sábado, fevereiro 17, 2007

Retroprocessador de ilusões

Eu esperei por todo o tempo o seu telefonema. Esperei por um sinal de vida, por um oi qualquer, por uma palavra que dissesse estou aqui. Esperei por sua notícia, por sua volta, por seu arrependimento. Esperei que você não deixasse longe por tanto tempo, que você percebesse o erro, que me falasse que sabia que me queria. Esperei. Esperei que você escrevesse uma carta, que mandasse sinal de fumaça, que me olhasse por nada, que soubesse me amar. Eu esperei por você, como sempre esperava. E ouvi meu telefone tocar quando ele nem funcionava, abri minha caixa de correio cada manhã que se anunciava, vi palavras onde nada se expressava. Esperei por qualquer atenção que eu sabia (pensava) que você me dava. Eu esperei até você aparecer. E você não apareceu, certa-errada de não se manifestar naquela hora, deixar o tempo passar como se a gente pudesse passar também, mesmo sabendo que nada ia passar sem que nós passássemos a limpo tudo o que tinha passado no passado, e eu fiquei esperando. E esperei de novo, como se você pudesse ter percebido que havia como acertar depois de tudo, e você só me dizendo que o erro era o acerto da sua vida. Mas não da minha. E eu esperei que você notasse que eu estava ali, pronto para amar você, e que você podia me amar se quisesse assim, mas você não quis. Só que eu quis esperar, e esperei. E você veio de novo e me disse ok, a gente precisa saber, e eu não quis mais saber de nada, só de saber com você o que eu nunca soube. Aquilo que a gente sempre esperou sem saber se devia esperar. E você disse tá bom. E eu disse não sei. E você foi embora, e eu fiquei ali, e esperei você olhar para trás e me dizer que sim. E você virou a esquina. Eu esperei. E você não voltou. E eu não fui. Mas esperei. E parei. E assim terminei. Sem você.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Depósito de insensatez

Fechou os olhos e imaginou cada passo que seria dado no dia seguinte. Como sempre, começou a planejar tudo o que fazer assim que a encontrasse; para onde ir, o que pedir, o que dizer. Visualizou os cabelos soltos, os passos apressados, o cigarro na mão e o abraço saudoso. Conseguiu até sentir o cheiro dela, mesmo depois de tantos meses sem sequer vê-la. Era como se o passado fosse logo ali. E isso porque ele fazia questão de apagar essas recordações como poucos.

Abriu os olhos e a porta do carro. Já era perto demais para avistar sua caminhada em direção a ele. Tentou perceber mais alguma coisa, mas era tarde. O telefone nas mãos roubou o abraço, e a ele restou olhar os pés e reparar nos sapatos branco-e-preto. Reconheceu os cabelos, o cheiro também. Trocaram sussurros e ele seguiu o caminho, sem disfarçar para si o prazer de estar de novo ali. O prédio, o quebra-molas, a portaria, o sinal. Tudo era familiar ainda, e trazia à tona um sentimento bom que há muito insistia em se esconder.

Fechou as mãos e deixou as veias pulsarem intensamente. 30 batidas em 10 segundos. Se ainda tivesse 15 anos, seria um adolescente apaixonado. Do alto de quase três décadas de existência, no máximo era uma aflição de quem não sabe como se comportar diante do inevitável. Ela sorriu, como sempre. E falou tudo com a segurança característica, como se não houvesse dúvidas por dentro. E cada gesto e palavra ia lembrando o porquê de ele já ter se sentido tão bem ali, e ajudava a deseja-la por perto novamente.

Abriu a boca e balbuciou qualquer frase sem nexo, apenas para si. Não tinha como não ser de outro modo. Era surpreendente como, na sua presença, ele se desconcertava. Coisa de desarticular a ordem das palavras e das idéias, de deixar tremendo sutilmente. Talvez por ela ser a única que o desafiasse, completando e igualando. Cada minuto era saboreado segundo a segundo, e todos os que se foram ainda eram insuficientes para o satisfazer. Queria mais, queria sempre, queria tudo.

Fechou o bloco e parou de anotar. Preferiu esconder as palavras a se entregar. Sabia que o caminho não tinha mais volta, e que a imaginação o levava para longe demais do que era o real. No som, o recado era simples: “não seremos um casal de velhos”. Pegou mais um café e sorriu. Definitivamente, aquele filme, afinal, não era para eles, fácil de perceber desde a primeira palavra e sem o ponto final.

Abriu a janela. Prendeu as idéias. Soltou um berro. Fechou as cortinas.

Era o retorno.