccino sobre a mesa redonda. “Você não precisa ficar distante, eu estou aqui, vem, vamos ser felizes, você sabe me deixar assim”, mas eu não consigo, não chego perto, não me mexo. Eu não sou capaz de trazer para perto de mim. E as cortinas se fecham, eu quero abrir, mas elas se fecham, aos poucos, inteiras, cinzas. Que nem ela, quando disse que havia trancado as portas e que só existia o medo de não ter amor para dar em troca. É que a estrada se tornou escura e já não dá para saber se o sonhar é tão real quanto parece ser. Resta sentir.

domingo, junho 08, 2003

Quase Um Só

Quebrar tudo que tem pela frente sempre me pareceu a solução ideal para compensar minhas frustrações. Quando eu era pequeno e não sentia tanta dor, ainda assim gostava de jogar coisas na parede e gritar bem alto para tirar daqui de dentro o que incomodava. Naquela época eu já não entendia direito o que se passava, mas achava que era porque não tinha ainda idade para entender, e não porque não era capaz de controlar minhas angústias. Só que a gente cresce e percebe estranhamente que certos hábitos nunca mudam, e aí passa a chorar de desespero e a não conseguir aceitar que as atitudes podem fugir da vontade. E pensa que a vida de repente pode mudar, que aquela solidão não é uma solidão só, mas várias, e que deixar as coisas inteiras não significa nada se você também não está inteiro. E aí os objetos viram os inimigos, a parede se torna o mundo e você se torna nada. Tudo cai, tudo quebra, tudo vira ao contrário. Não há mais dor por um instante, depois a dor volta e te joga a realidade na cara, e aí a gente acha que o que é real nunca foi real ou então que vive numa mentira própria, que é tudo inventado pela gente ou por um outro alguém. Dá vontade de sair correndo, de voltar a gritar bem alto para expulsar tudo, e o grito sai mudo, e as pernas não respondem, e tá tudo escuro de novo. Sozinho. E as paredes que eram o mundo agora são o buraco negro e você é pequeno, pequeno, pequeno. Não consegue alcançar as coisas e elas não podem ser quebradas. Aí começa a se quebrar, porque não pode ficar inteiro, não há inteiro, só partes, e cada parte é um pouco de um todo que não existe, mas que quebrado pode existir. E surge de novo a angústia, a dor que não pára nunca, a vontade de ficar imóvel e simplesmente deixar o tempo passar. Só que ele não passa, e a gente se mexe à toa, só para ver se alguma coisa ainda está no lugar. E volta a ser grande, a se atrapalhar com as coisas e querer que elas não existam. Pede para a dor parar, para o gritar ter som e as cores do mundo preto e branco saírem do lugar que não é delas. E cai da cama para acordar da solidão e sentir que é tudo sozinho mesmo sem querer. Não há fuga para a confusão. As coisas estão no mesmo lugar.

terça-feira, junho 03, 2003

Epílogo de Duas Vidas em Papel

A última voz que imaginava ouvir naquela noite de fim de semana era a sua. Talvez por isso não tenha atendido de primeira quando vi no telefone o número de um lugar que não era o seu. E até agora não entendi o que aconteceu ao certo, como você voltou a fazer parte da confusão que existe aqui dentro. Mas a verdade é que voltou, e eu preciso fazer algo.

Não sou imune a você. Nunca fui, desde o primeiro instante, e pareço ser menos ainda depois de tudo que aconteceu. Pedir para ignorar o que sua voz me disse naquela noite de fim de semana é inútil, você sabe que não sou assim. Eu me preocupo, sempre me preocupei, e não foram meses, distância e silêncio que afastaram isso de mim, não mesmo. Só estava guardado, e agora voltou tudo. Estou aqui.

Você não vai ler isso, ninguém vai. Não dessa vez. Acho que aprendi com você que as palavras dizem mais do que os olhos sem dor podem perceber. Você entenderia, eu sei, mas talvez seja tarde. Quem sabe não é. Você escolheu assim.

Espero que fique bem.