segunda-feira, setembro 27, 2004

Depois das luzes acenderem

Sempre achei que haveria um momento que justificaria toda a nossa existência. Aquele em que tudo se esclareceria, que as respostas seriam dadas e o verdadeiro sentido enfim apareceria. Talvez fosse um sentimento pueril, uma inocência perdida que atenuasse qualquer sofrimento, mas o fato é que sempre esteve comigo, apesar de poucas vezes eu manifestá-lo. Até chegar o amanhecer e o pôr-do-sol, e Viena e Paris explicarem para mim que eu não estava errado, que mesmo após 9 anos algo ainda podia fazer sentido para dois, e que comigo, um dia, não haveria de ser diferente. E as expectativas frustradas e as buscas insanas e as tentativas equivocadas seriam mero pretexto para alcançar o fim, por saber que há um, e somente um, encontro que se completa, que se faz por inteiro. Com olhares, gestos e sensações que nunca se igualam, e que por mais que se viva uma eternidade ficará como a mais forte lembrança. Porque há sempre o reencontro para quem acredita que o primeiro era o único e o certo, e não há mal algum em crer no amor romântico e eterno mesmo depois da adolescência. Todos nós merecemos, ainda que não tenhamos encontrado até então. Ninguém quer chegar aos 52 anos e se divorciar chorando por nunca ter amado a esposa. Eu não serei assim. Sigo esperando acontecer, pois hoje aprendi que Cèline e Jesse vão sempre me justificar.

quarta-feira, setembro 01, 2004

Mal pontuado

Mal ligou o rádio e o primeiro acorde da canção preencheu o ambiente e seu pensamento. Não era preciso ir muito longe para buscar a referência: era a música dela, a mesma que um dia, ao olhar em seus olhos, ele dissera que desejava ter o mínimo de talento para criar algo com palavras que fossem tão apropriadas para defini-la, e que ela sorriu desajeitada e disse que a poesia não tinha dono, desde que o sentimento empregado por quem a declamasse fosse honesto. Podia passar anos sem ouvi-la que não perderia a referência. "Há momentos que são fortes, ainda que breves", ele repetia enquanto se olhava no espelho, os olhos cansados da noite mal dormida e a barba por fazer de quem se sentia vencido pela preguiça. Caía ao chão diariamente, e a sensação de se reerguer era única, uma superação hercúlea. Das mãos não brotavam mais nada, pois estavam fechadas para os ataques às paredes do quarto manifestadas em horas variadas.

A porta do armário não fechava, ela sabia bem, por isso nem se esforçava em tentar arrumar. Até sua mania de colocar tudo em seu devido lugar precisava ter fim. Se nem ela estava se achando apropriada, por que o restante deveria ser? Não havia motivos. Mas ela sabia que não adiantava fugir do espelho, que as paredes podiam ser opressoras se não respeitadas e que tentar ouvir a música que sussurrava ao fundo, do outro lado da casa, era inútil se não estivesse aberta para as conseqüências disso. Anos eram pouco para quem se interessara um dia por mais do que a poesia torta que beira as canções desperdiçadas nas bocas e mãos de amantes ocasionais. "Sou mais do que simples palavras", ela dizia para si, fechada em seu íntimo como quem perdeu a chance de ser diferente do que sempre esperaram que fosse.

Acreditar na fantasia fôra a saída para que tudo caminhasse até então. Alimentar a razão nunca fizera sentido. E tudo parecia tão distante agora que pensar era o que restava. Sem sonho eterno, sem promessa de um novo meio de se viver uma ilusão. Continuar para não acabar. Recomeçar do certo para esquecer os erros. A caneta era a chave, mas só o que se via eram guardanapos rabiscados. Não havia mais versos que unissem os dois. Somente ponto final.