quarta-feira, dezembro 26, 2001

Réquiem Para Uma Bela

Nos dias de chuva parece que sinto você aqui do meu lado. Sei que não devia ser assim, mas não consigo evitar. Parece besteira, já que, na verdade, nunca tive você de fato. Mas essa sensação me invade quando o tempo está assim. Talvez por você ter ido embora num dia como esse. Talvez por eu me sentir mais sozinho em dias como esse. Não sei ao certo.

O fato é que é tudo muito estranho. O céu cinzento me lembra você. As gotas batendo na janela me lembram você. Minha cama parece ter você. Só que aqui não tem ninguém, nem mesmo eu. Fico vagando pelo quarto escuro, fazendo dele meu mundo de poucos metros quadrados, como se não houvesse nada além disso para se viver. Às vezes me pergunto se realmente há, aliás. Tenho a impressão de que as coisas perderam um pouco do seu sentido real naquele dia que você partiu. E dói saber que eu não pude fazer nada para evitar.

Digo agora que ganhei uma sobrevida, que apenas me arrasto sem a perspectiva de melhoras. Se você pudesse ler isso, iria dizer que é besteira minha pensar assim. Provavelmente me daria um tapa no braço e diria que sou um bobo. Mas você não pode mais fazer isso, não é? E até disso eu sinto falta. E de você andando rápido pelas ruas como se fugisse de mim. E de você gritando pela janela do seu apartamento que o mundo era pequeno demais para nós dois. Só que o mundo foi pequeno demais para você, que resolveu partir e me deixar assim. Com essas incertezas e essa dor que parece não cessar.

Você destruiu seu mundo e levou o meu. Eu não merecia isso. Por causa do seu egoísmo, tenho agora uma sombra que me impede de seguir em frente, mesmo depois de tanto tempo. Você não imaginou que seria assim, eu sei. Achava que a decisão era sua e que não atingiria ninguém à sua volta. Ilusão. Se você visse como sigo desde então, talvez se arrependesse de ter feito o que fez. Agora é tarde.

Eu adoro dias de chuva. Mas hoje, mais do que nunca, eu odeio você.

domingo, dezembro 23, 2001

Amicitia Omnia Vincit

Eles se conheceram quando tinham por volta de 13 anos, ainda na sétima série. Foi durante uma aula de educação física. Jogo de futebol. Por não fazerem parte de nenhuma "panelinha", ficaram de fora das 3 primeiras partidas. Enquanto viam os demais garotos discutindo para ver que equipe jogaria sem camisa, começaram a conversar sobre amenidades da vida estudantil. O ano letivo iniciara-se há poucos meses e começava ali uma amizade que duraria por alguns anos.

Vinicius adorava desenhar e vivia fazendo caricaturas das pessoas com quem convivia. Daniel fazia teatro desde os 10 anos de idade e sonhava trabalhar na televisão. Em comum, o gosto pelo basquete e a aversão a matérias que envolviam números. Além disso, ambos eram muito tímidos, mal falavam com os colegas de classe. Nunca eram chamados para as festinhas de final de semana e nem participavam das brincadeiras que rolavam no recreio.

Durante as aulas, sentavam-se juntos, sempre no início da sala, já que a parte de trás era tomada pelos "populares" - aqueles que adoram fazer bagunça e acham que são o maior sucesso com as garotinhas por tirarem onda com a cara de todos e serem expulsos das aulas constantemente. Por conta disso, os dois começaram a ser considerados esquisitos pelos demais alunos. As garotas riam quando passavam; os garotos esbarravam caso ficassem no caminho, fingindo que nem sequer os viam.

Não demorou muito para que os comentários maldosos e típicos de crianças que começam a descobrir sua sexualidade surgissem. Logo os dois estavam sendo chamados de "viadinhos", "boiolas" e outros apelidos do gênero. Em princípio, tentaram ignorar o que era dito. Com os boatos se espalhando, porém, um incômodo foi crescendo e Vinicius sugeriu que se afastassem um pouco, o que Daniel aceitou prontamente.

Isso não durou mais do que um mês, pois como não falavam com mais ninguém, o isolamento foi inevitável. Retomaram a amizade e decidiram ignorar o que as pessoas diziam. Aos poucos os boatos foram sumindo, terminando de vez quando Vinicius começou a namorar, no ano seguinte, uma aluna nova no colégio. Essa relação, aliás, iria durar até o seu primeiro ano de faculdade, quando seriam separados por forças maiores do que a vontade de ambos.

Agora Daniel estava ali, em pé diante da cama do hospital, olhando seu amigo de infância deixando a vida sem que pudesse fazer qualquer coisa para evitar. Leucemia. Apesar de todo um ano de tratamento intensivo desde que se descobrira a doença, seu organismo parecia não ter uma reação mais efetiva. Na sala de espera, Juliana, a namorada de tantos anos, chorava copiosamente, abraçada à mãe de Vinicius. O pai, desesperado, fumava um cigarro atrás do outro, esperando algum milagre que revertesse a gravidade do quadro.

Lá dentro, Vinicius permanecia imóvel. Os tubos enfiados em suas vias respiratórias e o soro nas veias aumentavam a tristeza do ambiente. Seus cabelos ralos e seu rosto magro denunciavam que a batalha estava sendo perdida. Os olhos permaneciam fechados, como se estivessem em sono profundo. Daniel controlava-se para não chorar, ao mesmo tempo que sua mão pairava sobre a do companheiro. Apesar de muito abalado, não saía de seu lado. Estava no hospital há 4 dias, desde que uma parada respiratória levara Vinícius para lá.

Um médico chegou ao quarto. Em voz baixa, pediu que ele se retirasse dali, pois precisava fazer mais alguns exames. Daniel atendeu ao pedido, apesar de sentir que aqueles eram seus últimos momentos ao lado do amigo. Juliana abraçou-o com carinho. "Tudo vai ficar bem, você vai ver", falou ela sem a menor convicção. Ele olhou para os pais de Vinicius e reparou que já estavam desacreditados. Seus olhos encheram d'água. Não havia mais nada a fazer. Resolveu ir para casa e esperar pela notícia inevitável.

Ainda de madrugada, um telefonema rompeu o silêncio da casa. O choro de Juliana do outro lado da linha já dizia tudo. Levou as mãos à cabeça e se pôs a chorar também. Desligou o telefone e chamou um táxi. Não tinha condições de dirigir. O caminho pareceu durar muito mais do que deveria, o que só aumentava seu desespero. Assustado, o motorista até pensou em perguntar o que acontecera, mas desistiu logo. Levou seu passageiro até o hospital sem sequer trocar uma palavra.

Daniel juntou-se à família de Vinicius no quarto onde o amigo chegara ao seu fim. Juliana estava sentada em um canto, segurando um copo com água. Era visível que estava sob o efeito de calmantes. Ele foi até ela e segurou sua mão. "Por que logo ele?", perguntou a jovem. Daniel abraçou-a e choraram juntos por alguns minutos.

A comoção generalizada deu lugar ao desespero quando a mãe de Vinicius gritou seu nome e se debruçou sobre o corpo do filho. Daniel sentiu um aperto no coração, uma angústia inimaginável. Juliana abaixou a cabeça, cobrindo os olhos com as mãos. O médico pediu a todos que se retirassem do quarto, pois precisava tomar as últimas providências para a remoção do corpo.

A perda de um amigo, de um namorado, de um filho daquela maneira não seria jamais esquecida por quem com ele convivera. Daniel pediu transferência da faculdade de História e foi morar sozinho em uma cidade do interior. Juliana, após dois anos de terapia, conseguiu retomar seus estudos e estava prestes a se formar no curso de Relações Exteriores. Os pais, como não poderia deixar de ser, sentiram a ausência do filho dia após dia até o final de suas vidas.

Um pacto silencioso e honesto se consolidara após o último suspiro de Vinicius naquela madrugada de outono, e permaneceria acompanhando a todos ao longo dos anos que se seguiram, bem como a lembrança daquele rapaz que tanto ensinara com sua dor e com a perda da luta pela vida. Daquele dia em diante, acima de qualquer coisa, estar vivo tornar-se-ia motivo de felicidade e de esperança para eles.

Como deveria ser para todos que têm o prazer de acordar toda manhã e saber que ainda estão ali.

segunda-feira, dezembro 17, 2001

Para Entender Os Humanos

A noite começava a cair quando ela chegou à portaria de seu prédio. Esbaforida, adentrou a portaria e apertou o botão do elevador. 12º andar. Iria demorar alguns minutos para descer, e ela não podia esperar tanto. Tomou as escadas e subiu correndo até o seu apartamento no 8º andar.

Abriu a porta de casa e acendeu a luz. O apartamento ainda estava revirado. Papéis espalhados e roupas por todos os lados davam o tom caótico do local, assim como os objetos jogados ao chão e os vidros rachados que não a deixavam esquecer o que havia acontecido a poucas horas naquele mesmo local.

Deviam ser pouco mais de três da tarde quando a campainha tocou. Pelo pequeno orifício da porta pode ver quem se encontrava ali. Deu dois passos para trás e pensou se valia a pena abrir. Caminhou até a cozinha e pegou um copo d'água, enquanto a campanhia voltava a tocar. Aproximou-se da porta e, com uma calma surpreendente, abriu.

