sexta-feira, novembro 26, 2010

Sinfonias

Ando devagar. Não tenho pressa de chegar. Aprendi com você a olhar para os detalhes do caminho e sentir cada passo que é dado sem compromisso. Por isso, nem a chuva fina e gelada que cai agora chega a me incomodar. “É tudo parte de algo maior”, posso ouvir você dizer, com aquele ar ingênuo que tanto me agradava. Esqueço. Prefiro atentar para a música que soa distante, como se convidando para repousar em algum canto.

Há uma casa. Ainda é longe, mas posso ver as árvores no quintal e os poucos movimentos das roupas no varal. A chuva aperta. A vontade de correr não chega. Alguém abre a porta e corre para retirar as roupas. Ouço os cachorros latindo, fora do tempo da música. A cena é bonita. Nem percebo quando a terra vai virando lama - meus pés pesam, como se me fincassem ao chão. Na verdade, eu não ligo. Sou parte deste lugar. Você, não.

Penso devagar. Respiro rápido. É tudo mais simples agora.

A música se perde no ar, ainda que persista em mim.

quinta-feira, outubro 21, 2010

Mãos - a obra

Às vezes ainda sou capaz de ouvir sua voz falando baixinho bom-dia no meu ouvido e volto a sentir meu coração batendo acelerado, igual a quando eu imaginava que era assim que queria acordar pelo restante da minha vida. Nem parece que foi há tanto tempo que você deu boa-noite e subiu, me deixando sozinho no carro com um longo caminho até minha casa e uma solidão que parecia nunca mais ter fim. Sua voz ainda é nítida, meu coração ainda faz o peito doer. Mas não há saudade. Talvez lembrança, mas a ausência não é mais sentida. Porque o tempo ensina a se acostumar com o vazio, e a gente aceita, finalmente, que a presença nem era tão importante assim. É mentir para si mesmo. Tanto antes, quanto durante. Até depois. Segredo para fazer dar certo, dizem. Eu nunca soube, então o que falo deve ser verdade. Também o que eu sinto. Por isso a sua voz é nítida, mas o seu rosto já se foi. E se meu coração ainda acelera, pelo menos o seu cheiro já se dissipou no tempo. Agora é só a memória, em uma das caixas que você me ensinou a reservar para cada um que passa por nós e vai, assim, sem ter um porquê. Como você, que até hoje eu não entendi porque veio ou como se foi. Só que não está aqui – e que é melhor assim. Assim os dias podem ser bons, não é?

segunda-feira, agosto 16, 2010

Paralelos

Quando a frente fria que caía sobre a cidade se dissipou, deixando apenas em mim o gélido sentimento de ausência, parecia que começar o dia seria a tarefa mais difícil. Havia silêncio ao meu lado, e nem cada passo dado, ecoando no quarto semi-escuro, era capaz de preencher tamanho vazio. O café da manhã não precisava ser preparado – comer na cozinha era uma saída para não lidar com a segunda cadeira inerte junto à mesa da sala. Também não fazia sentido ter duas toalhas, duas escovas de dentes, dois pares de pantufas. Era tudo velho de novo.

Foi assim que aprendi que não éramos mais dois que se tornavam um. Ao contrário, agora era eu quem me dividia em partes: uma, insistente, queria que você voltasse. Já a outra, coerente, desejava nunca ter tido você aqui. Enquanto isso, em você já havia quase dois novamente, vida que segue como deve ser. Por isso, eu precisava acordar e levantar, começando, devagar e sem vontade, a voltar para mim.

Mas ainda não sabia por onde ir.

quarta-feira, julho 28, 2010

Sobre recomeçar

Se fosse possível mudar a sequência dos fatos ou quebrar a linearidade do tempo, talvez hoje nós não estivéssemos assim. Mas, refém que somos dos nosso próprios passos anteriores, apenas desejamos que a vida tivesse nos dado um caminho diferente, para que hoje não fossemos tão duros ao ponto de não nos vermos mais um ao lado do outro. Quem sabe assim não falaríamos em tom de despedida, nem evitaríamos o abraço com medo de que ele fosse o último. Trocaríamos as dúvidas por certezas e daríamos à felicidade a chance de se manifestar como há muito ela pedia. Seríamos nós, por fim.

