quarta-feira, novembro 28, 2001

Êxtase Para Um Final Feliz

“Preparei uma surpresa para você...”, falou ela com voz doce, ao mesmo tempo que cobria os olhos dele com uma venda. A porta do apartamento mal havia sido aberta, mas ele pode perceber que havia algo de diferente lá dentro.

“Não olha agora, já disse!”, continuou. Segurou-o pela mão e foi conduzindo-o a passos lentos pela sala. Um cheiro gostoso preenchia o ar, em perfeita harmonia com a música que tocava bem ao fundo, a qual ele reconheceu como “All Blues”, de Miles Davis.

“Calma, já vou deixar você tirar a venda!”, disse ela com entusiasmo pueril. Fez com que ele se sentasse no sofá bruscamente e se afastou dali rapidamente. Ele permaneceu ali, curioso com o que estava por vir e sem conseguir esconder um sorriso de satisfação.

“Não tenta tirar!”, gritou. A voz não veio de muito longe, e logo ele afastou a mão do rosto. Aos poucos, começou a sentir que o ambiente esquentava. Estranhou aquilo, mas permaneceu imóvel ao ouvi-la assobiando não muito longe dali.

“Está quase na hora, relaxa...”, ela sussurrou. Ele já não agüentava mais de ansiedade, e tentou se levantar do sofá. Foi surpreendido com um empurrão forte, obrigando-o a sentar novamente. A música que vinha do som agora era mais alta, e o cheiro agradável tinha desaparecido.

“Estica as mãos, vai...”, pediu com muito carinho. Desconfiado, ele ainda tentou saber do que se tratava, mas a repetição do pedido o fez ceder. Sentiu algo fechar em seus pulsos, e reagiu com um pulo e um berro assustado. Havia cheiro de queimado.

“O que houve? Confia em mim, amor...”, falou calmamente. Ele, irriquieto, relutou mais uma vez. As mãos dela tocaram suavemente seu rosto, acariciando-o em seguida. Aquele gesto o excitou de tal forma que decidiu deixar ela fazer o que quisesse.

“Agora estica as pernas!”, insistiu ela. Foi atendida prontamente. Dessa vez, seus tornozelos é que foram presos. Já sabia que eram algemas, e as fantasias que passavam por sua cabeça agora eram as mais diversas possíveis. O calor era insuportável agora.

“Pode olhar agora...”, ela disse, já retirando a venda. O sorriso que estava em seu rosto logo foi substituído por uma expressão de pânico. Ela estava parada em sua frente, com expressão séria.

“E então, gostou da surpresa?”, perguntou. Atrás dela, as chamas já tomavam boa parte do apartamento. Na sua mão, uma taça de vinho pela metade. Os olhos exprimiam um ar de maldade que contrastavam com a feição angelical que lhe era característica.

"O que é isso? O que é isso? Você é louca!!!!"

“Não, não... isso é apenas o que eu chamo de um final feliz, que tal?”

terça-feira, novembro 27, 2001

Por Não Ter Você

Hoje comprei esta flor
Para dizer que pensei em ti
Para pedir desculpas por minhas imperfeições
E para te agradecer por toda a paciência

Hoje comprei esta flor
Para ver se consigo me redimir
Por às vezes em atos não ter proporções
E para ver se perdoas minha intransigência

Hoje comprei esta flor
Para falar que não sou tão ruim
Para que tentes entender minhas reações
Enquanto me porto como criança de grande inocência

Hoje comprei esta flor
Para que não venhas julgar a mim
Um alguém de problemas sem dimensões
E vejas que sinto muito mais que carência

Hoje comprei esta flor
Para desfazer as impressões sem fim
De que não sou digno de suas atenções
E dos afetos de sua consciência

Hoje comprei esta flor
Para tentar que não penses em ir
E procurar por carinho em outros quarteirões
Quando me tens com total veemência

Hoje comprei esta flor
Para mostrar que não sei contigo agir
Enxergando todas as minhas pretensões
Como atos falhos sem qualquer consistência

Hoje comprei esta flor
Para tentar lhe fazer sorrir
E ter uma vez a decência
De assumir o quanto eu te adoro

domingo, novembro 25, 2001

Reflexão de Botequim

- O que você tá olhando?

- Como assim?

- É, o que você tá olhando?

- Você, ué!

- Por quê?

- Como assim "por quê"?

- Porra, por que você tá me olhando?

