domingo, outubro 26, 2003

Dos Meios, O Fim

Ela andava sozinha, pisando descalça nas poças de lama, os olhos cansados e um cigarro nas mãos. Já estava naquele caminho há um bom tempo, horas talvez, mas não tinha a intenção de parar. Era tudo vazio à sua volta, e não havia ponto de partida ou de chegada; apenas o pensamento buscava algum sentido, enquanto o corpo era automático em seus gestos. A estrada de barro, imperfeita, dizia a que ela que não era única em sua busca, ainda que não se soubesse o que deveria ser encontrado. Perturbava-a a idéia de que sua paz fazia-se no silêncio, e um grito amargo saiu de sua boca involuntariamente. Ventava leve agora, e umas poucas nuvens ao longe anunciavam chuva para depois. Mas o agora era o que importava, quieto e vazio em sua essência.

Ajoelhou-se. Seu corpo agora estava mole, cedendo ao cansaço. Curvou-se para a frente e encostou o rosto no chão. A terra parecia lhe dizer algo, mas não conseguia entender. Sentiu o coração bater mais lento e voltou seu olhar para o céu. Um pássaro voava solitário em meio à imensidão cinza do dia. Fechou os olhos e apertou as mãos. Esperou sorrindo. A estrada de barro lhe dera algum sentido enfim.

domingo, outubro 19, 2003

Quase Sempre Nada

“Calma, me dá sua mão...”

Dois passos e ela continua distante. Desde que eles se conheceram parece assim; ele corre em sua direção, ela fecha os olhos e segue seu caminho. Às vezes ele pensa que é uma tentativa inútil, mas basta um aceno dela para se desarmar de novo e seguir achando que é capaz de traze-la para perto.

“Agora vamos, um de cada vez...”

Ele acha tudo isso muito novo. Não costuma se interessar por alguém a ponto de querer trazer por sua vida, mas ela o instiga de tal maneira que não consegue evitar. Talvez não o faça de propósito, é verdade – parece apenas ser o jeito dela, reservada e cautelosa –, só que ele se sente estranhamente atraído. Acaba sendo conduzido sem perceber.

“Um, dois, três, quatro...”

Ela quase nunca vem até ele. Seus passos são secos, sempre para longe. Não parece se importar o suficiente para deixá-lo se aproximar, mas também não o evita. Talvez ele não sinta que é preciso não agir, que na ausência ela pode descobrir que ele é perfeito para ela, por isso reclama e age o tempo todo. Acaba que nada parece sair do lugar.

“Cinco, seis, sete, oito...”

Eles seguem instáveis. Ambos são fechados, mas um quer ceder. O tempo passa e tudo parece permanecer igual. Ele espera cada dia, ela sente as horas pesarem. Para ele, ainda não se conhecem como deveriam se conhecer. Para ela, não deveriam se conhecer como poderiam. Talvez por isso nada pareça mudar, ainda que mude a todo instante. (Eles não sabem, mas é para ser assim.)

“Pronto, chegamos. Abre os olhos...”

Ele não dá mais passos. Ela não sai mais do lugar. Os olhos nunca se cruzam – ele prefere desviar sempre que ela mira os seus. O jazz que toca em seus ouvidos não é o peso que passa pelos dela. Mesmo assim estão lado a lado. Não se tocam, não se tentam, mas não se afastam. A noite cai igual porque continuam assim. E eles não conseguem perceber o óbvio.

“Vem, é aqui. Não falei que era seguro comigo?”

Só que estão sempre ali.

domingo, outubro 12, 2003

Sem Estações

Venta forte cada vez que penso em você. Jamais imaginei que o clima pudesse representar tão bem o que a saudade faz comigo, mas a chuva me ensinou que é simples assim, quando molha meu rosto e lembra as lágrimas que derramei por você. Aprendi que se tudo fica cinza, é porque você não está por perto, e que se está claro, é para meus olhos se fecharem e me forçarem a lembrar do que já se foi.

Mas aqui dentro é sempre escuro, então não sinto você. Talvez seja mais fácil assim. Porque o papel em que lhe escrevi está na minha mesa há mais tempo do que deveria - não o entreguei, mas também não o joguei fora. Observo-o todo dia jogado ali, às vezes o pego e leio as linhas tremidas e palavras manchadas, depois o largo de novo, enquanto volto para minha cama para viver uma vida que não é triste assim. Então acordo em um novo dia sozinho, e fico certo de que não tenho escolhas por as coisas serem tão diferentes nesse mundo daqui.

Estranho perceber que qualquer decisão sempre me é penosa, ainda que elas não representem tanto assim. Talvez não consiga lidar com os resultados, arcar com as conseqüências de uma manhã ser de sol e outra chuvosa. Quem sabe eu prefira o tempo frio para me colocar debaixo das cobertas e me defender dos trovões como criança assustada.

Ou apenas eu sinta que não há lugar seguro para ir sozinho.