terça-feira, dezembro 10, 2002

Diálogo (In)Consciente

- Você já pensou em sumir?

- Sumir? Como assim?

- Sumir, cara. Desaparecer mesmo. Dar um tempo de tudo. Da vida, das pessoas...

- Ah, tá. Não, acho que não. Quer dizer... sei lá, tem horas que bate um desespero, que parece que nada dá certo, mas acho que nunca quis sumir não.

- Sei...

- Por quê?

- Eu devo ser muito estranho, então. Penso nisso direto.

- Tá falando sério?

- Tô, cara. Volta e meia tenho vontade de sumir.

- Mas por quê?

- Pô, não sei dizer... acho que é porque nada dá certo pra mim.

- Ah, fala sério! Também não é assim.

- É sim.

- Claro que não. Deixa de ser pessimista.

- Como se desse...

- Ih, pode parar. Não vem com esse papo de novo não.

- Tá bom.

- Você precisa mudar, cara.

- Eu sei.

- Precisa se acostumar a ser feliz.

- Eu sei.

- E o que você tá fazendo pra conseguir isso?

- Sei lá.

- Porra, não é possível. Você tem que fazer algo, cara!

- Todo mundo diz isso.

- Então pronto. Por que não faz nada?

- Não sei o que fazer.

- Como não?

- Não sei, pô! Tudo que eu tento dá errado. Acho que eu só faço escolhas erradas, nunca vi.

- Isso é coisa da sua cabeça, na boa. Tem que acreditar mais, cara. Senão vai mesmo dar tudo errado sempre.

- É foda.

- Não, não é. Você precisa mudar.

- Eu sei.

- Sabe?

- Não. Na verdade eu não sei nada.

- Pois é. Aí é que tá o problema. Sabe do que você precisa?

- Do quê?

- Aprender a viver.

- E como eu faço isso?

- Pra começar, pára de querer fugir. Você tem que viver a realidade, porra.

- Mas isso dói.

- Claro que dói! Se relacionar com os outros é complicado. Mas você não pode viver sozinho!

- Por que não?

- Porque não dá, ora. Você vai viver se escondendo por aí?

- Acho que sim.

- Então, amigo, vai nessa. Só não diz depois que eu não avisei.

- Beleza.

- Ah, só mais uma coisa...

- Diz.

- Desse jeito você vai ficar sozinho pra sempre.

- Eu sei.

- E isso não te incomoda?

- Talvez. Mas não tanto ao ponto de eu me preocupar agora.

- E por que não?

- Porque amanhã isso tudo pode mudar.

- Como assim?

- Ah, esquece. Eu sou muito instável.

- Tô vendo.

- É por isso que mantenho todo mundo longe de mim.

- Tarde demais, eu já tô aqui. O que você vai fazer agora?

sábado, novembro 09, 2002

Uma Incerta Canção

Certo dia alguém lhe disse que sua vida era um mundo de fantasias. Na hora em que ouviu isso, só conseguiu sorrir e fazer de conta que não se importava, mas, em seu interior, sentiu-se invadida e desnorteada. Como alguém ousava entrar assim em suas defesas? Que direito tinha uma pessoa qualquer de afirmar o que se passava ali dentro dela? Não era justo. Doía aquela constatação, doía a incerteza que ela trazia em si, doía a realidade. Precisava ser tão difícil? Não via mal em ser assim; era seu refúgio, seu abrigo.

Estava em um imenso campo verde. Poucas árvores compunham a paisagem e o sol brilhava alaranjado de fim de tarde. Deitada, sentia uma leve brisa passear por entre seus lisos fios de cabelo e os olhos teimavam em fechar como se tivessem medo. Não sentia a paz que todos os romances lidos em sua adolescência de sonhos davam como certa em um lugar assim. Ao contrário, havia algo de incômodo ali, ainda que não pudesse precisar o quê.

O branco manchado da parede do quarto a deixava sem asas, só que os pés também não tocavam o chão (ela já sabia). Prendia-se naquele instante, enquanto a mente vagava solta por algum lugar em que nunca esteve, mas que era familiar a ela. Estava em sua cama, vendo tv. Estava à beira de um penhasco, pronta para pular. Estava no colo de sua mãe, criança carente e indefesa. Estava só. Não estava mais ali.

Batidas incessantes à porta chamavam a realidade de volta. Seu corpo não respondia. Em silêncio, falava com o olhar perdido de quem vivia muito além daquele espaço. Se chamavam fantasia aquilo, para ela o nome era vida. Nunca se questionara o porquê de ser assim, nem mesmo sabia o que seria ser diferente. Entendia-se bem às voltas com as criações de sua imaginação, apesar de todo o medo que as aparições costumavam causar. Era dor e aprendizado em sensação única, vontade de se encontrar no escuro da alma.

Cerrou os punhos por um breve instante, em gesto de apreensão. Não sabia em que se segurar – só havia uma fortaleza em seu mundo, a sua própria – por isso precisava sentir-se presente de novo. Tinha que coibir as fugas de sua alma, tornar-se parte da realidade que insistia em escapar. E era naquele gesto que se fazia entender na solidão do seu quarto e do seu íntimo, seca e quieta, sem que sua consciência estivesse ali.

O espelho não refletia sua imagem. Era noite fria e um rádio ao longe tocava uma velha canção que lembrava Bob Dylan. O silêncio não estava mais no ambiente, mas ainda assim dentro dela tudo ficou quieto. As imprecisões e os cortes de seus pensamentos também desapareceram.

No chão, um pequeno papel se movia, leve como o vento que vinha da janela. Nem mesmo a pequena poça d’água era capaz de para-lo por completo. O despertador tocou em hora que não era comum e nem assim ela se levantou. Só um suspiro lento se ouviu ali.

“Moça! Ei, moça! Acorda! O dia ainda não acabou!”

A vida, sim.

domingo, outubro 20, 2002

Ponto Zero

Acredite, comecei a organizar minha vida sem você. E eu sei que você acha que sou incapaz, que não vai se passar nem uma semana e eu vou voltar correndo, só que dessa vez você está enganada. Já estou me acostumando com a idéia e até curtindo não ter mais suas manias por aqui.

Lembra quando você resolveu ir embora de vez? Achei mesmo que o meu mundo ia desabar. Pois é, nessas horas eu sempre maximizo as emoções, chega a ser ridículo. Choro, me desespero, imploro por mais uma chance. Aí, quando passa, parece até que nunca senti nada. E logo estou rindo à toa, embalado pela memória do momento.

Nos primeiros dias foi difícil, reconheço. Ainda olhava para qualquer canto da casa e sentia sua presença aqui. Chegava até a desejar que você não tivesse ido embora, olha só! Se eu soubesse que eu sem você seria paz, juro que não teria insistido tanto para ficar. Na verdade, está tão agradável agora que nem parece que você esteve presente há tão pouco tempo.

O que acontece é que eu sempre tive muito medo de mudanças, e o que me apavorava na sua partida era ter que começar a viver mais uma vez e de forma diferente. Tinha perdido a paciência já, e, mal ou bem, o que existia era o conforto que os anos de convivência nos trouxeram. Mas isso não podia ser o suficiente para nos manter juntos, e sua decisão de me largar abriu meus olhos para isso.

Falando assim, parece que não foi bom enquanto você esteve comigo. Não, não é isso. A última coisa que quero é soar recalcado, e também não quero fazer discurso entusiástico da minha solidão. No fundo, ainda estou espantado com a tranqüilidade que é encarar a vida com a sua ausência.