Olhou o relógio e viu que já se passavam das oito horas da noite. Pegou uma roupa qualquer no armário e entrou no chuveiro. Aprontou-se em pouco mais de 20 minutos. Reparou mais uma vez no apartamento todo desarrumado e teve ainda mais raiva do que havia acontecido. Porém, como estava com pressa, não podia perder tempo arrumando as coisas agora. Apagou a luz e fechou a porta.

Ele entrou rapidamente. Olhou-a nos olhos e disse que precisavam conversar. Ela continuou bebendo sua água, com certa indiferença ao que ouvia. Não conseguia abstrair, contudo, da tristeza que tomava conta da face daquele que um dia amara tanto. Num gesto desesperado, tentou pegar sua mão, e ela, arredia, esquivou-se. Mandou que se sentasse e colocou o copo na pia.

Enquanto descia no elevador, ia cantarolando baixinho a melodia de "My Funny Valentine". Sempre que estava triste colocava essa música para tocar, mas nem para isso ela tinha tempo agora. Já estava ficando tarde e iria acabar se atrasando ainda mais. Como era impossível esquecer aquele hábito, seguiu cantarolando até chegar à garagem e pegar seu carro.

Já fazia meia hora que ele estava ali, falando sem parar. Ela continuava apenas observando, pensando até quando aquilo iria durar. As lágrimas caíam compulsivamente dos olhos do rapaz, com ela permanecendo impassível diante de toda aquela cena.

As ruas livres eram um convite à direção perigosa. Ela acelerou seu carro, ultrapassando os cento e vinte quilômetros por hora. O rádio às alturas tocava algum antigo sucesso dos Rolling Stones. Quem a visse tomada por tal euforia, jamais poderia imaginar que não mais do que oito horas atrás estava num estado de absoluta insatisfação.

Levantou-se do sofá e caminhou até o quarto. De lá, trouxe uma caixa de tamanho razoável. Abriu-a sem dar uma palavra e foi retirando um a um todos os presentes que ele havia lhe dado em quatro anos de relacionamento. Quando acabou, secamente se pronunciou: tire-os daqui. Ele ficou atônito.

Dirigia agora calmamente. Estava chegando e não precisava mais ter tanta pressa. Apesar do atraso, conseguira estar lá em um horário bastante razoável, e não haveria de ouvir reclamações por causa disso.Estacionou o carro e desceu, caminhando logo até a entrada.

O rapaz não consegui acreditar no que estava acontecendo. Não iria ficar ali suportando tamanha humilhação por nada. Resolveu então mudar aquela situação. Foi até a estante e, enquanto ela permanecia sentada, observando-o, atirou ao chão tudo o que ali estava. Em seguida, abriu as gavetas da escrivaninha e revirou os papéis, espalhando-os por todo canto.

Tocou a campainha por três vezes, mas ninguém atendeu. Estranhando tal situação, puxou o telefone celular da bolsa e discou. Conseguiu ouvir o telefone tocando dentro da casa, porém não obteve retorno do outro lado da linha. As luzes do lado de fora estavam acesas, o que parecia ser um indício de que havia alguém lá.

Partiu para cima dele com raiva e tristeza. Sabia que tinha dado motivos para que ele tomasse uma atitude como aquela, mas mesmo assim sentiu-se injustiçada. Ergueu a mão e tentou dar-lhe um tapa na cara, no que foi prontamente impedida por outra mão, a dele. Gritava para que a soltasse e ele não parecia ouvir. De pé, permanecia ali a olhá-la, agora com uma estranha indiferença.

Tentou tocar mais duas vezes a campainha. Sem sucesso, optou por pular o muro e ver o que estava acontecendo. Os cachorros não latiram. Conseguia agora ouvir bem ao fundo uma música, algo como uma velha canção típica. Caminhou pelo pequeno terreno que separava o muro da porta da casa com certo receio do que pudesse estar acontecendo. Chegou até a janela e olhou para dentro da sala.

Ele virou as costas e foi embora do apartamento. Ela ficou jogada ao chão, chorando copiosamente. Em sua cabeça, a idéia de que algo precisava ser feito como resposta era pulsante e repetitiva. Não queria mais aquele cara na sua vida, e faria de tudo para que ele sumisse de vez.

Lá dentro, o ambiente não estava muito claro. Apenas a luz de uma pequena luminária preenchia a sala. Seus olhos, porém, avistaram uma cena que ficaria marcada para o resto da sua vida: o rapaz agarrava uma outra jovem por trás, ambos sem roupa. Deitaram-se no chão e iniciaram uma transa tórrida, a qual lhe arrancou lágrimas de indignação. Saiu de lá com pressa, visivelmente transtornada.

Ele nunca mais a procurou, ela também não. Por mais que um ou outro tivesse alguma recaída, mantiveram o distanciamento necessário para se tornarem apenas um ponto no passado, a sombra de uma relação conturbada e sem importância, no final das contas. Assim como devem ser todas as relações.

sexta-feira, dezembro 14, 2001

Saldo Final

Durante muito tempo eu procurei entender suas atitudes, seus sentimentos

Tentei ser paciente, ser mais compreensivo e aceitar que você podia estar confusa

Depois, sofri calado com as suas certezas, as quais descobri só existirem em relação a mim

Agüentei suas idas e voltas, sua inconstância e sua insegurança

Fiz papel de bobo, como todo apaixonado

Só que a partir de hoje isso não vai ser mais assim

Cansei do seu jogo, cansei de ser o palhaço nessa história toda

Não quero mais isso para mim

Você foi e ainda é muito importante para mim, é claro

Mas eu não mereço sofrer dessa maneira

E você não merece que eu sofra por você

Aliás, você nem merecia mais essas palavras

Só que eu ainda sou idiota a ponto de escreve-las

O que me consola é saber que uma hora isso vai acabar

Afinal, não há dor que demore tanto

Sabe, eu devia era deixá-la ir embora de vez

Esquecer que um dia você existiu para mim

Que é para ver se eu consigo ser mais feliz

Já que assim não está dando para viver

quinta-feira, dezembro 13, 2001

Estranhos

O sol começava a se pôr logo que ela chegou à praia. Uma brisa fresca amenizava o clima, e a quietudade que se instaurava naquele trecho isolado da orla lhe dava a calma necessária para organizar seus pensamentos.

Sentou-se na areia e passou a observar o mar. As ondas eram pequenas e raras, dando um aspecto de serenidade ao oceano, como se esse compartilhasse do seu atual estado de espírito.

Abriu sua bolsa e de lá tirou um pequeno baseado, o qual acendeu rapidamente. Deixou seu corpo tombar na areia. Deitada, sentia-se mais leve; tinha a sensação de que nada poderia lhe perturbar.

Permaneceu assim por alguns minutos, até que resolveu levantar e caminhar um pouco. Avistou a alguns metros um grupo de 3 surfistas sentados na areia e lhe pareceu ser interessante ir até lá. Assim o fez, despretensiosamente.

Dois dos rapazes foram para o mar logo que ela se aproximou. Um, porém, permaneceu sentado, olhando-a fixamente. Ela o cumprimentou de forma tímida, ao que foi respondida com um gesto para se sentar.

Durante poucos segundos um silêncio perturbador se fez presente. Enquanto ele observava os dois amigos tentando em vão arranjar uma boa onda, ela mantinha os olhos baixos, perdida em sua viagem particular. O sol já não se fazia mais presente e a noite anunciava-se com um céu limpo e estrelado.

- Me dá um beijo?

- O quê?

- Me dá um beijo?

- Cê tá maluco? Eu nem te conheço, garoto!

- Eu sei... por isso mesmo!

- Ha! O que cê tá achando que eu sou?

- Não tô achando nada. Só quero um beijo, só isso...

- Cê acha que é assim? Fala sério!

Ela se levantou bruscamente. O rapaz não tentou impedi-la, sequer disse uma palavra. Permaneceu sentado, observando o movimento do mar. Enquanto isso, ela se afastava dali, visivelmente incomodada com o que havia acabado de acontecer.

Os seus passos foram se tornando mais lentos aos poucos. Na sua cabeça, uma grande confusão se fazia agora. Apesar da forma com que foi feito, ela não podia negar que o pedido lhe havia deixado feliz. Estava sem alguém há um bom tempo, e tinha sempre a impressão de que não era desejada por ninguém. Mal ou bem, o que acontecera há pouco fôra bom para o seu ego.

Parou de repente. Olhou para trás e viu que o rapaz estava no mesmo lugar, na mesma posição. Os amigos pareciam ter desistido das ondas e conversavam animadamente sentados em suas pranchas na água. Caminhou decidida até ele, que mesmo com sua aproximação permaneceu com o olhar perdido no horizonte.

Sem que dissesse uma palavra, ela lhe deu um beijo afoito. O rapaz nada fez. Ela, confusa, surpreendeu-se com a atitude dele.

- Cê não vai fazer nada?

- Como assim?

- Cê não queria um beijo?

- Sim.

- E agora que eu resolvo te beijar cê faz isso?

- Isso o quê?

- Não reage, não faz nada!

- O que cê queria? Eu nem te conheço...

terça-feira, dezembro 11, 2001

É Isso Aí

- Já viu como a lua tá bonita hoje, Dani?

- Ah, nada demais...

- Como não? Olha lá, repara como ela tá brilhando...

- Você bebeu, Fernando? Foi isso?

- Que bebi o quê! Olha como ela tá linda...

- Sei, sei...

- Você não acha?