Se fosse possível acreditar que se é capaz de mudar.

sexta-feira, junho 18, 2010

Através do espelho

Duas vezes não foram suficientes para ele aprender que não devia insistir. Foi preciso que a mágoa falasse mais alto, que as palavras fossem duras, que as atitudes fossem incompreensíveis. Foi preciso que doesse como nunca havia doído, que a saudade se transformasse em raiva e que a lembrança dos momentos felizes fosse ofuscada pela consciência da tristeza constante. Foi preciso entender que o que parecia certo era, na verdade, o seu maior erro. Foi preciso odiar para superar. Foi preciso sentir para esquecer. Foi preciso chorar para não amargar. Foi preciso mentir para si.

Foi preciso ir.

segunda-feira, abril 12, 2010

Periódico

Quando soube de você a primeira vez, algo me dizia que não seria algo irrelevante. E ainda que não fosse manchete de jornal ou chamada na televisão, a notícia de que você existia ficou gravada em minha memória de tal forma que, por muito tempo, qualquer outra que surgisse parecia competir por um espaço em uma página praticamente preenchida.

Com o tempo, a tinta foi se apagando, e a folha que antes imprimia uma grande verdade, foi se perdendo como papel velho e inútil. A partir daí, decidi que não mais leria as novidades como se fossem únicas, deixando que elas soassem como fatos requentados que se fazem clichês a todo instante. Fui perdendo, então, aquelas notícias que as pessoas sorriem quando recebem, quase não acreditando na sorte que tiveram. Também abandonei aquelas que demoram a chegar, por serem exclusivas e definitivas. Por último, deixei para depois aquelas que sempre esperamos que um dia nos dêem, de modo que nos arrebatem e nunca mais nos esqueçamos delas. Passei, então, a colecionar aquelas que eram ruins, que por opção jamais deveríamos querer saber, mas, ainda assim, insistimos em procurar. Aquelas que pesam as páginas do jornal em uma manhã de 2a feira cinzenta.

E assim tudo caminhou.

Não faz muito tempo, uma notícia chegou aqui. E eu sei que, dentre todas, são as ruins as mais fáceis de nunca se esquecer. Talvez por isso, não tenha mesmo dado muita atenção quando ela se anunciou. Eu ainda esperava aquela mesma, que recebi há tanto tempo, e nunca pude esquecer. Aquela que me dizia que nada seria à toa ali, entre nós dois. Aquela na qual valia a pena acreditar.

Pode ser besteira, tudo bem. Mas a verdade é que, desta vez, o que eu queria era que fosse eu a boa notícia que chega agora para você.

segunda-feira, abril 05, 2010

Pequena história de um só fim

Quando a última pedra se encaixou e a calçada tomou forma, os passos que foram dados ainda eram incertos. Terreno novo, pouco firme, toda cautela era necessária. Mas bastou que alguma segurança tomasse conta para que ele corresse como criança despreocupada que era, achando que não havia perigos em fazer aquela travessia. E então foi se afastando, sempre em direção ao infinito. Não havia pressa de chegar porque o fim parecia não existir.

Ele se via ao longe. Sentado, admirando aquele ímpeto que já fizera parte de si. A poltrona era confortável, o ar não parecia pesar. Em dado momento, virou apenas um ponto no horizonte. Sorriu. Hoje ele sabia o que o esperava depois da curva que ainda seria descoberta, alguns metros adiante. E tinha a certeza de que aquela corrida, aquele coração batendo rápido, aqueles olhos brilhantes, mereciam o destino que o esperava.

“Por que você não pára e brinca um pouco aqui comigo?”

“Um dia desses eu me caso com você...”