Aprendi com você que certas decisões, por mais que sejam difíceis em um primeiro momento, precisam ser mantidas até que se esteja acostumado a elas. Isso me motiva ainda mais a deixar tudo como está. Sei que algo se perdeu de mim nesse processo, mas encaro como natural.

Agora meus vinis podem ficar arrumados do jeito que eu quero, sem qualquer ordem lógica. As roupas podem ficar jogadas sobre a cama por dias e não preciso deixar a mesa do café posta todas as manhãs. Meu apartamento voltou a ser o meu caos, onde só eu me entendo (só, eu me entendo).

De fato, eu já sei como vai ser minha vida sem você. Vou viver acordando tarde e comendo qualquer besteira. Os dias vão ser todos iguais, simples como eu sempre quis, sem preocupações ou aborrecimentos. Tudo vai ser mais fácil.

O problema é que eu nunca soube lidar com o que vem fácil, e talvez por isso o complicado me atraia tanto. Não teria como ser diferente agora.

Acredite, comecei a organizar minha vida sem você. Só não me acostumei ainda com a sua ausência. Será que você ainda demora muito para voltar?

domingo, outubro 13, 2002

Silêncio (texto-clichê)

Ele olhou para o relógio na parede mais uma vez. Nos últimos vinte minutos, esse gesto havia se repetido mais de dez vezes. O pé direito batendo inquietante no chão, em compassos quaternários, era a reprodução mais instantânea de sua ansiedade. A poltrona começava a se tornar desconfortável, mais até do que o corpo que coibia o vôo de sua alma, e o silêncio atrapalhado pela maquinaria que girava os ponteiros não era o aliado de antes.

Levantou-se e pegou mais um pouco de vinho tinto. A noite já ia alta e quente, incomum para aquela época do ano, mas mesmo assim se sentia à vontade para aquele gesto invernal. Ao se sentar novamente, viu o porta-retratos que ficava na mesa de centro. Vazio. Não conseguia lembrar desde quando estava assim, muito menos qual havia sido a última foto a ocupar aquele lugar que deveria ser de destaque, só que isso não o incomodava. Muito além de uma representação estática, precisava agora de algo tangível. Voltou sua cabeça para a parede do relógio e os minutos ainda demoravam a passar.

O telefone ao seu lado, mudo, berrava por atenção. O toque incessante de outras épocas parecia esquecido, e mesmo a poeira que tomava conta do aparelho não era capaz de dar a dimensão da ausência. Pela primeira vez, ele o olhou com vontade de usá-lo. Abriu a pequena caderneta de números anotados em formas tremidas e letras corridas e procurou alguém para quem valia a pena ligar. Os nomes que se seguiam pouco diziam, até que a letra J se fez notar em cores, quebrando sua visão monocromática.

Uma palavra configurada como quebra de sentidos. Não se imaginava mais capaz de ser tomado por algo assim, muito por conta do tempo que já se ia perdido na memória, mas estava de novo imerso naquilo que tanto desconhecia. Em momentos assim, sentia-se estranho a si mesmo, uma incógnita que o mundo adorava ignorar, e procurava respostas a perguntas ainda não feitas. Era o clichê personificado, uma convergência de direções rumo ao nada.

Sua covardia o impediu de ligar. O mundo quase autista em que se encerrava a sua vida mantinha-se como norteador, como o ponto de segurança. Modificar a lógica da inércia não lhe era mais atraente, ainda que soubesse ser erro e omissão não buscar algo tão importante que se perdera por obra do tempo e da imaturidade. Olhou mais uma vez para a máquina que se movia lentamente na parede e decidiu, em caso raro, agir sem o respaldo de uma máscara.

No dia seguinte, haveria de falar pessoalmente com ela e colocar um fim na angústia que se apossara há quase uma década de seu interior. Precisava reorganizar o seu próprio caos, por isso não se calaria mais.

Do frio que se projetava dele naquela noite quente, tomou forma um único sentimento, aquele em que nunca acreditava ver tomando a si.

Mas já era tarde demais para a luta ser vencida, e o vento seco que passava lento pela janela levou consigo as vontades adormecidas. Os ponteiros do relógio se calaram e o pé não mais bateu compassado no chão.

Despediu-se da vida como sempre a encarara, sem entender o que fazia ali.

quinta-feira, setembro 12, 2002

P&B

Ela caminhava com leveza, como se os seus pés mal tocassem o chão. Do rosto vinha uma alegria incontida, uma espécie de prazer que parecia ser único. Era impossível passar por ela e ser indiferente. Aquela mesma cena, vista todo dia por quem, às sete horas da manhã, passava pela Avenida Ataulfo de Paiva no trecho entre as ruas Carlos Góes e Cupertino Durão era capaz de dar mais cor às lindas manhãs do Leblon.

Seu nome ninguém sabia; a chamavam "moça do cabelo vermelho", mas só em conversas de bar ou caminhadas na praia, quando ela estava distante e se tornava traços nas memórias apenas. Despertava fascínio e medo, tanto que não se ouvia falar de uma só pessoa que já tivesse falado com ela. A intangibilidade criada pelos que a viam andando por lá havia se tornado tão forte quanto o mito em torno de sua própria existência.

A noite se anunciava lentamente. Os postes acendendo um a um, orquestra de vaga-lumes errantes, clamavam pelo calor humano em suas ruas. A boemia ainda não estava ali, apenas alguns passantes enfadonhos, apressados em suas vidas rotineiras. Não era a hora dela, mas ela apareceu mesmo assim. Branca, leve, serena, como naquelas manhãs. Seu rosto, no entanto, não era o de sempre. Em seu olhar, angústia tão grande parecia corpo estranho. Pela primeira vez, ela parou.

Um adolescente mal vestido aproximou-se. Decerto tinha doze anos, não mais, e era sua coragem pueril traço mais velho que o bairro-cenário. Talvez não tivesse visto a moça antes, talvez sequer soubesse de quem se tratava. Quem sabia, porém? Não a temia. Realidade e fantasia caminhavam juntas sem que se fizessem entender como um algo só naquela história. E a pequena mão que se pronunciou em gesto de afago, compreensiva e trêmula, logo a tocou. Não mais do que dez segundos. Os olhos que voltaram ao jovem penetraram a sua alma masculina com ternura, e a boca exprimiu gratidão em palavra singela: "obrigado".

Ela atravessou a pista e foi em direção à praia. No mar, perdeu-se juntos às ondas nervosas, de olhos de ressaca, tão misteriosa quanto o fora ao longo daquelas manhãs leblônicas de poucos privilegiados, descoloridas a partir de então. Era noite de outono e a boemia chegava às ruas. A vida ainda estava ali.

sábado, agosto 03, 2002

Sentido do Novo

Esses dias têm sido estranhos. Tenho dormido mais tarde e acordado sem sono. Não tenho vontade de sair de casa, muito menos de ver pessoas. Você provavelmente dirá que isso é o meu normal, que nada há de estranho nisso. E eu deveria concordar, mas não posso. Porque sei que estou me sentindo diferente, porque sei que esse igual não é o mesmo igual daquele tempo que você me conheceu.

Ao mesmo tempo, nada mudou. O frio que tem feito e essa chuva que insiste em cair ainda me trazem conforto. A cama desarrumada ainda é lembrança de suas reclamações. E toda vez que eu bebo vinho ou ouço "All Blues", aquela do Miles Davis, eu acabo lhe vendo em mim. Minha raiva do espelho continua, minha mania de contar estrelas no céu à noite também. Olhando assim, o tempo parece não ter passado. Se não fosse pela sua ausência, eu até poderia achar que isso é verdade.