- Na boa, deixa de ser bobo...

- Bobo não... romântico!

- Ah, tá! E não é a mesma coisa?

segunda-feira, dezembro 10, 2001

Sem Título

Hoje eu queria te ver

Queria ouvir sua voz, falar besteira, deixar você me fazer um pouco mais alegre

Queria dizer que ainda te adoro demais, que você continua sendo muito importante para mim

Queria sentir sua presença, admirar seu sorriso e entender o que seus olhos tanto me dizem

Queria esquecer o quanto já sofri por você, perdoar tudo de errado e só tentar ser feliz contigo

Queria acreditar que ainda há uma chance pra gente, que tudo ainda pode melhorar

Queria dormir e acordar sabendo que você é minha, só minha

Queria não estar tão distante assim

Porque hoje eu tive vontade de você

quarta-feira, novembro 28, 2001

Êxtase Para Um Final Feliz

“Preparei uma surpresa para você...”, falou ela com voz doce, ao mesmo tempo que cobria os olhos dele com uma venda. A porta do apartamento mal havia sido aberta, mas ele pode perceber que havia algo de diferente lá dentro.

“Não olha agora, já disse!”, continuou. Segurou-o pela mão e foi conduzindo-o a passos lentos pela sala. Um cheiro gostoso preenchia o ar, em perfeita harmonia com a música que tocava bem ao fundo, a qual ele reconheceu como “All Blues”, de Miles Davis.

“Calma, já vou deixar você tirar a venda!”, disse ela com entusiasmo pueril. Fez com que ele se sentasse no sofá bruscamente e se afastou dali rapidamente. Ele permaneceu ali, curioso com o que estava por vir e sem conseguir esconder um sorriso de satisfação.

“Não tenta tirar!”, gritou. A voz não veio de muito longe, e logo ele afastou a mão do rosto. Aos poucos, começou a sentir que o ambiente esquentava. Estranhou aquilo, mas permaneceu imóvel ao ouvi-la assobiando não muito longe dali.

“Está quase na hora, relaxa...”, ela sussurrou. Ele já não agüentava mais de ansiedade, e tentou se levantar do sofá. Foi surpreendido com um empurrão forte, obrigando-o a sentar novamente. A música que vinha do som agora era mais alta, e o cheiro agradável tinha desaparecido.

“Estica as mãos, vai...”, pediu com muito carinho. Desconfiado, ele ainda tentou saber do que se tratava, mas a repetição do pedido o fez ceder. Sentiu algo fechar em seus pulsos, e reagiu com um pulo e um berro assustado. Havia cheiro de queimado.

“O que houve? Confia em mim, amor...”, falou calmamente. Ele, irriquieto, relutou mais uma vez. As mãos dela tocaram suavemente seu rosto, acariciando-o em seguida. Aquele gesto o excitou de tal forma que decidiu deixar ela fazer o que quisesse.

“Agora estica as pernas!”, insistiu ela. Foi atendida prontamente. Dessa vez, seus tornozelos é que foram presos. Já sabia que eram algemas, e as fantasias que passavam por sua cabeça agora eram as mais diversas possíveis. O calor era insuportável agora.

“Pode olhar agora...”, ela disse, já retirando a venda. O sorriso que estava em seu rosto logo foi substituído por uma expressão de pânico. Ela estava parada em sua frente, com expressão séria.

“E então, gostou da surpresa?”, perguntou. Atrás dela, as chamas já tomavam boa parte do apartamento. Na sua mão, uma taça de vinho pela metade. Os olhos exprimiam um ar de maldade que contrastavam com a feição angelical que lhe era característica.

"O que é isso? O que é isso? Você é louca!!!!"

“Não, não... isso é apenas o que eu chamo de um final feliz, que tal?”

terça-feira, novembro 27, 2001

Por Não Ter Você

Hoje comprei esta flor
Para dizer que pensei em ti
Para pedir desculpas por minhas imperfeições
E para te agradecer por toda a paciência

Hoje comprei esta flor
Para ver se consigo me redimir
Por às vezes em atos não ter proporções
E para ver se perdoas minha intransigência

Hoje comprei esta flor
Para falar que não sou tão ruim
Para que tentes entender minhas reações
Enquanto me porto como criança de grande inocência

Hoje comprei esta flor
Para que não venhas julgar a mim
Um alguém de problemas sem dimensões
E vejas que sinto muito mais que carência

Hoje comprei esta flor
Para desfazer as impressões sem fim
De que não sou digno de suas atenções
E dos afetos de sua consciência

Hoje comprei esta flor
Para tentar que não penses em ir
E procurar por carinho em outros quarteirões
Quando me tens com total veemência

Hoje comprei esta flor
Para mostrar que não sei contigo agir
Enxergando todas as minhas pretensões
Como atos falhos sem qualquer consistência

Hoje comprei esta flor
Para tentar lhe fazer sorrir
E ter uma vez a decência
De assumir o quanto eu te adoro

domingo, novembro 25, 2001

Reflexão de Botequim

- O que você tá olhando?

- Como assim?

- É, o que você tá olhando?

- Você, ué!

- Por quê?

- Como assim "por quê"?

- Porra, por que você tá me olhando?

- Porque eu gosto de olhar para você! Eu hein...

- Mas gosta porque acha bonito ou porque gosta de mim?

- E eu que vou saber?

terça-feira, novembro 20, 2001

Das Incertezas

E a cada dia que se passa com uma nova frustração
Volto a me perguntar onde está o meu erro
E desejo avidamente que esse sofrimento todo
Encontre logo uma maneira de chegar ao fim.

sexta-feira, novembro 16, 2001

Confusões

Ele quer tudo como era antes. Sabe o quanto ela é importante, o quanto ela é especial. Gosta muito dela, é verdade, mas sabe que essa relação acaba fazendo mal para ambos. Não consegue se controlar, e acaba vivendo tudo com tanta intensidade que a ama e a odeia com a mesma freqüência. Tem horas que sente vontade de mandá-la ao espaço, pedir para que suma de vez da sua vida. Mas também tem os momentos em que não consegue pensar em sua vida sem ela, e tem vontade de telefonar, de dar nela um abraço bem apertado, de chamá-la para sair. Só que não o faz, é claro. Seu orgulho é muito grande para isso.

Ele sabe que o tempo infelizmente não volta, e que tudo que aconteceu não pode ser apagado assim, de uma hora para outra. Os sentimentos envolvidos em todo o processo não têm como simplesmente serem ignorados, como se não fossem fortes o suficiente para fazer com que o mundo dele seja maravilhoso ou desabe por causa de um ato ou de uma fala dela. Ao mesmo tempo, queria que nada disso precisasse sumir daquela relação. Queria poder continuar apaixonado por ela, queria poder continuar com a certeza de que ela é a pessoa certa, queria poder ainda ter esperanças de que um dia ficarão juntos e serão felizes. Mas ela já desfez todos os seus sonhos, já lhe mostrou que as coisas não podem ser assim. A cabeça dele até entendeu, mas o seu coração... não tem jeito, não consegue mesmo. É muito burro.

Ele ouve de todo mundo que está na hora de partir para outra, de erguer a cabeça e seguir em frente. "Só uma nova paixão para apagar uma antiga", não é? Quanta hipocrisia. Ele sente que é impossível se envolver com alguém se não a tira da cabeça. De certa forma, sabe que seria o melhor a fazer, pois ela realmente não o quer. Mas ele gosta de ser idiota, de quebrar a cara, e continua achando que pode mudar a opinião dela. Por conta disso, sofre a cada dia que a encontra e não a tem. Uma hora vai acabar aprendendo, é verdade, mas por enquanto ainda é muito difícil. Melhor seria se ela sumisse do mundo, se o deixasse em paz de vez. Será mesmo?

Ele conta os dias que está em casa e não a vê. Aluga filmes do Woody Allen para tentar melhorar seu humor e ver se o tempo demora menos a passar. Ouve três vezes seguidas aquela música que ela adora e tem vontade de morrer. Ou de matá-la, é verdade. Sente raiva por ela estar lhe trazendo tanto sofrimento, tanta solidão. Só que também a adora, mesmo sem saber o porquê. Ela realmente mexe com seus sentimentos. "Maldita hora que a conheci", fica repetindo para si mesmo. Mal sabe ele que isso é apenas o começo...

Ele quer se declarar mais uma vez. Mandar flores, chamá-la para sair. Porém, cada vez que eles se falam um pouco disso vai morrendo. É verdade que sua teimosia não o faz acreditar por completo no fato dela não o querer mais, mas mesmo assim está cansando um pouco dessa situação. Uma hora ele vai estourar, uma hora ele não vai mais aguentar. Ela não pode ficar manipulando a situação desse jeito. Será que não consegue respeitar o que ele sente? Não é tão difícil assim.

- Por que você continua me ligando?

- Porque eu gosto de você. Você não gosta de mim?

- Gosto, claro.

- Então pronto. Vamos ser amigos?

- Você está louca?

- Assim não dá, assim não dá.

- Mas não quero que você vá embora.

- Não?

- Não.

- Por quê?

- Sei lá.

- Eu não entendo...

- Nem eu, nem eu...

segunda-feira, novembro 12, 2001

Pronto Esquecimento

Era uma manhã de terça-feira quando tomou uma decisão que mudaria radicalmente sua vida: “a partir de hoje, serei uma pessoa mais egoísta”. Contou a todos, espalhou a notícia radiante, vendo naquele ato a chance de resolver todos os seus problemas.

