domingo, junho 08, 2003

Quase Um Só

Quebrar tudo que tem pela frente sempre me pareceu a solução ideal para compensar minhas frustrações. Quando eu era pequeno e não sentia tanta dor, ainda assim gostava de jogar coisas na parede e gritar bem alto para tirar daqui de dentro o que incomodava. Naquela época eu já não entendia direito o que se passava, mas achava que era porque não tinha ainda idade para entender, e não porque não era capaz de controlar minhas angústias. Só que a gente cresce e percebe estranhamente que certos hábitos nunca mudam, e aí passa a chorar de desespero e a não conseguir aceitar que as atitudes podem fugir da vontade. E pensa que a vida de repente pode mudar, que aquela solidão não é uma solidão só, mas várias, e que deixar as coisas inteiras não significa nada se você também não está inteiro. E aí os objetos viram os inimigos, a parede se torna o mundo e você se torna nada. Tudo cai, tudo quebra, tudo vira ao contrário. Não há mais dor por um instante, depois a dor volta e te joga a realidade na cara, e aí a gente acha que o que é real nunca foi real ou então que vive numa mentira própria, que é tudo inventado pela gente ou por um outro alguém. Dá vontade de sair correndo, de voltar a gritar bem alto para expulsar tudo, e o grito sai mudo, e as pernas não respondem, e tá tudo escuro de novo. Sozinho. E as paredes que eram o mundo agora são o buraco negro e você é pequeno, pequeno, pequeno. Não consegue alcançar as coisas e elas não podem ser quebradas. Aí começa a se quebrar, porque não pode ficar inteiro, não há inteiro, só partes, e cada parte é um pouco de um todo que não existe, mas que quebrado pode existir. E surge de novo a angústia, a dor que não pára nunca, a vontade de ficar imóvel e simplesmente deixar o tempo passar. Só que ele não passa, e a gente se mexe à toa, só para ver se alguma coisa ainda está no lugar. E volta a ser grande, a se atrapalhar com as coisas e querer que elas não existam. Pede para a dor parar, para o gritar ter som e as cores do mundo preto e branco saírem do lugar que não é delas. E cai da cama para acordar da solidão e sentir que é tudo sozinho mesmo sem querer. Não há fuga para a confusão. As coisas estão no mesmo lugar.