Os livros ainda estão jogados no chão. Não passei das cinco primeiras páginas em todos que tentei ler. Não sei, talvez essa busca em escritos por algo que me dê sentido esteja me atormentando demais. Quero respostas imediatas, fim de angústias e incertezas. Eu sempre fui assim, não é? Por mais que você tenha tentado me ensinar que precisamos refletir mais sobre nós mesmos, acho que eu nunca tive coragem de tentar. Talvez eu tenha muito medo de mim.

Apesar disso tudo, há algo de novo aqui. Porque minha vida está diferente, eu sei. E ainda que seja estranho, não é ruim. Você não deve ter reparado, até por estar tão distante agora.

E é melhor que continue assim.

terça-feira, julho 23, 2002

Filme Caseiro

Ela chegou com os olhos bem vermelhos. Se não a conhecesse muito bem, diria que tinha fumado maconha. Só que ela não era de fazer essas coisas. Além do mais, a expressão que seu rosto trazia denunciava que aquela estranha coloração vinha de horas e mais horas de choro desesperado. O que acontecera eu ainda não sabia, mas com certeza não era simples.

Reparei que trazia em suas mãos um papel amassado. Fiz menção para que me entregasse, porém ela o apertou ainda mais. Seus olhos encheram d’água. Aquele gesto me pareceu bastante familiar e, ao mesmo tempo, um tanto incomum para alguém como ela. Sua força sempre fora o motivo de seu maior orgulho e nunca a vira tão descontrolada. A boca estava seca e não dava a impressão de que fosse capaz de emitir qualquer som.

Passei minha mão por seus cabelos e a puxei de encontro ao meu ombro. No que a abracei, ela pareceu desfalecer. Seu corpo pesava indefeso e quente, ansioso por amparo. Eu não conseguia dizer nada, até por não saber o que se passava com ela. Apenas ficava ali presente, esperando que esse meu estar a fizesse bem.

Ela, porém, não se acalmava. Ao contrário, chorava copiosamente e me apertava com a pouca força que lhe restava. Afastei-a por um breve momento e fitei seus olhos outrora azuis. Eram tristes e angustiantes agora, tomados por aquele vermelho que tanto me assustara minutos atrás. E eu simplesmente não sabia o que fazer.

Do som de sua voz baixa tentei identificar alguma palavra, sem sucesso. Aproximei meus ouvidos de seus lábios, porém ela se calou de novo. Disse a ela que podia confiar em mim e que queria saber o que estava acontecendo, ao que fui repreendido com um “você não entenderia”.

Peguei de suas mãos o papel amassado sem que houvesse qualquer resistência. Dentro dele, em letras tremidas, pude ler aquelas palavras que por anos ansiava ouvir de sua boca. Algo me dizia, porém, que não tinham sido escritas para mim. Ela me olhou com firmeza e pude ter a certeza do meu engano. Dessa vez eram meus olhos quem marejavam, infelizes por tanto amor desperdiçado.

Virou as costas e se colocou a sair de minha casa. Antes de ir, olhou-me em um último momento com ar de despedida. Esse gesto doeu mais do que qualquer perda que eu já tivera em meus vinte e poucos anos de vida. Mandou-me um beijo lento e fechou a porta.

O céu era cinza e um vento frio entrava pela janela entreaberta. Meu som tocava Chet Baker e a garrafa de vinho tinto estava vazia em cima do sofá. Tudo seria triste aqui.

"Mas nada vai conseguir mudar o que ficou
Quando penso em alguém, só penso em você
E aí então estamos bem..."

Renato Russo, "Por Enquanto"

terça-feira, julho 02, 2002

Pela Manhã

Acordou assustado. Suava e ofegava como nunca lhe acontecera. Pelo ar, era capaz de sentir aquele perfume que tanto lhe fizera bem em todos os dias de convivência. Ela estivera em seu sonho, sem dúvidas, e isso a colocara tão próxima quanto desejava que estivesse agora.

Sentia um aperto no peito. Desconhecia aquela sensação, mas algo lhe dizia que seu nome era saudade. Ela partira não havia muito tempo, porém a sua ausência já começava a se mostrar como dor. Algumas lágrimas escorreram do seu rosto. Lamentou ainda mais que ela não estivesse por perto para ter seu abraço agora.

Seu primeiro impulso foi pensar em ligar. Discou os primeiros números e desistiu. Teve vontade de jogar o aparelho forte contra a parede. Não o fez, contudo. Abaixou a cabeça e o choro passou a ser compulsivo. Tremia todo o seu corpo. Parecia que sua vida tornara-se vazia sem ela, que as coisas tinham perdido o sentido.

Olhou para o relógio e viu que não passava das oito horas da manhã. Dormira pouco e faltava muito para o dia acabar. E a única coisa que precisava agora era que os dias passassem rapidamente, trazendo-a de volta o mais breve possível. Se é que ela de fato irá voltar. Esperar.

Pela primeira vez, sentiu que suas manhãs seriam difíceis demais.

sexta-feira, junho 28, 2002

Cortante

O relógio marcava nove e meia da manhã. O dia acabava de começar, mas ele sentia como se não tivesse mais forças para nada. Levantou-se da cama e abriu a porta que dava até o banheiro. Olhou-se no espelho e viu o quão profundas eram suas olheiras. Jogou água no rosto e passou as mãos com vigor no cabelo, tentando faze-lo ficar de uma forma pelo menos agradável, mas não teve muito sucesso.

Voltou para o quarto e abriu as janelas. Não gostava muito da luz do sol, porém naquele dia parecia-lhe ser uma boa deixá-la entrar no seu mundo. Precisava de algo que lhe injetasse um pouco de ânimo e afastasse aquela tão estranha sensação de infelicidade.

Voltou seus olhos para a poltrona que ficava próxima à cama e viu que havia mancha de sangue na camisa que usara na noite anterior. Tentou lembrar-se do que fizera, mas sua memória parecia ter ficado limitada aos momentos que passara em casa. Não lembrava de ter saído em algum momento. Estranhou aquilo, deu de ombros e foi preparar o café da manhã.

Ao tentar abrir a porta, notou sangue também na maçaneta. Tentou girá-la e não teve sucesso. Estava trancado em seu próprio quarto. Correu até a janela e olhou para fora. Décimo quinto andar. Não tinha sequer como saltar por ali. Para piorar, não havia um aparelho de telefone dentro do quarto, só na sala.

Começou a procurar mais resquícios de sangue pelo ambiente e encontrou uma pequena poça próxima à escrivaninha que usava para desenhar. Ao lado, uma garrafa de vinho quebrada. Mas ele não bebia. Ficou apavorado.

Andava de um lado para o outro freneticamente, como se assim pudesse enxergar alguma solução. Pensou em berrar pela janela, mas daquele andar, no meio de Copacabana, era improvável que alguém o ouvisse. Foi nesse momento que se deu conta de que não tinha qualquer ferimento em seu corpo, o que implicava aquele sangue ser de outra pessoa.

Forçou mais uma vez sua memória, mas não conseguia de fato se lembrar do que ocorrera na noite anterior. Seu desespero aumentava a cada segundo. Em um gesto instintivo, abaixou-se e olhou para baixo da cama.

Só conseguiu ouvir o som de uma porta se abrindo e a lâmina entrando firme em suas costas.

domingo, junho 16, 2002

Questionamentos

- Por que você demorou tanto pra voltar?

- Porque era necessário...

- Como assim?

- Ah, eu tinha que repensar algumas coisas.

- E adiantou?

- Com certeza.

