quarta-feira, janeiro 29, 2003

Muito Além de Nós Dois

Eu queria entender o que seus olhos dizem quando encontram os meus assim, tão aflitos. É estranho, talvez diferente, mas a verdade é que sempre fico desconfortável, procurando abrigo no chão ou no céu, mas acho que há menos formigas e estrelas para contar do que o tempo que dura a sinceridade do seu olhar. Não sei se isso é bom ou ruim. Às vezes parece que eles buscam uma verdade que eu não tenho ou me dizem uma que eu não quero ouvir, e nessas horas meu corpo não responde como deveria. Dá vontade de correr para algum lugar seguro, onde eu possa ficar quieto. Trancado em uma bolha, talvez. Só que eu não consigo, tudo o que faço é ficar parado, esquivando-me de você. Mas seus olhos continuam pairando sobre mim, pesando como a consciência de quem esqueceu de amar a si mesmo por não saber amar aos outros.

Sua mão estendida já não me diz muita coisa, enquanto seu olhar me revela mais do que eu posso agüentar. É meu espelho, meu retrato em tons de cinza. Parado em sua órbita, sou eu encolhido em um canto, caricatura de menino amedrontado. Sou eu indefeso, deixando que o mundo me tome por completo, sem que sobre um pouco de mim em mim mesmo. Desconstruo-me nas suas certezas e fico solto em seu espaço. Não fujo mais do que seus olhos tentam dizer. As formigas estão imensas agora e as estrelas se apagaram. No escuro, ficamos eu e você de cara para a parede, em confronto injusto - eu intimidado e você muda. Não há paz aqui, só dor e tensão. Ainda lembro da dúvida que o seu olhar trazia quando me encontrou pela primeira vez. Você era mais você ali. E eu me sentia leve assim.

No silêncio da nossa confusão, ouço os gritos que vêm de dentro de mim e de você. Talvez pudéssemos entendê-los antes, quando o universo parecia ser um só para nós dois e o rancor não havia nos tomado, mas hoje isso me parece tão impossível quanto não ser doloroso olhar em seu íntimo de novo. Seu abraço não traz conforto, e prefiro procurar por você em algum lugar perdido da memória. A inquietude em nosso encontro revela o quanto já fomos diferentes, ainda que nos olhemos no espelho e vejamos sempre a mesma insatisfação daquele tempo. Eu sei que os céus se tornaram mais nublados desde então, e nada podemos fazer agora. A verdade que eu buscava está perdida em algum espaço em branco do seu olhar e a minha não mais lhe parece assim. “É apenas a vida”, você irá me dizer.

Mas eu prefiro acreditar que não.