sexta-feira, junho 28, 2002

Cortante

O relógio marcava nove e meia da manhã. O dia acabava de começar, mas ele sentia como se não tivesse mais forças para nada. Levantou-se da cama e abriu a porta que dava até o banheiro. Olhou-se no espelho e viu o quão profundas eram suas olheiras. Jogou água no rosto e passou as mãos com vigor no cabelo, tentando faze-lo ficar de uma forma pelo menos agradável, mas não teve muito sucesso.

Voltou para o quarto e abriu as janelas. Não gostava muito da luz do sol, porém naquele dia parecia-lhe ser uma boa deixá-la entrar no seu mundo. Precisava de algo que lhe injetasse um pouco de ânimo e afastasse aquela tão estranha sensação de infelicidade.

Voltou seus olhos para a poltrona que ficava próxima à cama e viu que havia mancha de sangue na camisa que usara na noite anterior. Tentou lembrar-se do que fizera, mas sua memória parecia ter ficado limitada aos momentos que passara em casa. Não lembrava de ter saído em algum momento. Estranhou aquilo, deu de ombros e foi preparar o café da manhã.

Ao tentar abrir a porta, notou sangue também na maçaneta. Tentou girá-la e não teve sucesso. Estava trancado em seu próprio quarto. Correu até a janela e olhou para fora. Décimo quinto andar. Não tinha sequer como saltar por ali. Para piorar, não havia um aparelho de telefone dentro do quarto, só na sala.

Começou a procurar mais resquícios de sangue pelo ambiente e encontrou uma pequena poça próxima à escrivaninha que usava para desenhar. Ao lado, uma garrafa de vinho quebrada. Mas ele não bebia. Ficou apavorado.

Andava de um lado para o outro freneticamente, como se assim pudesse enxergar alguma solução. Pensou em berrar pela janela, mas daquele andar, no meio de Copacabana, era improvável que alguém o ouvisse. Foi nesse momento que se deu conta de que não tinha qualquer ferimento em seu corpo, o que implicava aquele sangue ser de outra pessoa.

Forçou mais uma vez sua memória, mas não conseguia de fato se lembrar do que ocorrera na noite anterior. Seu desespero aumentava a cada segundo. Em um gesto instintivo, abaixou-se e olhou para baixo da cama.

Só conseguiu ouvir o som de uma porta se abrindo e a lâmina entrando firme em suas costas.

domingo, junho 16, 2002

Questionamentos

- Por que você demorou tanto pra voltar?

- Porque era necessário...

- Como assim?

- Ah, eu tinha que repensar algumas coisas.

- E adiantou?

- Com certeza.

- E eu posso saber o que você tinha que repensar?

- Não.

- Por que não?

- Porque são coisas muito íntimas, umas confusões que você não ia entender.

- Não posso nem tentar?

- Esquece isso, vai... o que importa é que eu tô aqui agora.

- Será que tá mesmo?

- O que você acha?

- Não sei...

- Dá pra deixar de ser tão inseguro?

- Só se você disser que me ama.

- E eu preciso mesmo dizer?

- Humm...

- Seu bobo.

quarta-feira, junho 05, 2002

Por Agora

Segurou as mãos dela com força. Mesmo aquele gesto já repetido tantas outras vezes lhe parecia ser diferente agora. Sensações novas tomavam todo o seu corpo, sem que deixasse esconder toda a felicidade sentida por ele naquele momento.

Ela olhou em seus olhos com ternura. Deu um sorriso único, aquele que ele sempre dissera ser o mais bonito de toda a sua vida, e o abraçou demoradamente. Sentia-se feliz como há muito não conseguia. Apesar de tudo que havia acontecido, parecia que seu lugar era mesmo ali.

Beijaram-se. Não um beijo ansioso, mas singelo. Puro e lento. Diferente de todos os anteriores. Nem melhor, nem pior. Apenas diferente. Com gosto de vitória, talvez. Mas não de certeza, porque há um clichê de mais pura verdade: na vida não se tem certeza de nada.

E é da dúvida que surge a esperança de que algo possa ser a cada dia ainda melhor.

E é por agora que se vê tudo isso.