- E eu posso saber o que você tinha que repensar?

- Não.

- Por que não?

- Porque são coisas muito íntimas, umas confusões que você não ia entender.

- Não posso nem tentar?

- Esquece isso, vai... o que importa é que eu tô aqui agora.

- Será que tá mesmo?

- O que você acha?

- Não sei...

- Dá pra deixar de ser tão inseguro?

- Só se você disser que me ama.

- E eu preciso mesmo dizer?

- Humm...

- Seu bobo.

quarta-feira, junho 05, 2002

Por Agora

Segurou as mãos dela com força. Mesmo aquele gesto já repetido tantas outras vezes lhe parecia ser diferente agora. Sensações novas tomavam todo o seu corpo, sem que deixasse esconder toda a felicidade sentida por ele naquele momento.

Ela olhou em seus olhos com ternura. Deu um sorriso único, aquele que ele sempre dissera ser o mais bonito de toda a sua vida, e o abraçou demoradamente. Sentia-se feliz como há muito não conseguia. Apesar de tudo que havia acontecido, parecia que seu lugar era mesmo ali.

Beijaram-se. Não um beijo ansioso, mas singelo. Puro e lento. Diferente de todos os anteriores. Nem melhor, nem pior. Apenas diferente. Com gosto de vitória, talvez. Mas não de certeza, porque há um clichê de mais pura verdade: na vida não se tem certeza de nada.

E é da dúvida que surge a esperança de que algo possa ser a cada dia ainda melhor.

E é por agora que se vê tudo isso.

quinta-feira, maio 30, 2002

Em Um Quarto Escuro

Decidiu que não ia mais se levantar da cama. Ali o mundo parecia mais seguro – era onde se sentia imune a qualquer coisa, capaz de ser feliz de fato –, por isso não havia motivos para sair daquele lugar tão aconchegante. A escuridão do seu quarto trazia a sensação de que, além dele, nada mais existia, e dispersava os pensamentos capazes de lhe fazer sofrer. Na verdade, odiava lembranças. Se tivesse a opção de remover do seu íntimo algo, seria a ridícula capacidade de guardar momentos na memória e traze-los à tona quando menos conveniente.

Mantinha os olhos abertos. Não tinha idéia da hora, mas podia precisar que já era tarde da noite. Madrugada, talvez. Era sempre assim. Não conseguia deitar e simplesmente esquecer de tudo, por mais que quisesse. Seus pensamentos eram tomados por todos os seus fracassos, pela noção de que era incapaz de acertar pelo menos uma vez. Recontava as experiências, via que os erros se repetiam com inacreditável freqüência e só conseguia chorar. Tornara-se um fraco, é verdade. Fragilizado por constantes decepções, atirado ao isolamento por não agüentar mais colecionar insucessos. Se um dia existira esperança em seu peito, ela com certeza se perdera.

Parecia que o mundo se tornara complexo demais para ele. Estava com medo de viver em companhia de outras pessoas, como se todos fossem ameaças à sua felicidade. Não conseguia perceber, no entanto, que não havia mais uma felicidade a ser estragada. Sua conduta lhe fazia amargo e o afastava daqueles que ainda tinham algum tipo de carinho por ele. A solidão daquele momento em seu quarto nada mais era do que uma metáfora do que estava por se tornar a sua vida.

Fechou os olhos por um breve instante e teve vontade de não estar mais ali. Ao abrir, porém, percebeu que nada mudara. Os castelos de areia em que calcou sua vida estavam destruídos há tempos, e era tarde demais para mudar o mundo de ilusões e fantasias que criara para si.

Abraçado ao seu travesseiro, chorou mais uma vez. Descobriu que precisava muito mais do que a escuridão de um quarto e uma cama aconchegante para fingir ser feliz, mas um pouco tarde para que as coisas pudessem ser diferentes. Só conseguia pensar no que havia deixado para trás.

Precisava ter aprendido a viver no universo real.

sexta-feira, maio 24, 2002

ALLC

Ontem eu quis controlar o tempo. Ser capaz de voltar, fazer segundos durarem horas, semanas se tornarem anos. Se eu pudesse ter esse controle, tentaria deixar cada momento nosso eterno, para que eles não se tornassem, de uma hora pra outra, apenas lembranças (dolorosas por serem só isso). Não agiria da mesma forma, é verdade, e daria um valor ainda maior a cada instante ao seu lado.

Se eu soubesse que você iria embora tão rápido assim, não deixaria sequer o tempo passar, acredite. Só que eu não tenho esse poder. E é por isso que hoje eu acordei chorando. E é por isso que amanhã vai ser assim também. E é por isso que eu não sei quando vai parar. Porque se realmente eu fosse capaz de fazer algo parar, com certeza eu optaria por parar você quando foi embora, quando me levou toda a esperança que nem eu acreditava existir. Porque se o tempo existe para mim agora, é para lamentar que ele possa andar.

Eu só queria que isso fosse diferente. Eu só queria que nossa história não terminasse assim. Eu só queria você aqui. Agora. Sempre. Sem ter tempo. Para que eu não chorasse mais e voltasse a ser feliz.

quarta-feira, maio 22, 2002

Tudo Igual

Aconteceu de novo

Não consegui evitar

O resultado? O de sempre

Me ferrei mais uma vez

É assim mesmo

Se fosse diferente, não seria a minha vida

segunda-feira, maio 20, 2002

Sem Complicar

Ele a pegou pela mão e a puxou para perto de si. Os olhos dela estavam umedecidos por lágrimas que insistiam em não escorrer pela face. Seu corpo tremia levemente, como se pedisse amparo. Tinha a impressão que ela podia desmontar a qualquer instante tamanha era sua fragilidade, e a única coisa que lhe parecia ser possível fazer era abraça-la. Assim permaneceu por um longo momento, até que tivesse coragem de dizer ao menos uma palavra.

- Eu...

- Não fala nada.

- Você precisa...

- Pra quê? Eu já sei...

- Tem certeza?

- Claro. Você também sabe, não é?

- Talvez. Tenho tanto medo...

- Medo? Medo de quê?

- De te perder, ora.

- Deixa de ser bobo, vai...

Era ele quem chorava agora. Um choro alto, angustiado, que parecia não querer parar. Abraçou-a de novo com força, em um gesto de desespero para não deixa-la partir.

- Eu não quero te perder...

- E nem vai, pára com isso!

- Mas você parece tão...

- Apaixonada.

- Como é?

- É isso mesmo.

- Você tem certeza?

- Isso importa tanto?

- Claro...

- Não deveria.

- Como não?

- Você precisa aprender uma coisa...

- O quê?

- A não querer ter tantas certezas.

- Não dá.

- Claro que dá.

- E pra que eu pensaria assim?

- Pra ver que é muito mais simples viver.

- Até parece...

- Olha, acredita numa coisa: eu te adoro.

- Mesmo?

- Eu nem vou lhe responder. Não ouviu o que eu falei?

- Desculpa. Posso lhe dar um beijo?

- Ainda precisa pedir?

- É só pra ter certeza...

- Puta merda, desisto!

quinta-feira, maio 09, 2002

Antes Que Seja Tarde

Certa vez eu falei para você que as coisas não voltariam a ser como eram antes. Você, como sempre, riu e disse que eu sempre falava isso e nunca colocava em prática. Talvez fosse verdade até então, mas estava decidido a mudar. Você não acreditou, é óbvio.

Ontem você passou por mim e trocamos apenas breves olhares. O tempo nos tornou mais amargos e distantes. Era inevitável que isso acontecesse, mas você nunca acreditou. Brigava comigo e falava para eu deixar de ser idiota. Essa é uma das poucas lembranças doces que trago de nossos momentos passados.

