quarta-feira, agosto 20, 2014

Penas


Quanto eu inventei você, havia um espaço que pedia desesperadamente para ser preenchido. Uma ausência do que não tinha sido que doía a cada esperança de que fosse, transformando o viver como um em tarefa da ordem do impossível. Foi assim que seu lugar fez-se lógico, ainda que nunca tivesse lhe pertencido. Eu só não sabia o que viria a partir daí. Tornei-me dependente dos seus olhos, da sua boca, da sua mão branca e insegura - que nunca existiram assim. Era tudo real, a ficção mais perfeita que já construí. Às vezes, quando minha memória me traía, você se transformava em outras que já passaram por aqui. Diferente, mas igual a tudo com que eu nunca sonhei - e sempre tive. Então, quanto mais você existia, mais você sumia, e a verdade é que não tinha me preparado para me perder de mim. De repente, virei ser vagante sem a sua referência. Respirava você, bebia você, existia em você. E no silêncio, sombra. Você era tudo. Parte do que eu sou, parte do que eu nunca poderia ser. Era impossível. Por isso, quando eu matei você, deixei um buraco no meu peito que não cessa de sangrar, e agora caminho triste em busca de um novo jeito de recriar sua inexistência. Mas a mente insiste em não mais te desenhar.