quarta-feira, fevereiro 26, 2003

Em Cortes e Sombras

Eu não imaginava que a perda ia ser tão grande quando você virou as costas e saiu daqui. Na hora dei pouca importância, sequer ouvi o que você disse ao bater a porta. Simplesmente sorri com o canto da boca e pensei que era só mais uma vez que isso acontecia. E deixei você ir, confiante de que minha frieza seria capaz de me ajudar a superar sua ausência ou que mais cedo ou mais tarde voltaríamos ao normal. Acho que descobri tarde demais que nada daquilo era normal, que o que estava escapando de mim era mais do que eu mesmo tinha constatado até então.

“Por que você só enxerga aquilo que quer? Por que insiste em tentar entender?”

Há dias não saio de dentro do meu quarto. Isso normalmente me incomodaria muito, mas não agora. Sinto que tudo ficou parado. A música que toca no meu rádio tem apenas um acorde e as palavras da carta que você escreveu naquele dia distante são todas iguais. Os lugares perderam os seus sentidos se eles não podem mais ser atribuídos a nós dois. Não há mais o que ver lá fora. Da minha janela, olho para o céu nublado e penso que a chuva traz saudade. É estranho, eu costumava gostar desses dias, antes dessa imagem ficar associada a você.

“Mas você precisa aprender a viver sem mim. Eu sei que as coisas não ficaram legais, mas não temos mais o que fazer. Vai ser melhor assim”

Foi num dia como esse que tomamos café juntos pela primeira vez, naquela livraria. Eu ainda tinha dores pelo corpo e você, olhos desafiadores. Algo de diferente surgia ali, algo que não soubemos dimensionar então – e até hoje ainda não sei. Só lembro que seu cheiro se fundiu à cena e nunca mais pude esquecer. Hoje mesmo, enquanto minha caneta percorria tensa as linhas do papel, senti ele preencher o ambiente de novo. Talvez uma lágrima tenha escorrido pelo meu rosto nesse momento, mas preferi ignorar e continuar a escrever. É assim que a dor sai de dentro do peito, você sabe.

“A verdade é que eu só queria te ver feliz.”