Não tive muito tempo para reparar em você, mas pude notar que o brilho que você carregava em seus olhos desapareceu. Infelizmente não estive por perto para acompanhar essa mudança e, quem sabe, poder ajudá-la a não perder esse que era seu maior atrativo. Confesso que doeu vê-la assim.

Mas eu tinha que mudar, as coisas não podiam continuar daquele jeito. Éramos só você e eu contra o mundo, vivendo isolados de tudo e de todos. Precisávamos crescer. Nosso medo de perder um ao outro me parece tão inútil hoje quanto as juras de amor eterno que fizemos ao longo de anos de convivência.

Sua forma de andar ainda era a mesma. Por alguns segundos, virei a cabeça para trás e fiquei torcendo para que você fizesse o mesmo e nossos olhares se cruzassem novamente. Imaginei-me correndo de encontro a você, abraçando-a e dizendo que agora estava pronto para nós dois. Só que você seguiu andando sem dar qualquer sinal de que pudesse mudar seu curso.

Eu devia ter ouvido você, mas meu orgulho não deixou. E você sabia disso também, por isso não se preocupou em insistir comigo. Respeitou minha decisão e foi embora sem demonstrar qualquer ressentimento.

Pois é. Hoje chorei por ter visto você assim, e nem precisava lhe falar isso. Você já sabe. Ninguém jamais soube de mim como você.

domingo, abril 28, 2002

Ciclo

Era a terceira vez que ela passava por ali. Parecia querer se fazer notar, pedir olhares atentos e pensamentos ansiosos. Caminhava com calma, como se o tempo tivesse parado e ela não quisesse ir a lugar algum.

Era a terceira vez que ele a via passar à sua frente. Seus olhos não conseguiam ser indiferentes e mais uma vez a seguiam afoitos. Sentia-se dividido entre falar algo ou apenas seguir contemplando-a, mesmo sabendo que qualquer uma dessas atitudes constituia-se como inútil.

Ela pára. Vira-se para trás. Seus olhares se cruzam por um breve instante. Ele respira fundo. Abre a boca como se fosse mencionar algo, mas desiste e abaixa a cabeça. Nela, o sorriso que se principiava logo desaparece, dando espaço à vaguidão. Vira-se novamente e segue seu caminho. Ele permanece sentado.

O dia ainda era claro quando ele se levantou e se colocou a andar sem rumo certo. Não sabia ao certo quanto tempo se passara - segundos, minutos, talvez horas. Ela não estava mais presente. Fora vencido mais uma vez por sua inconstância, ainda que tenha visto naquele olhar uma esperança perdida.

Um vazio tomou-lhe o peito. Estava sozinho, tal qual imaginara um dia estar por se fechar em um mundo de medo. Angustiado, olhou para a frente e decidiu continuar, já se acostumando às derrotas diárias em tentativas quase sempre inexistentes. Não haveria de ser diferente agora.

Era a última vez que ele parava por ali.

terça-feira, abril 23, 2002

Por Um Ser Incompleto

Outro dia seu sorriso passou por mim

Lindo, inocente, reconfortante

Um sorriso como nunca vira

Talvez ele fosse assim por tudo e com todos

Talvez sequer tivesse a intenção de sê-lo

Mas pareceu que ele o era só para mim

No mesmo dia vi você dormir ali

Quieta, inocente, apaixonante

Simples como eu nunca imaginara

Talvez seu sono fosse o mais belo sono

Talvez eu fosse feliz por vê-la assim tão perto

Mesmo sabendo que aquele momento iria passar

E eu não iria conseguir esquecer

Talvez o tempo tenha parado por algumas horas

Talvez meus olhos tenham marejado ao pensar no depois

Talvez meus dedos tenham tocado de leve seu rosto

Talvez eu ainda fosse eu

Mas depois de você, tenho minhas dúvidas

quarta-feira, abril 17, 2002

Do Que É Felicidade

- Por que você não sorri?

- Porque eu não gosto.

- Como assim não gosta?

- Não gosto, ué! Qual o problema?

- É estranho...

- Sei...

- Mas você tem um sorriso tão bonito...

- Que nada...

- Ah, pára com isso, vai... você não está feliz?

- Não.

- Nem por eu estar aqui?

- Deveria?

sexta-feira, abril 12, 2002

Bola de Papel

O papel continuava em branco, exceto por uma discreta mancha de tinta no canto inferior esquerdo. Uma mão, a que segurava a caneta-tinteiro, parecia frágil, como se não suportasse o peso daquele pequeno instrumento. A outra, mais decidida, sustentava a testa com força, como se ajudasse em um esforço máximo de concentração.

Retrato-vivo, ele estava parado naquela posição há minutos. Os olhos miravam o espaço em branco em tom de súplica, pedindo compreensão e auxílio daquele que um dia fora seu maior companheiro. Não obtia qualquer resposta. Suspirou profundamente e tentou rabiscar algo na folha. A imprecisão das palavras irritou-o a tal ponto que quase atirou a caneta de encontro à parede. Na mesa iluminada por uma pequena luminária de querosene, sua angústia parecia crescer.

Levantou-se e caminhou até a janela. Procurou estrelas no céu mas só as encontrou em seu pensamento. A noite era fria, como todas daquele mês. Olhou mais uma vez o papel em branco. Jamais imaginara uma metáfora tão perfeita para si mesmo. Vazio. Puxou a cadeira com sutileza e se posicionou mais uma vez diante daquilo que se tornara o seu maior desafio.

De súbito, a caneta agora percorria a superfície com desenvoltura. Parecia ter vida própria. Uma. Duas. Três linhas. Parou mais uma vez. Seus olhos acompanharam afoitos o que escrevera até ali. Fecharam-se lentamente. Abriram, porém, a tempo de presenciar as palavras uma a uma serem riscadas.

Havia agora uma grande mancha preta na folha. Com as duas mãos, levou-a à altura do queixo e a amassou com um prazer antes nunca sentido por ele. Voltou à janela e atirou a pequena esfera que se constituíra dos pedaços de sentimentos escritos.

Pela primeira vez entendera o quanto era difícil escrever o amor.

sábado, abril 06, 2002

O Simples Que Se Torna...

Era a terceira vez que o elevador parava em menos de 1 minuto. 5º andar. Quase duas horas da tarde e ainda faltavam 14 andares para que chegasse até o seu. Fazia um calor infernal ali dentro e as três pessoas que lhe serviam de companhia não eram nem um pouco interessantes, pelo menos à primeira vista. 6º andar. O elevador parou de novo. Ninguém entrou e ninguém saiu. A senhora que estava ao lado vira-se para ele e solta a típica pergunta daqueles que querem começar uma conversa mas não sabem como.

- Tá calor aqui dentro, não?

Ele se limitou a acenar com a cabeça positivamente, ao mesmo tempo que pensava em várias respostas aplicáveis àquela situação ridícula.

- Não, não tá calor não, sua velha estúpida! Na verdade isso que está escorrendo do meu rosto não é suor... é água! Estou tentando mudar de estado físico para ver se consigo escapar daqui. Ih, acabei de revelar minha identidade secreta... agora você já sabe quem é o Homem-água das histórias em quadrinhos.

- Calor? Não... tá até um vento fresco aqui. Eu acho que a senhora está é ficando excitada com a minha presença ao seu lado. Controle-se, minha tia, eu não curto coroas não...

- Você tá com calor? Ah, essas mulheres depois da menopausa...

