sábado, março 22, 2008

As mudanças da hora de partir


Dez e meia e ela não estava pronta. Não que fosse a primeira vez, nem mesmo seria a última, mas naquele dia eu estava especialmente cansado de esperar. O tempo corria, o sono aumentava e eu não deveria estar ali. O combinado era nove, ela sabia. E parecia não se importar.


Dez e quarenta e ela não estava pronta. Nada mais natural, já que eu continuava a esperar. Paciente ou impaciente, tanto fazia. O fato é que ela sabia que eu estava ali e, pior, que eu não iria me mandar. Não havia sono, cansaço ou urgência no mundo dela. E eu aceitava sem reclamar.


Dez e cinquenta e ela não estava pronta. Não existia mais o que a fizesse se preocupar. Meu sorriso já era passado, meus olhos repousavam silenciosos. Quase nem lembrava do que fazia ali, cego para a demora que se fazia. Passos leves, portas se abrindo, luzes acesas. E nós dois ainda no mesmo lugar.


As onze nao chegariam. Ela continuaria lá, pensando no que poderia vestir. E eu, absorto em pensamentos de tanto esperar, descobriria o inevitavel: de nada adiantava tentar mudar.

segunda-feira, janeiro 28, 2008

Devagar, começo, fim

Quando levantei, nem eu nem o sol achávamos que era hora de o dia começar. Talvez por isso a chuva ainda caísse fina lá fora, e eu não soubesse se o escuro que preenchia o quarto era do céu ou do meu interior. A verdade é que os dois agora se confundem, presos que são a um eterno movimento de repetição. E eu, quase sério, quase imóvel, quase errado, viro refém daquilo que a minha própria realidade diz. Estou a pouco das quatro horas da manhã. Mas cada minuto dura segundos que não sabem passar.

Ainda lembro a primeira vez que o sol não apareceu para mim. O dia já se anunciava, mas virei para o lado e não tinha nada ali. E a cama vazia me disse que aquela manhã não devia existir, só que os segundos, na época, teimavam em ser velozes, e logo me vi escuro dentro de mim. Quis a chuva tomar o lugar que lhe era de direito, e então descobri que o cinza preenchia os dias que não queriam ganhar cor. Eram não mais do que sete hora da manhã. Mas cada momento significava uma década para lembrar.

Quando acordei, dei alguns passos breves e achei que tudo iria recomeçar. Senti o frio tomar meu corpo, o sorriso desfalecer e uma lágrima se anunciar. O que eu via era o que vinha de dentro, com o pouco de luz que ainda me restava. Tateei o quarto em busca da outra luz, mas ela não era capaz de iluminar. Tive a certeza de que o escuro não iria se deixar vencer. E eu, quase sério, quase imóvel, quase errado, era somente o resultado dos dias que não queriam existir. Sabia que não passava das dez da manhã. Mas cada movimento parecia irromper para machucar.

Ainda lembro a primeira vez que você não apareceu para mim. O dia já se anunciava, mas olhei para o lado e descobri que você não estava mais ali. E o meu corpo vazio me disse que, depois daquela manhã, eu não iria existir. Só que os soluços, na época, teimavam em me dominar, e comecei a desistir de lutar contra o fim. Quis a solidão tomar o lugar que lhe era de direito, e então descobri que as cinzas preenchiam o cinzeiro, o que lembrava mais a minha dor. Era uma hora qualquer de qualquer manhã. Mas nenhum sentimento perderia o lugar.

Quando respirei, o cheiro da chuva começou a me tomar. Foi então que lembrei como era sorrir.