A princípio, não houve uma pessoa que não se chocasse. Logo ele, que sempre fôra o ombro amigo, o cara com quem se podia contar a qualquer momento, iria abandonar esse comportamento e passar a pensar apenas em si mesmo? Que absurdo!

Mas ele estava de fato decidido. Para começar, decidiu acabar com todas as relações que considerava mantidas apenas por conveniência. Deixou claro que não era um amigo, que determinadas pessoas não poderiam mais contar com ele. Indicou que queria tê-los apenas como colegas, meros conhecidos a quem se cumprimenta de forma ocasional.

Com outros, foi ainda mais além. Pediu solenemente que sumissem de sua vida, pois não faziam a menor diferença. “Chega de me relacionar com pessoas inexpressivas, que não têm nada a me acrescentar”. Acreditava mesmo nisso, e fez por onde esquecer rápido aqueles que se enquadravam nessa categoria.

A melhor mudança, porém, foi com aqueles que um dia tinham sido egoístas com ele. Passou a usar de um meio bem eficiente para se atingir alguém: tornou-se um cara falso, capaz de fingir grande empatia por quem mais odiava. Divertia-se muito dando conselhos inúteis e aparentando preocupação com os problemas alheios.
Seguiu agindo assim por um bom tempo, sem se sentir incomodado. Na verdade, vivia feliz dessa maneira, desprezando o mundo. Por mais que tivesse perdido uma ou outra pessoa importante nessa transformação, tinha se livrado de vários estorvos, o que já era motivo para uma sensação de conquista.

Teria seguido com isso muitos anos se um fato não o fizesse questionar o sentido daquilo tudo. Certo dia, teve o impulso de ligar para ela, a pessoa que mais amor lhe havia dado e que, sem motivo aparente, ele resolvera afastar. Ao ouvir a voz dela, estremeceu. Quando começou a falar, no entanto, deparou-se com um seco comentário: “as coisas não voltam atrás”.

Nesse momento, começou a chorar. Por conta de seus medos e de suas incertezas, havia desprezado aquela que lhe oferecera a verdadeira felicidade, e agora só lhe restava alimentar-se das relações vazias e falsas que faziam parte da sua vida desde então.

Ao desligar o telefone, teve vontade de morrer, de sumir do mundo. Foi então que percebeu que se deu conta de que tinha como faze-lo, pois isso já havia sido realizado há muito tempo, na manhã daquela longínqua terça-feira, quando decidiu viver só para si.

Aprendeu tarde demais o quanto precisava daqueles que considerava inferiores.

quarta-feira, novembro 07, 2001

Depois do Amanhecer

Não devia ser mais do que nove da noite quando o som de um disparo rompeu a madrugada naquele bairro tão quieto. Algumas pessoas, assustadas, corriam às ruas para ver o que havia acontecido. Outras, mais precavidas, preferiam manter-se na segurança de suas casas, apenas abrindo as janelas para se certificarem do ocorrido.

A praça, iluminada pela lua cheia que dava àquela noite um teor macabro, era agora o cenário de um crime aterrorizante. Lá, jogado ao chão, o corpo de uma adolescente de uns quinze anos, nu e ensanguentado, demonstrava com vigor os impulsos de crueldade que um ser humano pode ter. Ao seu lado, atônito, um rapaz de cerca de dezessete anos empunhava uma bela pistola prateada, da qual se podia sentir à distância o calor de um disparo recente.

Um grito desesperado quebrou o tom monocromático daquela cena. A mãe da jovem, aos prantos, correu em direção ao cadáver, talvez pensando ser possível fazer algo ainda. Foi inútil. Ao chegar ao centro daquela praça, constatou que a vida de sua filha havia sido de fato tirada por um imbecil qualquer, um desequilibrado, um rapaz que não aparentava ter a menor noção do valor de uma vida.

Os moradores começaram a se aproximar lentamente, temendo um novo disparo. Enquanto isso, o jovem permanecia quieto, como se não estivesse presente àquela cena. Seu rosto, pálido, não deixava transparecer qualquer tipo de sentimento, fosse de raiva, angústia ou arrependimento. Apenas permanecia ali, imóvel, enquanto a mãe da moça desesperava-se ao abraçar o corpo embanhado em sangue. A face da menina dava uma falsa impressão de alívio, enquanto o buraco da bala que atravessou o pescoço jorrava ainda o restante de sangue que cismava em permanecer correndo por suas veias.

Ao perceber a quietude do rapaz, alguns homens do bairro aproximaram-se dele. Com raiva, jogaram-lhe ao chão e passaram a deferir chutes fortes por todo o seu corpo. Nem assim obtiveram qualquer espécie de reação. Era assustadora sua frieza: a quem acompanhava cena, era possível acreditar que ele fosse o morto, não a pobre moça. Abriu levemente a boca, como se fosse dizer algo. Antes que o fizesse, um soco lhe foi dado com firmeza. Desacordado, foi carregado até uma árvore próxima.

Ali teve suas roupas arrancadas e seu corpo amarrado. Dois homens aproximaram-se e, de forma cuidadosa, despejaram álcool da cabeça aos pés do rapaz. Em seguida, atearam fogo. O espetáculo arrancou aplausos de todos na praça, à exceção da pobre mãe que ainda chorava copiosamente ao lado do corpo da pobre moça. Ninguém mais se preocupava em consolá-la; a cena do rapaz sendo queimado vivo parecia muito mais interessante do que o outro crime brutal que havia sido cometido naquela noite.

A madrugada passou em festa, com a morbidez de tudo aquilo sendo celebrada como parte natural da vida humana. A jovem permanecia caída ao chão da praça, com o rosto exprimindo uma expressão de alívio, como se alguém tivesse feito um favor ao tirá-la a vida. Do rapaz, sobrara apenas uma estrutura disforme, irreconhecível, muito longe de lembrar qualquer forma humana.

Na manhã seguinte, os corpos foram levados dali. Enquanto isso, a população fechava suas portas e janelas e voltava a seu cotidiano puro e medíocre, seu mundo de paz que cismava em se modificar em acontecimentos esporádicos como o da noite anterior. O sol voltava a iluminar a praça, e toda a violência presenciada a poucas horas em breve seria apenas uma lembrança distante, uma marca feita a carvão que seria levada pela chuva com a mesma facilidade com que foi trazida.

Era apenas mais um dia naquele bairro tão quieto.

terça-feira, novembro 06, 2001

Drama de Morte

O grande número de pessoas concentradas em volta do corpo atestava o gosto pelo mórbido que o ser humano tem. Em uma tarde de terça-feira, não menos do que 30 pessoas estavam ali, paradas naquela rua do Leblon, observando o cadáver de um jovem de aproximadamente vinte e três anos. O porteiro, desesperado, tentava afastar a todos, enquanto esperava a chegada da perícia. O rapaz era morador do prédio em frente. Décimo primeiro andar. Estava sozinho em seu apartamento. Tudo indicava que havia sido suicídio.

A chegada dos especialistas do IML e uma revista ao corpo confirmaram as suspeitas, logo que foi achada uma carta no bolso do terno que usava. Esse fato, por sinal, era bastante curioso. Por que usar um terno para se matar? Para se morrer com elegância? Ninguém conseguia entender.

De qualquer forma, todos que estavam em volta, ao verem o papel, começaram a pedir afoitamente a leitura do mesmo em voz alta por um dos encarregados de remover o corpo. Quem sabe ali não teria os motivos que o levaram ao suicídio? O rapaz agora parecia fazer parte da vida dos que ali se encontravam desde o ocorrido, e não houve quem saísse dali até que a carta fosse lida.

Alguns olhos marejaram, alguns ouvidos mostraram-se atentos, alguns corpos tremeram assim que suas últimas palavras começaram a ser lidas para aquela platéia.

"Hoje pensei em me matar. Na verdade, venho pensando nisso constantemente, desde que tudo aconteceu. Uma, duas, três vezes por dia. Até já me preparei para fazê-lo, mas sempre desisto na última hora, tomado por uma esperança súbita e idiota de que tudo vai melhorar.

Penso que não devo desistir, mas penso isso sem firmeza. Sei que mais cedo ou mais tarde vou me dar por vencido. Será que ainda vai demorar muito? Não aguento mais essa espera. Esse sofrimento podia acabar logo, na boa. Simples, rápido. O que me falta para fazer? Coragem? Nada pode me fazer mais mal do que já venho me fazendo até aqui.

Viver com dor não é viver. Quero ser alegre, mas como? Tudo parece tão difícil. A cada dia me sinto mais sozinho, mais perdido. Com quem achava que poderia contar descobri que era uma ilusão.

Cansei de falsas promessas, de falsos carinhos. Dessa hipocrisia de fingir que gostam de mim eu não preciso, muito menos desse sentimento de pena que vocês que estão lendo essa carta estão tendo agora. É ridícula essa falsa preocupação. Que se foda o mundo! Eu não preciso de ninguém querendo tentar gostar de mim.

Por que as pessoas fingem? Por que tentam evitar que eu faça algo comigo se elas nem se importam de fato? Ninguém sabe o que eu tô sofrendo, e nem quero que saibam. Minha vida é só minha, eu faço o que quiser dela. Cansei de intromissões, de tentativas ridículas de compaixão. Esqueçam que eu existo. Esqueçam que eu existi, porra! A vida é assim, não é? Todo mundo chega ao fim um dia. Por que não posso escolher o meu?