O elevador parou de novo. 7º andar. Não era possível. Os 4 se entreolharam. Nenhum deles fez menção de sair. Do lado de fora, também não havia ninguém.

- Só podem estar de sacanagem comigo, soltou ele em voz alta.

A jovem moça que também estava ali dentro deu uma discreta risada. Ele a reconheceu de algum lugar, mas não sabia de onde. Talvez já tivessem se esbarrado alguma outra vez naquele mesmo elevador. Não era difícil. O horário de almoço das empresas do prédio costumava coincidir e eram apenas 2 elevadores para levar todos de volta ao trabalho depois da breve pausa. De qualquer forma, aquilo não era o que importava. O fato é que ela era muito gostosa. Vestia uma camisa social de seda que deixava transparecer um sutiã meia-taça, branco e rendado, segurando os seios fartos e uma saia azul na altura do joelho que remetia a um uniforme de colegial. Já estava se imaginando em uma transa tórrida com ela ali dentro quando foi despertado de seus pensamentos por um tranco mais forte do elevador.

- Que merda é essa agora?

A porta não se abriu. O indicador digital dos andares marcava o 9º. Só faltava aquela merda ter enguiçado agora.

- Aiiiii, meu Deus! Bem que a mamãe sempre falou que era perigoso andar de elevador! Por que eu nunca acreditei nela?

Os olhos dele fitaram a última pessoa que lhe fazia companhia naquela incômoda situação. Como se fosse pouca a desgraça de ficar preso num elevador às duas da tarde no Centro da cidade do Rio de Janeiro, havia um gay ali e ele resolveu ter um ataque histérico. Não, não era possível. Afrouxou a gravata e respirou fundo. Tinha que manter o controle agora.

- Não é possível! Eu joguei pedra na cruz! Dá pra gazela se controlar um pouco? A situação já não tá ruim o suficiente?

O silêncio que se criou em seguida o levou à consciência de que havia se exaltado além do que deveria com aquilo tudo. A jovem gostosa agora o olhava com ar de desprezo. A velha tinha as mãos cobrindo a boca, quase em sinal de prece. O rapaz homossexual mantinha o rosto dirigido ao chão, com uma expressão que variava entre a vergonha e a raiva.

Nada do que se dissesse agora poderia tirar o incômodo que se havia criado nos quatro companheiros de elevador. Aquele prédio com certeza nunca fora tão alto. Seguiram-se mais alguns segundos sem que nenhuma voz soasse no pequeno espaço de pouco mais de 3 metros quadrados.

O som do elevador voltando a se mover foi o que mudou aquele quadro quase inerte. Ele soltou um suspiro aliviado. Faltavam apenas 4 andares agora e tudo estaria resolvido. Provavelmente demoraria um bom tempo para rever qualquer um dos ali presentes, isso se um dia voltasse a ver.

O elevador ainda parou rapidamente no 11º andar, quando saltou a pobre senhora, que permanecia com as mãos em frente à boca e que sequer desejou um “boa tarde” ao sair dali. No 17º, desceu a moça, apressada. Provavelmente estava atrasada da volta do almoço e o chefe a faria pagar um boquete para compensar aquilo. Ah, como ela era gostosa. Aquela saia...

Seus pensamentos se foram quando no indicador luminoso apareceu o número 19. Olhou para o lado e reparou que o outro rapaz preparava-se para sair também. Não se conteve:

- Você vai descer aqui também?

- Vou. Algum problema?

Nem se deu ao trabalho de responder. “Eu vou lá perder meu tempo com um gay!”, falou em tom quase inaudível.

Cumprimentou a secretária e entrou na sala. Logo que se sentou à mesa, o telefone tocou. Na linha, o advogado que coordenava o escritório o convidava para que viesse conhecer o filho do dono e mais novo advogado dali.

Desligou o telefone suando frio. Era óbvio o que viria a seguir. Caminhou a passos lentos pelo corredor que levava até a sala de seu chefe. Sentia-se tal qual um prisioneiro condenado à pena de morte, rumo à cadeira elétrica.

Ainda tremendo, girou a maçaneta. Trancada. Ouviu pequenos sussurros vindos de dentro da sala e imaginou o que se passava lá dentro. Sorriu com o canto da boca e se virou para voltar ao trabalho quando escutou o barulho da porta se abrindo. Uma mão jogou ao chão um envelope pequeno e pardo, sem qualquer inscrição do lado de fora.

Não teve dúvidas de que a carta era para ele, por isso mesmo não hesitou em abrir.

********

“Favor passar no departamento pessoal para assinar sua demissão.”

sábado, março 30, 2002

Aviso ao leitor atrasado:
Por motivos diversos, resolvi deletar o último post. Ainda esse feriado colocarei algo novo aqui para compensar.
É só isso mesmo. Volte em breve.

sábado, março 23, 2002

Across The Universe

Era quase meia-noite e ainda não saíra de casa. A garrafa de vinho estava pela metade, os sapatos pela sala, ela no sofá. Apesar do quadro aparentemente caótico, sentia por dentro uma serenidade incomum. Já perdera as esperanças de fazer algo naquele sábado, mas mesmo assim não se sentia mal por isso. Talvez fosse a primeira vez que não desejava avidamente estar em outro lugar, estar em companhia de outras pessoas. Nunca lhe parecera tão bom estar ali sozinha.

Os últimos acontecimentos não a encorajavam muito, é verdade, porém não era hora de se lamentar. Jurara não se deixar abater na próxima vez que tivesse uma decepção e iria cumprir isso. Por pior que fosse a situação, tudo haveria de melhorar. Um dia chegara ao extremo de tentar cometer suicídio por overdose de remédios. Hoje ria de quão patética fora sua postura. "Nada vai mudar meu mundo", pensou.

Sentia-se especialmente forte aquele noite. Singularmente bela. Nada conseguiria mudar o seu mundo. Levantou-se do sofá e caminhou até a estante. Tirou com carinho um velho compacto dos Beatles e o colocou para tocar. O som que preenchia o ambiente a fazia ainda mais leve. Aquela talvez fosse a melhor herança deixada por seus pais. Se pudesse ficar ali todo dia ouvindo as mesmas músicas, seria até capaz de esquecer que eles a expulsaram de casa aos dezesseis anos quando descobriram que estava fumando maconha. Infelizmente o tempo lhe incutira responsabilidades.

O que lhe importava agora não era nada disso, porém. Mesmo com todas as dificuldades, conseguira se firmar na vida e estar ali agora. Tinha um bom emprego, um bom apartamento, um bom carro. Faltava-lhe um amor, é verdade, mas se acostumara a essa ausência com o passar dos anos. Seu rosto delicado denunciava os vinte e cinco anos que tinha, ainda que a postura tentasse dizer que esse tempo já se passara há muito. Aprendeu desde cedo que é preciso se impor para conquistar aquilo que mais se deseja; talvez por isso a inocência lhe parecesse tão remota.

O relógio já marcava quinze para uma. Encheu mais uma taça de vinho e levou à boca com calma. O prazer que tal degustação lhe dava era algo que poucos conseguiriam entender, disso ela não tinha dúvidas. Foi até a janela e reparou que poucas luzes nos prédios próximos ao que morava estavam acesas. Uns três ou quatro apartamentos apenas. Madrugada de sábado. Por que haveria de ser diferente? Todo mundo ansiava por sair em noites assim. Não ela.

