quarta-feira, setembro 23, 2015

Gramática pós-moderna


Eu queria escrever um texto sobre você, mas tudo foi tão rápido que só ficaram reticências, exclamações e interrogações.

E eu ainda tinha tantos verbos e adjetivos para contar a história de nós dois...

segunda-feira, setembro 07, 2015

Infinitivos


Fumar era um hábito recente. No entanto, atropelava cigarros, viciando nas últimas 48 horas o tempo que perdeu. Insone. Nenhuma música o acalmava. O chão da casa pediria socorro se pudesse reclamar das pisadas incessantes de um lado ao outro. E a carta ali, em cima da mesa, esquecida entre o manuscrito de um livro que nunca teria coragem de publicar e um filme do Godard que jamais seria visto outra vez. 

Doer era um hábito recorrente. No entanto, sorria nervoso, repassando os dias em que ela estivera ali. Hiperativo. Nenhum sol o iluminava. O teto da casa pararia de descer se soubesse que a redução do espaço não o incomoda. E o corpo ali, jogado no chão, esquecendo da vida entre um passado trágico e um futuro qualquer, daqueles que só se quer experimentar uma vez.

Morrer era um hábito urgente. No entanto, cortava os pulsos com facas de plástico há semanas. Lacônico. Nenhum amor o confortava. As paredes da casa ruiriam se entendessem a prisão que elas representavam para ele. E as chaves ali, penduradas na porta, pedindo para serem giradas até a saída se apresentar e o caminho ser seguro pela última vez.   

Sangrar era um hábito presente. No entanto, estancava as feridas com as mãos, contendo os amores que cismavam em escorrer de si. Sensível. Nenhuma calma o aplacava. As janelas da casa abririam se pensassem que era ar o que faltava para ele sublimar. E as vozes ali, espalhadas na cabeça, dizendo que estava tudo bem e que era só fechar os olhos para acabar de vez.

Viver era um hábito iminente. No entanto, fugia. Sincero. Nenhuma vitória. A cama desarrumada. E os textos. Ao invés.

sábado, julho 25, 2015

Filme francês


Foi estranho não reconhecer o olhar dela - não havia o brilho com o qual ele estava acostumado. Também foi estranho não reconhecer o sorriso - não tinha a alegria que costumava emanar. Talvez por isso as palavras não fizessem sentido, perdidas em gestos tão pouco familiares. O cheiro, é verdade, continuava o mesmo. Mas alguma coisa não estava no lugar. Ele ainda a observava com cuidado, confuso com o que acontecia ali. Seu coração disparara tão logo ela chegou; agora, batia espaçado, em descompasso. Pela primeira vez, não fez menção de a tocar. Pela primeira vez, não sentiu falta daqueles beijos. Ela era outra, e ele esperava pela de sempre. Em outra época, é certo que doeria mais. Naquele momento, porém, foi apenas melancolia. Quis, como em outros encontros, que o tempo voltasse, apenas para que ela não se perdesse tanto assim de si. Reescrever a história. Salvá-la, quem sabe. Não era o caso. Restava o silêncio e o desconforto de quem percebe o inevitável.

Ela foi embora pela segunda e última vez. 

terça-feira, junho 30, 2015

Big Bang


Quando ela abriu um sorriso e perguntou "vem comigo?", o mundo era tão pequeno que só cabíamos nós dois. Lembro que, na hora, pensei que, com ela, qualquer estrada era rota certa, qualquer caminho levava ao mesmo fim. Seus olhos brilhavam tomados de uma alegria quase pueril, e dizer "não" era impossível. Respirei fundo. Senti meu coração bater acelerado. Ela me encarou uma vez mais e insistiu: "vem!". Eu queria. Queria o ar compartilhado, o céu de estrelas, as palavras caladas. Queria o universo num beijo, a vida num abraço, a certeza num sentimento. Ela estava ali. Pronta. Disposta. Entregue. Então, eu fui. Segurei sua mão, trêmulo, e caminhei. Sem medo. Direto. 

Foi assim que dei o primeiro passo em direção ao abismo.