Isso é como no cinema, vocês não entendem? Lá a gente escolhe o destino do personagem logo que se começa a escrever a história. É mais simples assim. Por que não posso ter o direito de fazer isso com a minha vida? É mais simples assim.

Pensar demais faz mal. É, cansei de ouvir isso dos outros. Então agora não quero nem pensar, só acabar logo com isso. Sem medo, sem culpa. Eu criei meu mundo assim, agora acabo com ele também. É minha decisão, é minha vida, e não quero mais me fazer esse mal.

Desejo que o mundo siga em frente, com toda sua mediocridade, mas sem mim. Só espero que as pessaos sejam muito felizes. Felizes como nunca fui."

Quando as últimas palavras acabaram de ser lidas, o corpo já havia sido retirado do chão. Aqueles que presenciaram o ato final de um personagem anônimo foram-se com a certeza de que o suicídio não era uma boa saída para se resolver os problemas. Mas, com toda certeza, era perfeito para tornar a morte um drama muito maior do que deveria realmente ser.

segunda-feira, novembro 05, 2001

Hoje é um bom dia para o "Rumo Ao Nada". Resolvi tomar vergonha na cara e inserir um contador nessa bagunça. Vamos ver se a freqüência de visitas anda sendo boa mesmo...

domingo, novembro 04, 2001

Outubro

Pediu mais uma taça de vinho ao garçom e se calou novamente. Devia ser a sétima ou a oitava, não sabia mais. À sua volta, por todo o restaurante, pessoas comiam e bebiam freneticamente. Falavam alto. Estavam felizes e em grupos. Enquanto isso, ele estava ali. Numa mesa de canto, sozinho, calado. A pouca luz do ambiente fazia com que ninguém o notasse. Talvez por isso tenha chorado.

A cadeira vazia à sua frente parecia representar muito mais do que ele próprio imaginava. Era o retrato fiel do que havia feito com sua vida em pouco menos de um ano; mais precisamente, era a representação de seu maior medo, daquilo que o perseguia desde a infância: a inevitabilidade de, com o tempo, ficar sozinho de vez.

Assim que o garçom chegou com a nova taça, voltou a manter o controle. Enxugou os olhos com as costas da mão e agradeceu a eficiência do serviço. Em segundos, levou o recipiente até a boca e sorveu todo o líquido. Queria embriagar-se para ver se diminuia toda a angústia que sentia naquele momento. Entretanto, à medida que bebia, sentia sua dor crescer mais.

O quarteto de jazz já tocava há uma ou duas horas, mas só agora o havia notado. A música que preenchia o ambiente agora lhe trazia recordações em péssima hora. "My Funny Valentine". Escutara pela primeira vez ainda jovem, interpretada por Ella Fitzgerald ou Chet Baker, não sabia ao certo. Mas sempre fora a sua preferida, e marcara, mesmo que ela não soubesse, toda a sua história com a única pessoa que havia amado de fato. Sem ela ali, toda aquela cena não fazia sentido.

Não suportando aquela situação, pediu a conta. Antes, porém, foi ao banheiro. Lavou o rosto, ajeitou a gravata e tomou uma decisão. Não poderia se dar por vencido sem ao menos tentar uma última vez. Deu o dinheiro ao garçom e saiu do restaurante. Caminhando pela rua, avistou o prédio onde ela mora. Apesar de já serem mais de duas da manhã, viu que a luz da sala ainda estava acesa. Sem que desse tempo para questionar seus próprios atos, encaminhou-se até a portaria e pediu ao vigia que a chamasse.

A previsível recusa dela em recebê-lo foi imediata. Ele não se alterou. Calmamente, agradeceu ao empregado e se retirou dali. Enquanto caminhava para casa, trôpego, confuso, repensava toda a história, buscando o que havia feito de errado para que tudo terminasse assim. Uma vez mais, não conseguiu chegar a conclusão alguma.

Olhou para o céu e avistou a bela lua que iluminava tão triste noite. Lembrou-se da promessa que ela um dia lhe fizera, de que ele não haveria de ser triste enquanto ela estivesse viva, e esboçou um sorriso irônico. Como as coisas poderiam ter mudado tanto? Mais do que nunca, sabia que tinha posto tudo a perder.

Foi assim que, na melancolia de uma madrugada qualquer de Outubro, teve a certeza de que não nascera para ser feliz. Desde então, viveu sua vida esperando a morte chegar, desejando ao mundo que não padecesse do mesmo mal que ele: ter amor por alguém e não saber o que fazer com isso.

"Tornar o amor real é expulsá-lo de você
Pra que ele possa ser de alguém"

Nando Reis, "Quem Vai Dizer Tchau?"

quinta-feira, outubro 04, 2001

"Então me diz qual é a graça
De já saber o fim da estrada
Quando se parte rumo ao nada."

Paulinho Moska, "A Seta e O Alvo"
Caros leitores,
Sei que ando em falta com vocês, pois raramente tenho publicado algo inédito aqui. Não é por falta de vontade, acreditem. Já iniciei pelo menos 6 contos desde que migrei para esse novo endereço, mas não consigo finalizar nenhum. Estou passando por uma fase estranha, uma espécie de "ócio criativo" que nem eu mesmo sei o porquê da ocorrência. Na verdade, alguns motivos até vieram à mente, tais como a ausência de um contador de visitas no blog e o período de provas da faculdade, entretanto, nenhum deles me pareceu uma justificativa real. Por conta disso, venho comunicar que o "Rumo Ao Nada" estará funcionando precariamente a partir de hoje, sem garantia de publicações diárias. Acho que é a atitude mais justa que posso tomar para não frustrar os 5 ou 6 leitores que vêm me acompanhando nessa difícil empreitada desde o início. E, infelizmente, sou obrigado a admitir que, se as coisas não se modificarem, é provável até que eu desative esse blog em definitivo. Vamos ver se com o tempo tudo melhora. Até lá, agradeço a compreensão de todos vocês e torço para que dias melhores venham e me ajudem a manter esse espaço aqui.
Um grande abraço a todos,
Marcelo Caldas

segunda-feira, outubro 01, 2001

Resoluções Para o Novo Ano

Faltavam ainda 3 dias para a chegada do reveillon. No entanto, para Márcia a contagem regressiva havia começado há quase uma semana, mais precisamente na véspera de Natal.

Foi nessa data que, não sendo mais do que 10 horas da manhã, ela resolveu dar uma volta "para arejar os pensamentos". A rotina de sua casa havia se tornado desgastante desde que seus pais decidiram se separar, e isso não tinha um mês de ocorrido. De qualquer forma, já não aguentava mais conviver com aquilo, por isso a caminhada tão cedo parecia uma ótima alternativa.

O clima frio e o céu nublado davam o tom de melancolia ideal para um passeio como aquele. Andava a passos lentos, porém firmes, numa dualidade interessante. A cabeça parecia ter o peso de todo o universo, dando-lhe um grau de fadiga maior do que o normal. O restante do corpo, contudo, parecia se sublimar.

Poucos metros ela havia caminhado quando avistou uma aglomeração próxima ao sinal. Pensando ser um acidente com alguém conhecido, apressou-se em ir verificar o que lá acontecia. Ao chegar mais perto, causou-lhe uma enorme surpresa avistar um jovem de mais ou menos 22 anos fazendo alguns truques com malabares. Aquilo prendeu sua atenção de tal forma que passou a reparar na delicadeza com que o rapaz executava os movimentos.

Daniel, por sua vez, fitava os olhos azuis de Márcia maravilhado. Jamais tivera visão de tão singular beleza, e sentia-se hipnotizado pela moça. A atenção foi desviada de tal forma que ele deixou os bastões caírem ao chão. Os aplausos transformaram-se em um silêncio perturbador. Os parcos segundos imóvel diante daquela meia centena de gente lhe pareceram horas.

Em um gesto impensado, Márcia rompeu rompeu a barreira humana que se precipitava à sua frente e pegou os bastões. A Daniel entregou-os delicadamente, e aquele momento lhe pareceu tão íntimo que ignorou todos que os observavam e beijou com suavidade sua face. Ele apenas balbuciou um "muito obrigado" e seguiu com suas acrobacias, enquanto avistava a jovem sair do meio da roda e seguir seu caminho.

O que tinha acabado de acontecer comovera aqueles que, pasmados, viram a cena. Daniel nada ouvia, mas os lábios à sua volta pareciam lhe dizer para ir atrás daquela moça de quem sequer sabia o nome. Abruptamente, recolheu seus artefatos e colocou-se a correr, procurando-a. Márcia, porém, já havia sumido na paisagem.

Enquanto andava apressadamente para casa, lágrimas rolavam dos olhos de Márcia. Não entendia bem o porquê, mas aquilo lhe tocara de tal forma que preferiu fugir. Sentia-se despreparada para lidar com algo tão forte, tinha medo de encarar emoções até então desconhecidas.

Trancou-se no quarto logo que chegou em casa. Fechou as cortinas e deixou o corpo cair sobre a cama. Apesar da tarde mal ter se iniciado, adormeceu rapidamente.