Voltou seus olhos para a rua e reparou que o fluxo de carros era provavelmente mais intenso do que em muitos dias úteis. E era tão tarde! Várias dúvidas surgiram em sua cabeça nesse instante. Para onde iam todos? O que gostavam de fazer? Por que não conseguiam ficar em casa? Será que ela era a única que pensava diferente? Estava na hora de mudar seu comportamento?

Notou que o mundo não parou enquanto esteve imersa em suas próprias complicações por anos a fio.

Decidiu apagar a luz e ir dormir.

terça-feira, março 12, 2002

Pelo Menos Uma Vez

- Acho melhor a gente terminar.

- Como assim? Você tá doido? Logo agora?

- É. As coisas não podem continuar assim. Tá tudo muito estranho.

- Ah, não. Não vou aceitar isso.

- Tenta me entender...

- Que entender o quê! Você não pode fazer isso comigo!

- Não estou fazendo nada com você.

- Claro que está! Você acha justo me deixar logo agora?

- Não é questão de justiça. É questão de necessidade.

- Necessidade! Hahaha! Necessidade de quê?

- Você não iria entender...

- Me diz!

- É melhor não.

- Você tá me magoando assim.

- Desculpa, não era a intenção.

- Mas você disse que me amava...

- Pois é...

- E não me ama mais?

- Não é bem assim. Apenas descobri que o amor é muito relativo.

- Como é? Relativo?

- Isso.

- Olha, desisto de entender você. Faz um favor?

- É claro...

- Veste a sua roupa e dá o fora daqui!

- Tá bom... não precisa ficar irritada...

- Mas antes, será que você faz uma última coisa?

- O quê?

- Me come pelo menos mais uma vez?

- Tá... mas você acha que isso vai ser bom?

- Pelo menos uma vez tem que ser.

quarta-feira, março 06, 2002

Cegueira Noturna

Eu já estava caminhando há alguns minutos quando ela passou por mim. A madrugada era clara, de lua cheia, por isso mesmo não fazia idéia de quão tarde podia ser. Na Avenida Atlântica, singularmente bonita, movimento intenso de pessoas e carros em todas as direções. Como sempre.

Amava Copacabana desde que eu era bem moleque ainda, quando meu pai me levava para andar na praia e apreciar, segundo suas próprias palavras, "aquilo que a natureza fez de melhor": as mulheres. Eu devia ter uns nove ou dez anos, nem havia me interessado pelo assunto ainda, mas, para não desapontá-lo, concordava com um sorriso amarelo ou um aceno de cabeça cada vez que ele proferia um elogio às moças que passavam no calçadão. Quando ela passou por mim, senti-me de volta a esse tempo, à infância que já se apagava da minha memória.

Não, não sou tão velho. Na verdade, estar ali me deixava especialmente nostálgico, carente de ingenuidade. Tudo era muito estranho e se confundia em minha cabeça. Eu já era parte de Copacabana, assim como Copacabana já era parte de mim; minha essência, minha alma, minha dor. Sentia Copacabana correr em minhas veias, ouvia Copacabana me chamar na madrugada. Por isso mesmo a Avenida Atlântica era meu lar naquele momento. Só podia ser ali.

Ela olhou em meus olhos com um brilho que nunca havia visto igual; um sorriso discreto atenuou a alvidez de sua pele, antes merecedora de minha atenção devota. Os cabelos ruivos deslizavam sobre seus ombros de tão lisos que eram. Seu andar transmitia segurança e delicadeza, ternura e desafio. O adereço perfeito à beleza de tal lugar.

Quando ela passou ao meu lado, tentei dizer alguma coisa, mas não consegui. Estava atônito, tal qual a primeira vez que avistei a imensidão daquela avenida na companhia de meu pai. Ela se foi e não tive coragem de olhar para trás. Achei por bem não interromper seu caminho, modificar seu destino. Continuei em minha direção, caminhando rumo ao nada. Como sempre.

Ainda hoje, quando Copacabana grita por mim tarde da noite, saio à rua e lembro com clareza fotográfica dela vindo em minha direção, sorrindo e olhando de forma única.

E a odeio por um dia ter me deixado cego para a visão daquilo que me é mais importante.

Copacabana.

sábado, março 02, 2002

Em Tempos Modernos...

A chuva caía forte há algumas horas e o cheiro trazido por ela penetrava no quarto de Clara em forma de lembranças e saudades. O som, em volume quase inaudível, sussurrava alguma canção de Dave Brubeck, provavelmente “Take Five”, a sua favorita. A taça de vinho sobre a penteadeira, por outro lado, parecia gritar para que fosse bebida, abandonada que estava por longo tempo ali.

Deitada em sua cama, Clara permanecia quieta, quase imóvel. Apresentada uma serenidade a princípio surpreendente, porém a angústia que vinha crescendo a cada minuto refletia em seu íntimo o verdadeiro estado em que se encontrava. Fechou os olhos lentamente e assim permaneceu até ser despertada por batidas incessantes à porta de seu quarto.

Contra a sua vontade, levantou-se de forma vagarosa. Foi até a mesa de canto e acendeu um incenso. Logo o ambiente tomou-se de um cheiro agradável, levando embora as lembranças que ali ainda insistiam em permanecer. As batidas continuavam, insistentes. Deu alguns passos e girou com calma a maçaneta. Sua mãe adentrou o quarto apressada.

Os olhos de Clara se fixaram por alguns instantes em algum ponto do horizonte que a janela deixava à mostra. Voltou-se para sua mãe e perguntou se já havia acontecido. Diante da resposta positiva, pediu que ela se retirasse dali. Fechou a porta com a mesma calma com que havia aberto alguns segundos antes.

Algumas lágrimas discretas rolaram por sua face ao avistar-se no espelho. A vaguidão que seu olhar trazia parecia lhe incomodar como nunca antes o fizera. Sentiu raiva de si mesmo por ser tão fechada, por não saber se expressar como e quando deveria.

Pegou a taça de vinho e bebeu todo seu conteúdo de forma afoita. Em seguida, girou o botão de volume do rádio com agressividade, elevando a música a um nível insuportável. O choro agora era forte e compulsivo.

Enfiou a cabeça no travesseiro, tentando abafar sua tristeza, mas não servia de consolo. Devia ter sido mais sensata e ter dito tudo o que deveria quando teve oportunidade. Mas por medo, insegurança ou sabe-se lá o que mais, preferiu se omitir. Agora era tarde.

A sensação de que uma grande injustiça fora cometida a tomava por inteiro naquele momento.

Às vinte horas e doze minutos de um dia de março as ligações foram encerradas e o público escolhera o eliminado do novo "reallity show" da televisão sem que ela conseguisse dar o seu voto.

Prometeu a si mesma nunca mais ligar a televisão.

quinta-feira, fevereiro 21, 2002

Acontece Por Aí

- Olha nos meus olhos quando falar comigo!

- Eu não consigo...

- Olha! Quero ver se você está sendo sincero!

- Pára com isso. Você sabe que eu tô falando a verdade...

- Sei... se tivesse, olhava pra mim! Não ficava aí mirando o nada...

- Você tá entendendo errado... não é isso...

- Como assim? Por que você não me olha então?

- Porque senão não vou agüentar e vou te beijar...

- E quem disse que não é isso o que eu quero?

domingo, fevereiro 10, 2002

Lúgubre Relicário

Queria ter o mundo em suas mãos. Gostava de ser o centro das atenções, de estar rodeada de pessoas que a admirassem. Sempre fôra muito popular em todos os lugares que freqüentava, e alimentara seu ego por anos a fio. Não era de se admirar que logo começasse a pensar que todos estavam aos seus pés e a fazer o que bem entendesse daqueles com quem convivia.