E foi assim. Não foi?

segunda-feira, março 22, 2010

Depois da tempestade


Eu queria ter descoberto antes o valor da leveza. A importância do beijo apaixonado, do abraço longo, das mãos entrelaçadas. Ter visto que havia mais sentido no que se construía aos poucos do que na sede de se ter o máximo, deixando a tolice da paixão intensa ser domada pela existência de um amor sereno. Talvez assim tivesse reclamado menos das ausências tolas ou das palavras não ditas, e exigisse menos do que viria com o tempo. Mas a verdade é que o se distanciar ensina mais do que a presença, e é no sentir falta que o sentimento acaba se (com)provando. É quando dói saber que a vida segue, mesmo que não se queira assim.

Eu queria ter descoberto antes que era capaz de fazer diferente para não precisar sofrer por insistir em errar.

terça-feira, março 02, 2010

Tempestades

Ela deu um sorriso e pulou a poça. Nos seus sonhos mais infantis, havia alguém que tirava o casaco e cobria o obstáculo, para que ela passasse sem esforço. Mas fazia tempo que ela entendera que a realidade era superior à fantasia e decidira que pular era mais simples do que esperar o gesto que a levasse adiante. Talvez por isso também os seus olhos brilhassem menos, e o seu coração não batesse tão forte.

Endurecera, pois. Ainda que fosse capaz de sorrir, havia um quê de tristeza em sua expressão. E não se tratava mais da passagem traumática da vida juvenil para a adulta, quando o que nos resta de criança corre para brincar da mais difícil de todas as brincadeiras de se esconder. Era algo mais. Algo que muitos diriam ser normal para quem arriscou e se machucou demais, natural para quem esperou e se frustrou muitas vezes. Algo no que ela também passou a acreditar.

Virou-se para trás e olhou novamente a poça. Nos seus sonhos mais distantes, ela parecia bem maior, metáfora boba dos obstáculos intransponíveis que se tornam fáceis quando crescemos. Mais uma vez, sorriu. Um sorriso que se fez trêmulo quando refletido na pequena porção de água que insistia em se mover ao vento. Ali, ele ganhou sinceridade. Apenas seus olhos continuaram turvos, embotados da cor que tomava o chão.

Havia desistido de tentar. Os sinais de cansaço estavam em cada palavra, em cada abraço sem jeito, em cada toque evitado. Não escrevia mais cartas de amor. Por isso, era importante saltar, deixar para trás o passado com o qual já não era capaz de se identificar. Libertar a menina que, um dia, acreditou que seria feliz para sempre, como reza a boa cartilha dos contos de fadas lidos noite após noite para nos iludir.

A chuva voltou a cair repentinamente. Da poça fez-se uma pequena correnteza, cuja direção era contrária à dos seus pés. Então ela correu. Cabeça baixa, respiração ofegante, tênis molhados. Só parou alguns metros depois, quando seus olhos, finalmente, saíram do chão e o casaco se abriu à sua frente, para acolher em vez de facilitar.

Ela deu um sorriso e consentiu.

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

Descoberta


“Caiu”. Olhei para ela. Havia um semi-sorriso nos lábios, misturado com um ar preocupado. Pensei que ela pudesse ter perdido algo importante, como o anel dado pela avó ou o lápis que prendia o cabelo. Mas não, continuava tudo ali. Olhei mais uma vez, procurando o que quer que fosse. Mas ela estava calada, e seguia olhando para um horizonte perdido que nada me dizia. Foi nesse momento que a sua mão tocou a minha. Eu tentei dizer alguma coisa, mas acho que foi em vão. Por muitas vezes aquele gesto já havia não me dito nada, e podia ser apenas outro caso assim. Porém, apertei seus dedos com força, e meu coração disparou. Senti voltar tudo, e recuei. Puxei a mão, como quem se queima brincando com fogo. Ela me olhou. “O que houve?”, perguntou. “Eu não sei”, respondi. Foi quando a sua mão encontrou a minha de novo. Tremi. “O que caiu?”, insisti.


“A ficha do quanto eu gosto de você.”