Na manhã do dia seguinte, enquanto tomava o seu café, ela ouviu a campanhia tocar. Com todos na casa ainda dormindo, resolveu atender. Ao abrir a porta, não avistou ninguém, só um envelope sobre o tapete de "boas vindas" no qual se lia, em letras cuidadosamente desenhadas, "aos mais belos olhos que já encontrei".

Márcia leu toda a carta em poucos minutos. Em seguida, correu para o quarto, trocou de roupa e saiu à procura daquele que tinha revirado seus sentimentos. Chovia forte, mas isso não iria impedir que consertasse o erro da omissão no dia anterior.

Ao chegar à esquina, seus olhos marejaram. No mesmo lugar de antes, avistou Daniel fazendo seus malabarismos. Dessa vez, todavia, não havia ninguém à sua volta. Caminhou a passos lentos, porém firmes, na direção dele. Os olhares cruzaram-se novamente.

Daniel deixou os bastões caírem. Márcia fez menção de pegá-los, porém os atirou para o lado. Ambos respiravam forte, arfantes. Sem deixar que balbuciasse qualquer coisa, ela o beijou com enorme ternura, em uma cena digna dos grandes romances literários.

Com a chuva ainda caindo sobre os dois novos amantes, uma meia centena de pessoas cercou-os lentamente. Em meio a aplausos e gritos, saudaram a realização de tão forte amor.

O novo ano que em breve iria se iniciar prometia ser dos melhores.

domingo, setembro 30, 2001

O Maior Espetáculo da Terra

Dez. Vinte. Trinta minutos, talvez. Na verdade, nenhum dos que estavam ali presentes poderiam precisar há quanto tempo aquele corpo estava jogado no asfalto quente. A face, desfigurada, deixava claro que o impacto havia sido muito forte. "Ela morreu na hora", diziam alguns. "Será que ela chegou a sentir dor?", perguntavam outros. Enquanto isso, o cadáver permanecia ali, largado ao chão, desfazendo-se do pouco sangue que ainda insistia em correr nas veias da pobre moça.

Não devia ser mais do que meio-dia quando ela saiu de casa. Sabia que ia ter um dia atarefado, e estava atrasada. "Tenho que parar com essa vida vagabunda", repetia para si mesma enquanto descia no elevador. Os cabelos ainda estavam molhadas e tentava, desajeitadamente, passar batom nos lábios ao mesmo tempo que, já na rua, apressava o passo para chegar ao ponto de ônibus.

A pressa de nada adiantou, porém. Amargou uma longa espera até que passasse um ônibus que servisse. Quando chegou, a multidão que se aglomerava lá dentro quase a fez desistir, mas o fator tempo foi determinante para que continuasse. O trajeto comum demoraria pelo menos uma hora, não poderia mais esperar.

Poucos quilômetros tinham sido percorridos quando uma freada brusca surpreendeu a todos os passageiros. Em meio a cabeças que se precipitavam à sua frente, conseguiu enxergar, com certa dificuldade, o que ocorria. Diante do ônibus, duas viaturas fechavam a rua, impossibilitando qualquer passagem. Tentou, em vão, passar por entre as pessoas para sair da condução. Como única saída, resolveu saltar pela janela.

Ao fazer isso, contudo, não esperava que fosse ser interpretada de forma tão errada. Logo que alcançou o solo, avistou dois homens armados, apontando em sua direção. Em pânico e confusa, passou a correr sem rumo, ao mesmo tempo que ouvia três disparos e via o vidro do carro ao seu lado estilhaçando, o que não deixava dúvidas de quem era o verdadeiro alvo.

Entrou em uma rua transversal, esbarrando em todos que se encontravam no caminho, enquanto as vozes atrás dela iam se tornando mais intensas. Os passantes manifestavam-se, talvez surpresos com tão insólita cena, mas ela era incapaz de perceber quaisquer reações à sua volta.

Foi capaz de notar, no entanto, que estava agora diante de uma escolha difícil e que não poderia durar mais do que alguns segundos. Na frente, a poucos metros, uma avenida bastante movimentada. Logo atrás, dois homens que a perseguiam com armas em punho sem que ela mesma entendesse bem o porquê. Sua decisão foi puramente intuitiva e parecia a mais acertada no momento.

O som dos ossos se quebrando na frente do caminhão foi ouvido por todos que estavam na calçada naquele momento. Os dois policias sorriram com ar de escárnio e triunfo, virando as costas logo em seguida e caminhando lentamente na direção oposta.

Às treze horas e trinta e sete minutos daquele dia ensolarado de abril, uma pequena turma presenciou, atônita, a mais uma vida se perdendo de maneira insensata, digna dos filmes de grande bilheteria.

Quando o plástico preto cobriu o corpo em estado deplorável, as luzes se acenderam e a platéia foi para casa feliz por ter presenciado tão singular espetáculo da estupidez humana. O maior espetáculo da Terra.
O texto de hoje é bem diferente de todos que os 5 ou 6 leitores desse blog já viram por aqui. Tive que escrevê-lo "sob encomenda" para um trabalho da faculdade, o que já não me agrada muito. O resultado, porém, pareceu-me tão legal que pensei valer a pena publicá-lo. Quer dizer... não foi bem assim. Só tomei coragem de fazer isso porque a pessoa que mais critica tudo o que escrevo disse que estava realmente muito bom. Pois é. Como um elogio da parte dela é raríssimo, aqui está o texto. Vamos ver se estava certa...

Musicando

Corre um boato de que uma nova droga vem sendo misturada a bebidas alcóolicas em festas do alto escalão brasileiro. O sintoma é um só, e bem característico: aquele que ingere o alucinógeno diluído em seu “drink” passa a falar compulsivamente e sem qualquer relação de verossimilhança. Em casos extremos, dizem que a pessoa fala apenas por frases musicais. Não deixa de ser engraçado. Já estou até imaginando a cena: todos os convidados reunidos no salão e, de repente, sobe na mesa o anfitrião e começa a discursar:

“Meus bons amigos onde estão? Provavelmente caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento. O meu partido é um coração partido, e nessas horas percebo que nada do que foi será do jeito que já foi um dia, pois assim caminha a humanidade, com passos de formiga e sem vontade.

Vejam bem, isso não pode ser assim, tão ruim. Amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves e ah, quanto querer cabe em meu coração! Cada vez que eu fujo, eu me aproximo mais, e ainda vai levar um tempo pra fechar o que feriu por dentro. Apesar disso, é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque o tempo não pára. É, eu sei que a espera é difícil, mas continuo sambando.

Claro que isso aqui tá muito bom, isso aqui tá bom demais. Aliás, quando eu estou aqui, eu vivo esse momento lindo. Mas agora o que vamos fazer? Eu também não sei. É, é bom aprender... a vida é cruel. Tá certo, viver é melhor que sonhar, e eu sei que o amor é uma coisa boa. Por isso que eu não quero dinheiro, eu só quero amar. Às vezes penso que isso tudo foi um rio que passou em minha vida e que já não há caminho pra voltar. Porém, ainda assim, não vou dizer que já lhes esqueci.

De fato, do Leme ao Pontal, não há nada igual. É por isso que eu fico com a pureza da resposta das crianças: é a vida, é bonita e é bonita.

Muito obrigado pela atenção de todos!”

sábado, setembro 29, 2001

Em Você

Em certas noites, deito na minha cama e fico olhando o teto até tarde.
Nesse momento, penso em tudo que me acontece e vejo que o que eu mais desejo
É poder escolher melhor as palavras que digo
É poder esconder tudo aquilo que sinto
É poder mostrar que por você eu insisto
Mas aí percebo que minha bondade me impede de ser assim
E quando menos espero, desaprendo a gostar de mim.

sexta-feira, setembro 28, 2001

Verbos

De que adianta voar
Se Ícaro condenou a quem nos céus se aventurasse?

De que adianta andar
Se as pessoas caminham sem nenhuma dignidade?

De que adianta pensar
Se os cérebros pensam sem grande diversidade?

De que adianta falar
Se as bocas falam sem muita autoridade?

De que adianta ler
Se é proibido ler com pueril ingenuidade?

De que adianta escrever
Se não se pode escrever com certa liberdade?

De que adianta cantar
Se o mundo se cala ao ouvir o canto da novidade?

De que adianta amar
Se o coração não suporta as adversidades?

De que adianta viver
Se os verbos hoje já não mais expressam a realidade?

quinta-feira, setembro 27, 2001

E Se...

E se um dia você acordasse e visse que o mundo não era como você imaginava?

Se descobrisse que o céu é vermelho, como se feito de fogo,
Que as nuvens são amarelas, como se pintadas a dedo,
E que os mares são negros, como se escurecidos pelo medo,
Será que mesmo assim você teria medo de viver?

Se percebesse que as pessoas ao seu redor são foscas,
Que os carros que passam nas ruas são lentos,
E que a palavra é a maior arma de todos os tempos,
Será que mesmo assim você teria medo de correr?

Se acreditasse que a vida não é mais do que um estágio,
Que os seus sentimentos não são feitos para serem desprezados
E que a dor da perda não é algo que ocupa pouco espaço,
Será que mesmo assim você teria medo de sofrer?

Se entendesse que a grama não é mais verde do outro lado,
Que os pássaros não cantam apenas quando enjaulados,
E que a liberdade é algo que precisa sempre ser conquistado,
Será que mesmo assim você teria medo de esquecer?

