domingo, outubro 19, 2003

Quase Sempre Nada

“Calma, me dá sua mão...”

Dois passos e ela continua distante. Desde que eles se conheceram parece assim; ele corre em sua direção, ela fecha os olhos e segue seu caminho. Às vezes ele pensa que é uma tentativa inútil, mas basta um aceno dela para se desarmar de novo e seguir achando que é capaz de traze-la para perto.

“Agora vamos, um de cada vez...”

Ele acha tudo isso muito novo. Não costuma se interessar por alguém a ponto de querer trazer por sua vida, mas ela o instiga de tal maneira que não consegue evitar. Talvez não o faça de propósito, é verdade – parece apenas ser o jeito dela, reservada e cautelosa –, só que ele se sente estranhamente atraído. Acaba sendo conduzido sem perceber.

“Um, dois, três, quatro...”

Ela quase nunca vem até ele. Seus passos são secos, sempre para longe. Não parece se importar o suficiente para deixá-lo se aproximar, mas também não o evita. Talvez ele não sinta que é preciso não agir, que na ausência ela pode descobrir que ele é perfeito para ela, por isso reclama e age o tempo todo. Acaba que nada parece sair do lugar.

“Cinco, seis, sete, oito...”

Eles seguem instáveis. Ambos são fechados, mas um quer ceder. O tempo passa e tudo parece permanecer igual. Ele espera cada dia, ela sente as horas pesarem. Para ele, ainda não se conhecem como deveriam se conhecer. Para ela, não deveriam se conhecer como poderiam. Talvez por isso nada pareça mudar, ainda que mude a todo instante. (Eles não sabem, mas é para ser assim.)

“Pronto, chegamos. Abre os olhos...”

Ele não dá mais passos. Ela não sai mais do lugar. Os olhos nunca se cruzam – ele prefere desviar sempre que ela mira os seus. O jazz que toca em seus ouvidos não é o peso que passa pelos dela. Mesmo assim estão lado a lado. Não se tocam, não se tentam, mas não se afastam. A noite cai igual porque continuam assim. E eles não conseguem perceber o óbvio.

“Vem, é aqui. Não falei que era seguro comigo?”

Só que estão sempre ali.