Entretanto, parecia não conseguir entender o que havia feito de errado para estar agora naquele estado. Já bebia há algumas horas, e as várias garrafas de vinho vazias jogadas pela casa denunciavam o seu alto grau de embriaguez. Chorava compulsivamente, enquanto via da janela de seu apartamento as luzes acesas de uma cidade que um dia acreditou ser sua.

Agora estava ali, largada na sala semi-escura, com a tv passando algum filme em preto e branco e as roupas espalhadas pelo sofá. Tinha telefonado para várias pessoas, e todos respondiam a mesma coisa quando indagadas se estavam dispostas a fazer algo: "sinto muito, já tenho compromisso para hoje". Não haveria nada de anormal nisso se não fosse pelo fato de tal frase vir sendo repetida incessantemente ao longo de várias semanas em seus ouvidos.

Caminhou até o armário e pegou mais uma garrafa de vinho. Com raiva, arrancou a rolha e atirou-a pela janela, observando com singular prazer a queda. Não despejou uma gota em sua taça; preferiu entornar a bebida diretamente na boca, deixando que o excesso escorresse por seu rosto e seu corpo. O conteúdo inteiro desapareceu do recipiente em poucos minutos.

Toda a casa parecia tremer agora. Cambaleante, andou até o sofá e sentou-se, levando as mãos à cabeça. Mais lágrimas rolaram de seus olhos. Tentou deitar-se para adormecer um pouco, porém não conseguia deixar de pensar em como seu mundo estava ruindo agora. Quebrou a garrafa que estava ao seu lado com um gesto bruto e certeiro, acertando o espelho que insistia em refletir aquela cena.

Aos poucos, foi se recompondo. Ponderou que não podia permanecer daquela maneira e passou a se acalmar. Talvez estivesse exagerando. Talvez fosse apenas uma fase ruim. Talvez. Abriu um pequeno sorriso, imaginando o qüão engraçado seria quando descobrisse que tudo era fruto de sua imaginação, que as pessoas continuavam a admirá-la tanto quanto antes, quem sabe até mais, e que realmente só não vinham tendo tempo para encontrá-la.

O toque da campanhia a despertou de tão profícuos pensamentos. Olhou para o relógio e percebeu que passava da meia-noite. Não esperava nenhuma visita, por isso ficou bastante intrigada. Foi até a porta e tentou, pelo olho mágico, ver quem era. O corredor escuro, entretanto, não tornou isso possível. Relutou em abrir, mas o toque incessante e compassado acabou a convencendo. Girou a maçaneta e, lentamente, puxou a porta em sua direção.

Tal gesto não durou pouco mais do que alguns segundos, porém foi suficiente para elevar assustadoramente seus batimentos cardíacos. Os braços, trêmulos, pareciam querer recuar, talvez pressentindo que algo de ruim estava para acontecer. O cérebro, no entanto, permitiu que seguisse adiante, ignorando os apelos do seu lado emocional. Sentia uma forte tensão ali, mas preferiu continuar.

O ambiente à meia-luz deu o tom certo para o que aconteceu a seguir. Já com a porta aberta, um vulto jogou-a para dentro do apartamento.O alto grau de embriaguez favoreceu a queda, fazendo com que ela derrubasse tudo que havia no caminho até o chão. Tentou berrar algo, mas uma mão ágil tampou sua boca antes que assim o fizesse. Com os braços, procurava acertar aquele corpo que estava agora sobre o seu, só que esbarrava em sua própria debilidade.

Desesperou-se. Mexia-se de todas as formas, buscando livrar-se daquela situação. Foi então surpreendida por um forte cheiro, algo que lhe parecia bem familiar. Quando o pano úmido aproximou-se de seu nariz, pôde ter a certeza do que era. Éter. Nesse momento, tomou consciência do que estava por acontecer e viu que não haveria muito mais a ser feito.

Eram cerca de 11 horas da manhã quando despertou. Estava no chão da sala, no mesmo local da madrugada anterior. Olhou para os lados e reparou que estava sozinha. Sua roupa estava intocada, assim como todo o apartamento. Avistou as garrafas de vinho vazias e a mancha na parede, e viu que a porta estava fechada, trancada por dentro.

O vidro de uma das janelas da sala quebrado foi o que comprovou que não havia sido apenas um sonho aquilo tudo.

O que fôra, porém, parecia ter se perdido na memória, em um mistério que lhe perseguiu até sua morte. Desse dia em diante, sempre que se olhava no espelho perguntava a si mesma o porquê de não ter perdido sua vida naquela madrugada, evitando o sofrimento de conviver diariamente com a solidão que se tornara uma constante desde que fôra jogada ao abandono por todos aqueles que um dia ela pensou estarem aos seus pés.

quarta-feira, fevereiro 06, 2002

Não, caros leitores, eu não morri e nem acabei com o "Rumo Ao Nada".

Peço desculpas pela ausência prolongada, mas é que estive viajando por alguns dias e não tinha como acessar com freqüência onde estava.

De qualquer forma, já estou de volta e pretendo retomar a rotina de textos ainda hoje.

Volte em breve aqui e confira!

Um grande abraço,

Marcelo Caldas

domingo, janeiro 06, 2002

Conversas Noturnas

- Sabe, eu queria entender os seres humanos...

- Como assim?

- Ah, você sabe... saber o que se passa na cabeça deles e tal.

- Mas você também não é um ser humano?

- Sou, mas não estou falando de mim. Queria entender os outros.

- E tem diferença?

- Muita, muita diferença... você nunca reparou?

- Juro que não...

- Mas tem, pode acreditar. Quer ver?

- Diz aí...

- Essa ridículo obsessão pelo sexo oposto, por exemplo. Eu não tenho isso.

- Ah, fala sério... todo mundo tem!

- Não, eu não tenho. Não passo a minha vida toda procurando a mulher ideal.

- E os outros passam?

- Claro! Já viu alguém te falar que não quer uma namorada ou um namorado?

- É verdade...

O garçom traz mais uma cerveja. Os dois se calam por alguns segundos, enchem os copos e voltam a conversar.

- Mas você não acha estranho ser assim?

- Assim como?

- Sei lá... não querer ter alguém do seu lado. Você fica numa boa mesmo?

- Fico, tô te dizendo.

- Tá bom. Esse é um ponto. Mas em que mais você se acha diferente dos outros?

- Hummm... também nâo gosto de ser o centro das atenções. Sabe esse pessoal que quer de qualquer jeito aparecer? Subir na vida, ser melhor que todo mundo... isso não é para mim não. Tô bem aqui no meu canto, com meu emprego normal, com meu conhecimento normal e minha vida normal.

O casal da mesa ao lado olha espantado. O bar agora está vazio, umas cinco ou seis mesas estão ocupadas apenas.

- Isso é comodismo...

- Não, não é. Você não tá me entendendo. Não é que eu vá ficar sem progredir, sem mudar. Só não quero ser o mais foda, o melhor. Isso é um pensamento medíocre...

- Você acha mesmo?

- Acho! Ambição serve pra quê? Só pra criar inimizades...

- Olha, sua filosofia de vida é muito esquisita.

- A minha? Hahahahaha! Claro que não. A dos outros é que é.

- "A" dos outros? E por acaso é uma só para todo mundo?

- Sim, é! O pensamento humano é muito limitado...

- Não viaja... qual é essa filosofia, então?

- Ah, esquece. Deixa disso e vamos sair daqui.

- Sair? E ir pra onde?

- Pegar umas putas e fazer uma farra. Comer alguém.

- Por que isso agora?

- Porque quero me sentir mais humano.