Se não ignorasse que é importante dizer o que se pensa sempre,
Que as oportunidades não surgem sem um motivo aparente,
E que se deve a todo custo procurar seguir em frente,
Será que mesmo assim você teria medo de enlouquecer?

Se não esquecesse que ter alguém ao lado é essencial,
Que, quando se gosta, ignorar pode ser fatal,
E que o amor à primeira vista é algo real,
Será que mesmo assim você teria medo de querer?

Se pensasse que vencer em tudo não é necessário,
Que ter amigos ao seu lado é ser por eles estimado,
E que sozinho não se passa por nenhum obstáculo,
Será que mesmo assim você teria medo de perder?

E se um dia você dormisse e o mundo acabasse como um nada?

quarta-feira, setembro 26, 2001

Imagens

Avistou seu rosto no espelho e teve vontade de chorar. Não estava triste, é verdade, nem havia motivos para tal, mas mesmo assim teve vontade de chorar.

Pensou estar ficando louca, estar perdendo de vez todo e qualquer bom senso que ainda havia restado dentro de si, porém não poderia precisar o que de fato acontecia agora. Sentia-se estranha.

Esticou a mão em direção à imagem e a tocou com sutileza. Parecia não crer que o que via ali era ela mesma. Em um gesto fraco, deslizou os dedos pelo espelho, enquanto as pernas, irriquietas, mexiam de um lado para o outro.

Com calma e suavidade, pegou a tesoura que estava em cima da penteadeira. Andou até o armário e tirou o vestido mais caro que lá havia. Lentamente, cortou-o em vários pedaços. Amarrou-os pelas pontas, deixando-os com a forma de uma corda.

Um a um, foi cortando os fios de seu cabelo, até deixá-los totalmente disformes. Tirou os sapatos, a blusa, a calça. Apagou a luz do abajour. Com passos curtos, foi até a janela. Abriu-a. O vento que soprava no oitavo andar era forte e quente. A noite estava sublime.

Passou a mão pela testa e viu que suava frio. As pernas, antes irriquietas, agora estavam trêmulas. Não obedeciam mais. A cabeça pesava, lágrimas rolavam do rosto incessantemente.

Deu dois passos para trás. Respirou fundo, buscando coragem para fazer o que era necessário. Contou até cinco. Usou então toda a sua força e lançou janela afora aquele espelho maldito. À corda feita com o vestido propiciou destino semelhante, como se revidasse às mazelas da sociedade consumista.

Virou as costas para o mundo lá fora e orgulhou-se de sua atitude: "não há imagem que possa ser tão bela a ponto de se morrer por ela".

terça-feira, setembro 25, 2001

Amores Brutos

Já passava de meio-dia quando ela se levantou da cama. Era sábado, dia ensolarado, e não havia compromissos que a fizessem ficar preocupada por estar acordando tão tarde. A noite anterior tinha sido muito boa, e dificilmente conseguiria apagar da memória pelo resto de sua vida tudo o que havia acontecido.

Tinha sido tudo muito rápido. Um simples telefonema e pronto: lá se foi aquela rotina enfadonha de toda sexta-feira, regada a filmes antigos de locadora e pipocas de microondas. Há tempos vinha querendo fazer de seus dias algo diferente, mas por falta de opção ou companhia, acabava sempre ficando em casa. Mas agora...

Aprontou-se em menos de 40 minutos, e antes mesmo que pensasse em desistir, já estava descendo no elevador, rumo à garagem. Ao entrar no carro, reparou que não havia um cd para ouvir. Como não havia tempo para voltar ao apartamento, contentou-se em sintonizar uma rádio que tocava algo parecido com Barry White. Girou a chave na ignição, abriu o portão e saiu.

Lá fora, as luzes dos postes pareciam iluminar de forma diferente. O céu estava limpo, repleto de estrelas que ela achou nunca haver reparado antes. Quase não havia carros na rua, o que não era comum para um noite de sexta-feira. Pensou ser aquilo muito estranho, mas como nada poderia estragar o que iria fazer, continuou seu caminho.

Não demorou mais do que uma hora para chegar lá. O cenário era perfeito: inúmeras pessoas, todas bem vestidas, aglomeravam-se à porta. Sem muitas dificuldades, avistou a autora do telefonema. Caminhou apressadamente até ela e saudou-a de forma contida, bastante discreta. Estava ansiosa.

Juntas, andaram até o quarteirão seguinte. Pararam. A amiga caminhou até uma van estacionada a poucos metros e fez sinal para que a seguisse. Abriu a porta lateral e mostrou com orgulho o que lá havia. Era um arsenal digno de grandes guerrilhas. Armas e mais armas que só vira antes em filmes hollywoodianos. Era sublime.

Colocou um pedaço de meia-calça na cabeça. Em seguida, esticou os braços e apoderou-se de uma submetralhadora. A amiga ainda lhe entregou uma granada, para o caso de ser necessária uma medida "mais enérgica", e mostrou-lhe o fuzil que iria utilizar. A munição era vasta e, com toda certeza, mais do que suficiente para o que iriam fazer.

Entraram na van e seguiram até o local de destino, prontas para o grande ato. Em menos de 5 minutos, entornaram uma garrafa inteira de vodka. Era preciso uma última dose de coragem. Olharam para fora e repararam que os outros olhos não se concentraram nelas. Perfeito.

Foi tudo tão rápido que não possibilitou qualquer reação. Em pouquíssimo tempo, avistava-se algo em torno de uma centena de corpos, todos maravilhosamente manchados de vermelho. As duas, sorrindo, regozijavam-se, enquanto a van saía rápido do local do crime. Estava feito.

Começava a preparar seu café da manhã quando batidas incessantes à porta tomaram de súbito o ambiente. Ficou assustada. Abriu apenas uma pequena brecha e viu que se tratava
de sua comparsa, com uma garrafa de champagne em uma mão e uma caixa bem embrulhada na outra.

Comemoraram com prazer a perfeição daquele gesto insano. A caixa, porém, permanecia intocada. A amiga fez então um gesto para que a abrisse. Tirou o laço com suavidade e levantou a tampa. Olhou o que havia dentro e temeu que fosse verdade.

A explosão foi devastadora.

Nos destroços, os bombeiros encontraram incrivelmente intacto um pequeno papel no qual se lia, com letras tremidas, uma frase que parecia justificar tudo aquilo.

"O melhor só se adquire às custas de um grande sofrimento. Agora estaremos juntas."

E percebeu-se então que não havia amor tão forte que não fosse doentio.

segunda-feira, setembro 24, 2001

Aniversário

Às vezes parece que você acorda do lado do avesso, que nem devia ter acordado. Parece que o mundo todo conspira contra você. Como hoje.

Não fui trabalhar, mas deveria. É meu aniversário, pensei, não preciso ir. Vai tudo dar certo. Não vou acordar cedo só para trabalhar duas horas e voltar. Não vou. Não fui.

Tinha um almoço marcado com quem eu mais queria ver no dia de hoje. Especialmente. Hoje. Não vou poder ir, disse ela, tenho que ficar estudando. Mas a gente pode ir só na loja de cd's, não serve, perguntou ela. Não respondi. Mas fui.

É meu aniversário, vai tudo dar certo, pensei.

O celular tocando. Várias vezes. Atendi. Parabéns vinham. E iam. Os problemas vinham. E ficavam. Eu ia.
Desmarquei os outros compromissos. Só eu podia resolver tudo pelos outros. Só eu. Assim não vai dar, assim não. Vai. Só, fui.

É meu aniversário, vai tudo dar certo, pensei.

Ela ficou em casa. Me deu um abraço longo. E um beijo. Na bochecha. Não fica triste, falou, vai tudo ficar bem. E entrou. Eu fiquei ali. Parado. Pensando. Não sei nem como voltei. Me fui.

Mas é meu aniversário, vai tudo dar certo, pensei.

O carro não ligou. Não acreditei. Olhei o marcador. Zero. A gasolina se foi. Toda. 20 litros. 35 reais. 8 horas de trabalho. Já acabou. Em dois dias. E eu fiquei. A pé.

Mas é meu aniversário, vai tudo dar certo, pensei.

Cheguei em casa. Sem almoçar. 5 horas na rua. Nem tudo resolvido. Liguei para ela. Não estava em casa. O celular. Atendeu. Queria falar. Com ela. Não podia, estava ocupada. Só às 8 da noite. Mas são só 5. E a casa tá vazia. Eu também.

Mas é meu aniversário. Vai tudo.

E eu vou.

domingo, setembro 23, 2001

Sincretismo

Hoje acordei com uma sensação estranha. Não sei bem o porquê, mas tive a sensação de que as coisas tornaram-se bem diferentes em minha vida de uns tempos para cá (não poderia precisar desde quando, mas digamos que tempo suficiente para originar reflexões e devaneios diversos a respeito disso vindos de minha parte), e senti isso de maneira positiva, como se, no meio de um caminho errado, eu parasse e visse que era hora de seguir o rumo certo. Mas não sei mesmo de onde surgiu essa sensação. Estranho, não?

Hoje acordei com um pensamento engraçado. Não sei bem o porquê, mas acordei desejando ser uma outra pessoa, uma pessoa diferente da que fui até agora (não poderia precisar de que forma, mas digamos que diferente o suficiente para não originar reflexões e devaneios diversos a respeito disso vindos de outras pessoas), e senti isso de maneira inexpressiva, como se eu quisesse ser uma pessoa menos fria, menos cínica, mais certa. Mas não sei mesmo de onde surgiu esse pensamento. Estranho, não?

