sábado, maio 22, 2004

Pecados Capitais

Era claro ainda quando tive seu abraço pela primeira vez. Nem mesmo o tempo nublado poderia estragar o que em mim surgia naquele momento. A vontade era de não soltar mais, aproveitar cada momento daquele gesto dócil, lento e confortável, mas de tão inesperado, só consegui reagir de forma atolada, quase como o menino ingênuo que tem um beijo roubado pela amiga no pátio na hora do recreio e só consegue olhar para os amigos e sorrir, sem graça. Você tinha o domínio da situação ali, ainda que não soubesse disso. As horas que se seguiriam não levariam do pensamento o que acabara de acontecer, e o meu olhar a buscar o seu em meio a centenas de cores de pessoas era independente de mim, desobediente e afoito.

Quando nos afastamos, pairei sobre seus olhos mais uma vez. O brilho deles me lembrou os motivos pelos quais havia me fascinado quando a conheci, e desejei que você voltasse àquela sala mais vezes só para tê-los em minha direção novamente. Balbuciava palavras ilógicas, tentando agradar sem nem pensar como. O intuito talvez fosse apenas prendê-la ali, deixa-la mais tempo ao meu lado, nem que fosse para sentir sua presença me desconcertando. Mas você não se demorou muito, e eu me vi em seguida projetando maneiras de nos encontrarmos outras vezes momentos após, lutando contra a inevitabilidade do dia que iria embora em breve. A partir dali, conformei-me em observá-la ao longe, imaginando que você pudesse estar fazendo o mesmo, calcado em uma ingenuidade que há muito me abandonara.

Inquieto, circulava por todo o local, à espera de que seus passos encontrassem os meus. Por outro momento estivemos perto, mas o tempo que levei me questionando se deveria me aproximar foi o mesmo que a levou embora dali. Passei então a torcer pelo fim, para que a escuridão tomasse conta de tudo ? de repente assim haveria uma nova oportunidade. Nada mais detinha minha atenção. A mente com seu sorriso preenchendo, seu abraço sentido a todo instante, meus ouvidos agraciados com a sua voz. Você já me tinha, mesmo que não quisesse. E eu sabia que a partir de então só seria eu se a trouxesse também para mim.

Já não havia mais esperanças quando resolvi ir embora e a vi ali parada, sozinha, vestida de negro como a noite que se fazia reduto perfeito para um final feliz. Chamei-a. Você sorriu mais uma vez e novamente me abraçou. Dessa vez sentia que aquele era o lugar certo, e correspondi com todo o carinho que queria poder lhe dar pelo resto da vida. Só que uma hora acabou, e quando tive de me despedir, só consegui pedir que você aparecesse pelo menos mais uma vez onde nos conhecemos e ser reticente ao deixar escapar que gosto muito de você. Não devo ter sido tão claro quanto queria, nunca sei sê-lo, porém não saberia fazer diferente com você.

Talvez no dia em que seus olhos não forem capazes de me fazer sentir como um apaixonado, eu consiga fazer você entender o quanto quero você aqui.

domingo, maio 02, 2004

Entre pontos e vírgulas

O que é fazer poesia para quem não sabe ler? Será que há cor nas palavras de quem vê em branco e preto?

Era tudo o princípio. Ainda se via a liberdade pelos seus olhos, e o cinza que fechava o dia era exceção, não a tônica de um mundo particular. E ela sabia, por isso se punha a escrever sobre além do que se vê, ainda que essa percepção pudesse ser sua, só sua, e a dele fosse tão fechada que seria impossível acreditar no novo não concreto.

Mas ela tinha a palavra para enfrentar o seu olhar, e ele fugia para não ter sua verdade descoberta assim. Ignorara a poesia até então, certo de que não havia entrelinhas que justificassem a crença em um outro lugar (talvez não quisesse se achar), mas perdera seu lugar no chão enfim. Caótico, buscava sempre o entendimento, só não o esperava por olhos que não fossem os seus. Afastou-se, por fim.

Era preciso continuar a ver o sol se pôr sozinho.