sábado, junho 13, 2009

Take it back

Mais uma vez, ele olhou para o calendário na parede. Parecia não acreditar que a data era aquela, que um ano havia se passado com uma velocidade tão absurda. Lembrou-se dos sorrisos, das promessas, dos beijos. E de tudo que fizera depois. De como suas certezas viraram dúvidas, de como suas garantias viraram pó. Já estavam no carro, ela chorando, ele impassível. Porta que bate, passos apressados. Um tchau virando um adeus. E a ilusão de que fazia o certo começando a se desfazer no segundo seguinte.

Por isso, o calendário doía. Faltava algo ali. Os mesmos sorrisos, os beijos mais acostumados, as novas promessas. Não aquele vazio, aquela pergunta intermitente sobre o que teria sido. Sempre lidara mal com escolhas, e agora tinha a sensação de que a única que fizera acertadamente foi desfeita pouco depois, por uma sucessão de atos que poderiam funcionar como a síntese de sua vida. O carro já não mais existia, nunca mais voltara ao mesmo lugar. Mas era impressionante como tudo ainda era vivo em sua memória. Logo nela, que sempre costuma falhar. Logo nela, que sempre faz questão de esquecer.

“Um ano”, suspirou. Pensou no simbolismo que aquilo tomava, no tanto que havia para ter sido feito nesse tempo e que simplesmente não existiu. A vida seguiu seu curso, muito aconteceu e quase nada estava no mesmo lugar. Não podia dizer que tinha sido ruim esse tempo. Só era impossível negar que queria que ela estivesse ali. Porque, com ela, cada vitória teria tido um sabor especial – e aquelas que não viessem, algo a ser divido, mas nunca sofrido. Porque, com ela, sonhos teriam virado realidade – e aqueles que seguissem no campo do imaginário, algo a ser adiado, mas nunca perdido. Porque, com ela, vencer e sonhar era mais completo. Sentia falta de se sentir assim.

Riscou, finalmente, aquele dia do calendário. Muitas horas ainda faltavam para que ele se encerrasse, mas pensou que pudesse abreviar as lembranças assim. Era mais uma tentativa de se enganar, como tantas outras que surgiram nesses 365 dias em que frio, calor, viagens, aprovações, descobertas, fracassos, bebidas e tanto mais se deu sem ela. Pensou em escrever o que sentia, mas sabia como era ruim com as palavras. Deitou-se na cama e acendeu um cigarro. Sorriu, sem nem saber por que o fazia. E resmungou baixinho, como quem não consegue segurar um pensamento impróprio: “a verdade é que dói pra caralho você não estar aqui”.

domingo, abril 12, 2009

Sobre canções e palavras*

Hoje ouvi o barulho do mar
E contei estrelas no cair da noite

Caminhei descalço, devagarinho
Como se andasse em nuvens no céu

(às vezes parecia até que não estava aqui)

Deixei o vento me envolver

Só assim fui capaz de desenhar, na areia,
Cada palavra
E me fazer poeta de alegrias sem fim

(*diálogo estabelecido com as obras contidas em www.asoutraspalavras.blogspot.com, do poeta e amigo Filipe Couto)

sexta-feira, abril 03, 2009

Sobre tijolos e pétalas

"Dear Prudence, won't you come out to play?" (Lennon/McCartney)

Era tarde, e a eles não restava mais a companhia. Conquistaram o silêncio e o olhar perdido, as lembranças opacas de um dia feliz. Do vento que soprava, nem o frescor lhes cabia - as sensações se desfizeram como pétalas esquecidas de uma declaração apaixonada de outono. 

Permaneciam. Imóveis. Impávidos. Inconseqüentes. Um momento que já não existia, um deixar-se estar que nada acrescentava.

Não se sabia se havia alegria ou tristeza ali. Os minutos caminhavam, as xícaras escureciam. Nas mãos, a frieza de quem agira com certeza. Eram sós, não queriam muito. 

Da janela, avistavam o mar. As poucas ondas preguiçavam por sonhar. Decidiram abandonar os brancos e colorir as estradas opostas, pedindo licença para não incomodar.

Porque tantos outros já estiveram assim.

segunda-feira, janeiro 19, 2009

Sertanismos

"Jurei mentiras e sigo sozinho." ("Sangue Latino", Secos & Molhados)

Ele pegou a primeira curva e se foi, sem pensar. Andava com uma segurança que lembrava os tempos em que as certezas inundavam seu ser e qualquer encruzilhada não era mais do que uma simples armadilha que levava a dois caminhos certos. Respirava forte, olhava firme. Mas seu coração tremia. Tremia como se o inverno tivesse finalmente chegado às suas entranhas, como se o fogo que o movia por paixão tivesse simplesmente se apagado. E talvez fosse isso mesmo, anúncios tantos que já tinha tido de que um dia chegaria aí.

A verdade é que era fácil enganar. Quem olhasse não diria que era um derrotado, mestre que era em maquiar as pequenas chagas que a vida deixava ao longo dos anos. Alguns poucos poderiam dizer que ninguém caminhava tão certo assim, mas nada que o levasse a duvidar de sua personagem. Afinal, nada além do seu quarto testemunhava suas fraquezas, e, por sorte, ele não podia delatar as veias solitárias de seu ocupante. Cauteloso, até apagava as luzes e chorava baixinho - era melhor minimizar os riscos. Mas agora era o depois da curva, estrada reta e certeira. E ele não seria mais inexato para ninguém.

Não à toa escolheu não ter chegada para a sua partida. Qualquer porto seguro poderia estragar seus planos. Que se desse a travessia, por fim.