segunda-feira, março 22, 2010

Depois da tempestade


Eu queria ter descoberto antes o valor da leveza. A importância do beijo apaixonado, do abraço longo, das mãos entrelaçadas. Ter visto que havia mais sentido no que se construía aos poucos do que na sede de se ter o máximo, deixando a tolice da paixão intensa ser domada pela existência de um amor sereno. Talvez assim tivesse reclamado menos das ausências tolas ou das palavras não ditas, e exigisse menos do que viria com o tempo. Mas a verdade é que o se distanciar ensina mais do que a presença, e é no sentir falta que o sentimento acaba se (com)provando. É quando dói saber que a vida segue, mesmo que não se queira assim.

Eu queria ter descoberto antes que era capaz de fazer diferente para não precisar sofrer por insistir em errar.

terça-feira, março 02, 2010

Tempestades

Ela deu um sorriso e pulou a poça. Nos seus sonhos mais infantis, havia alguém que tirava o casaco e cobria o obstáculo, para que ela passasse sem esforço. Mas fazia tempo que ela entendera que a realidade era superior à fantasia e decidira que pular era mais simples do que esperar o gesto que a levasse adiante. Talvez por isso também os seus olhos brilhassem menos, e o seu coração não batesse tão forte.

Endurecera, pois. Ainda que fosse capaz de sorrir, havia um quê de tristeza em sua expressão. E não se tratava mais da passagem traumática da vida juvenil para a adulta, quando o que nos resta de criança corre para brincar da mais difícil de todas as brincadeiras de se esconder. Era algo mais. Algo que muitos diriam ser normal para quem arriscou e se machucou demais, natural para quem esperou e se frustrou muitas vezes. Algo no que ela também passou a acreditar.

Virou-se para trás e olhou novamente a poça. Nos seus sonhos mais distantes, ela parecia bem maior, metáfora boba dos obstáculos intransponíveis que se tornam fáceis quando crescemos. Mais uma vez, sorriu. Um sorriso que se fez trêmulo quando refletido na pequena porção de água que insistia em se mover ao vento. Ali, ele ganhou sinceridade. Apenas seus olhos continuaram turvos, embotados da cor que tomava o chão.

Havia desistido de tentar. Os sinais de cansaço estavam em cada palavra, em cada abraço sem jeito, em cada toque evitado. Não escrevia mais cartas de amor. Por isso, era importante saltar, deixar para trás o passado com o qual já não era capaz de se identificar. Libertar a menina que, um dia, acreditou que seria feliz para sempre, como reza a boa cartilha dos contos de fadas lidos noite após noite para nos iludir.

A chuva voltou a cair repentinamente. Da poça fez-se uma pequena correnteza, cuja direção era contrária à dos seus pés. Então ela correu. Cabeça baixa, respiração ofegante, tênis molhados. Só parou alguns metros depois, quando seus olhos, finalmente, saíram do chão e o casaco se abriu à sua frente, para acolher em vez de facilitar.

Ela deu um sorriso e consentiu.