Nem tão estranho assim. Pensamentos e sensações desse tipo me acompanham com freqüência, desde que minha (fraca) memória registra a existência de vida nesse corpo. E talvez sejam até mais recorrentes do que trivialidades, fatos comuns à grande maioria da humanidade. É complexo, eu sei, mas até que me entendo melhor por crer nisso. Quase sempre o entendimento disso tudo é feito de maneira pouco usual, bem abstrata, o que impossibilita qualquer explicação. Mas não deixa de ser uma forma de entendimento. Às vezes gosto de estar ambíguo, ser um equívoco, mesmo que eu seja mais simples e mais certo do que pareço ser.

Para alguns, o que estou falando deve lhes parecer mais familiar, deve ter algum sentido. Para os demais, porém, não deve passar de um momento de loucura meu, de um texto sem sentido, de meras palavras desconexas jogadas num papel. Eu diria que ambos estão certos. Só não sei o quanto.

Hoje acordei confuso.
Das Palavras

A chuva caía forte do lado de fora. Em seu quarto, Beatriz ouvia com enorme prazer o som das gotas batendo na janela. O som ligado em volume baixo transmitia a voz de Elis Regina suavamente, quase como uma velha canção de ninar. Deitada na cama, observava o teto branco e imaginava se havia realmente feito a escolha certa. Não precisava ir muito longe com seus pensamentos, porém. O sorriso estampado em sua face era o maior indicador disso.

É verdade que tudo acontecera de forma bastante rápida. Abrira os olhos determinada manhã e sentira que era hora de mudar. Viver daquele jeito não era mais possível e as opções que figuravam em sua mente sugeriam medidas enérgicas. Da teoria à ação foi tudo muito simples. Levantou-se da cama, tomou um banho e vestiu seu melhor vestido. Colocou os brincos mais caros, passou batom cuidadosamente e ajeitou os cabelos. Estava pronta.

Saiu de casa apressadamente, levando debaixo do braço uma pasta. Caminhava a passos largos pela rua que ainda acabava de acordar. Parou para tomar um copo de café na padaria, na banca folheou o jornal do dia e seguiu seu caminho. O perfume que exalava podia ser sentido à distância, despertando nos poucos que já se encontravam de pé as mais diversas sensações.

Em seguida, entrou no primeiro ônibus que avistou no ponto. Ao trocador fez menção para que avisasse quando estivessem chegando ao ponto final. Sentada, repousou a cabeça na janela e se colocou a pensar. Seriam os últimos quilômetros antes da decisão final, e se havia algum momento para se arrepender, era agora.

Permaneceu imóvel até seu destino. Agradeceu pelo aviso ao trocador e desceu do ônibus. Uma simples olhada ao redor de si indicou que ela conseguira exatamente o que queria: estava em lugar que desconhecia por completo. A praia em frente ao ponto escolheu como local perfeito para o seu ato.

Da pasta que trazia consigo, já na areia, foi retirando uma a uma as folhas do livro que terminara dias antes. Em seguida, colocou-as lentamente no mar, deixando que fossem levadas vagarosamente.

À editora que esperava ansiosamente aquela que seria a continuação de seu romance de maior sucesso, disse apenas que havia perdido os originais, e, em seguida, pediu sua demissão.

À sua moral, entretanto, dera força redobrada, através da consciência de que escrever não haveria de se tornar jamais uma obrigação contratual, um ato forçado. Permaneceria como algo feito com paixão, com uma vontade imensa de fazer das palavras seu mundo.

A chuva caía forte do lado de fora. Em seu quarto, Beatriz ouvia com enorme prazer o som das gotas batendo na janela. Sorria graciosamente.

Havia mais mundo a se viver do que aquele que o dinheiro podia comprar.

sábado, setembro 22, 2001

Trapo

Sempre correra atrás de um grande amor. Procurava-o em cada esquina, em cada nova relação que iniciava sem vontade. Às vezes até sofria pelo término de uma ou outra dessas, mas não durava mais do que algumas semanas assim.

Ouvia de todos que ainda não havia chegado a sua hora, que um verdadeiro amor estava à sua espera. Entretanto, não acreditava nisso. Na verdade, sentia justamente o contrário: que as oportunidades já tinham surgido em sua vida e que ele não aproveitara.

Começou a questionar se não haveria algo de errado com ele mesmo. Seria possível viver sem amar? Com toda certeza, pois senão já teria morrido há tempos. Então por que continuava imune a esse sentimento? Não conseguia mesmo entender.

Aos poucos, foi acostumando-se com a idéia de que não havia nascido para amar. Construiu uma muralha em volta de si e resolveu não se aventurar mais em qualquer relação. Passou a ser considerado extremamente frio por todos aqueles que o cercavam e parecia orgulhar-se disso.

Afastou os amigos de anos por conta de tão arredio comportamento. Logo depois foi a vez dos parentes mais próximos. Não saía mais de casa, não atendia aos telefonemas e nem respondia às cartas enviadas. Tinha como única companhia a velha aparelhagem de som e sua coleção de discos de jazz.

Transformou-se por completo. A aparência agora era das mais repugnantes: barba por fazer, cabelo sem corte, roupas surradas. Não tinha motivos para estar diferente, é verdade, mas estava chegando ao extremo, e isso preocupava os poucos que ainda nutriam alguma compaixão por sua figura.

Meses se passaram sem que houvesse notícias de mudanças em seu comportamento. Parecia que havia mesmo acreditado que não teria chance de amar e se desligado do mundo. Como conseqüência óbvia, qualquer resquício de lembrança de sua pessoa foi apagado daqueles com quem convivera um dia.

Certa vez, caminhando pela casa enquanto ouvia um compacto de Chet Baker à meia-luz, reparou em sua imagem refletida suavemente na janela e observou-a por alguns instantes. Sentiu desprezo por si mesmo. Transtornado, lançou janela afora a taça de vinho praticamente cheia e começou a chorar compulsivamente.

Da gaveta onde estava a luminária tirou o revólver do qual disparou um tiro certeiro em sua própria fronte.

Quando encontraram o corpo, cerca de duas semanas depois, o impacto foi enorme. Todos se perguntavam o porquê de uma escolha tão errada e de um fim tão trágico para uma vida que poderia ser genial.

Mal sabiam que ele morrera por descobrir, ao avistar seu reflexo, que o amor que tanto procurara estava o tempo todo ao seu lado e que havia jogado fora ao longo daqueles anos.

O amor por si mesmo.
Caros leitores,

O desembucha.com resolveu sair do ar em definitivo e, por isso, migrei para o blogger.com. Para os que entravam no antigo endereço, essa mudança tem tudo para ser ótima, pois acredito que não haverá mais problemas para acessar o conteúdo diariamente. Agora é só ter paciência: aos poucos irei recolocar os textos aqui, e espero que vocês continuem freqüentando esse espaço da mesma maneira que faziam antes.

Para começar, fica o texto que me rendeu mais elogios na antiga versão do Rumo Ao Nada. Com os leitores novos, espero repetir o sucesso. Já em relação aos antigos, só posso pedir desculpas por estar me repetindo, mas não poderia simplesmente jogar fora tudo que já estava escrito lá. Prometo algo novo para breve.



Dias Assim

Tem dias que eu sinto saudades de você. São poucos, é verdade, mas eles existem. Normalmente são dias cinzentos, frios, dias que eu queria que você estivesse aqui ao meu lado. Mas você não está.

Em dias assim, costumo pegar o cobertor, enrolar-me nele e sentar na poltrona do canto da sala. A sua poltrona. Acendo a lareira, pego uma taça de vinho e ligo o toca-discos. Coloco aquele vinil que você me deu de presente de Natal e ouço várias vezes o mesmo lado, num gesto mais do que automático. Passo o dedo lentamente pela borda do copo, como se alisando os seus cabelos. Fito o retrato de nós dois juntos naquele verão do ano passado acima da lareira e faço menção de pegar o telefone. Mas sempre desisto.

Em dias assim, costumo reler todas as cartas que escrevi para você e que nunca tive coragem de enviar, mas que também nunca rasguei. São palavras que vão das mais doces às mais ásperas, muitas vezes sem nenhum sentido. Algumas escritas com tanta raiva que chegam a marcar a folha do outro lado. Outras, tão suaves que mal consigo ler o que está escrito. Penso em enviá-las agora, apenas para mostrar tudo o que você fez comigo quando me deixou. Mas me parece tão inútil que as deixo no mesmo lugar.

Em dias assim, vejo o seu filme preferido pela milésima vez e lembro de cada comentário seu. Vou à cozinha e faço brigadeiro para comermos com colher. Coloco aquela blusa roxa com listras amarelas que você tanto odeia e deixo a cama desarrumada só para você implicar comigo. Passo o dia deitado, olhando para o teto e revendo fotos das viagens que fizemos. Aperto o travesseiro contra o rosto para ver se ainda sinto o seu cheiro nele, igual ao que fazia todo dia de manhã quando você já havia se levantado para preparar nosso café.

Em dias assim, tenho vontade de berrar bem alto o quanto eu te amo, de dizer tudo aquilo que não disse antes por puro medo ou orgulho.

Nesses dias que sinto saudades, penso em você me olhando com carinho e dizendo que nunca vai me deixar.

E me pergunto se dias melhores virão.