- Porque eu gosto de olhar para você! Eu hein...

- Mas gosta porque acha bonito ou porque gosta de mim?

- E eu que vou saber?

terça-feira, novembro 20, 2001

Das Incertezas

E a cada dia que se passa com uma nova frustração
Volto a me perguntar onde está o meu erro
E desejo avidamente que esse sofrimento todo
Encontre logo uma maneira de chegar ao fim.

sexta-feira, novembro 16, 2001

Confusões

Ele quer tudo como era antes. Sabe o quanto ela é importante, o quanto ela é especial. Gosta muito dela, é verdade, mas sabe que essa relação acaba fazendo mal para ambos. Não consegue se controlar, e acaba vivendo tudo com tanta intensidade que a ama e a odeia com a mesma freqüência. Tem horas que sente vontade de mandá-la ao espaço, pedir para que suma de vez da sua vida. Mas também tem os momentos em que não consegue pensar em sua vida sem ela, e tem vontade de telefonar, de dar nela um abraço bem apertado, de chamá-la para sair. Só que não o faz, é claro. Seu orgulho é muito grande para isso.

Ele sabe que o tempo infelizmente não volta, e que tudo que aconteceu não pode ser apagado assim, de uma hora para outra. Os sentimentos envolvidos em todo o processo não têm como simplesmente serem ignorados, como se não fossem fortes o suficiente para fazer com que o mundo dele seja maravilhoso ou desabe por causa de um ato ou de uma fala dela. Ao mesmo tempo, queria que nada disso precisasse sumir daquela relação. Queria poder continuar apaixonado por ela, queria poder continuar com a certeza de que ela é a pessoa certa, queria poder ainda ter esperanças de que um dia ficarão juntos e serão felizes. Mas ela já desfez todos os seus sonhos, já lhe mostrou que as coisas não podem ser assim. A cabeça dele até entendeu, mas o seu coração... não tem jeito, não consegue mesmo. É muito burro.

Ele ouve de todo mundo que está na hora de partir para outra, de erguer a cabeça e seguir em frente. "Só uma nova paixão para apagar uma antiga", não é? Quanta hipocrisia. Ele sente que é impossível se envolver com alguém se não a tira da cabeça. De certa forma, sabe que seria o melhor a fazer, pois ela realmente não o quer. Mas ele gosta de ser idiota, de quebrar a cara, e continua achando que pode mudar a opinião dela. Por conta disso, sofre a cada dia que a encontra e não a tem. Uma hora vai acabar aprendendo, é verdade, mas por enquanto ainda é muito difícil. Melhor seria se ela sumisse do mundo, se o deixasse em paz de vez. Será mesmo?

Ele conta os dias que está em casa e não a vê. Aluga filmes do Woody Allen para tentar melhorar seu humor e ver se o tempo demora menos a passar. Ouve três vezes seguidas aquela música que ela adora e tem vontade de morrer. Ou de matá-la, é verdade. Sente raiva por ela estar lhe trazendo tanto sofrimento, tanta solidão. Só que também a adora, mesmo sem saber o porquê. Ela realmente mexe com seus sentimentos. "Maldita hora que a conheci", fica repetindo para si mesmo. Mal sabe ele que isso é apenas o começo...

Ele quer se declarar mais uma vez. Mandar flores, chamá-la para sair. Porém, cada vez que eles se falam um pouco disso vai morrendo. É verdade que sua teimosia não o faz acreditar por completo no fato dela não o querer mais, mas mesmo assim está cansando um pouco dessa situação. Uma hora ele vai estourar, uma hora ele não vai mais aguentar. Ela não pode ficar manipulando a situação desse jeito. Será que não consegue respeitar o que ele sente? Não é tão difícil assim.

- Por que você continua me ligando?

- Porque eu gosto de você. Você não gosta de mim?

- Gosto, claro.

- Então pronto. Vamos ser amigos?

- Você está louca?

- Assim não dá, assim não dá.

- Mas não quero que você vá embora.

- Não?

- Não.

- Por quê?

- Sei lá.

- Eu não entendo...

- Nem eu, nem eu...

segunda-feira, novembro 12, 2001

Pronto Esquecimento

Era uma manhã de terça-feira quando tomou uma decisão que mudaria radicalmente sua vida: “a partir de hoje, serei uma pessoa mais egoísta”. Contou a todos, espalhou a notícia radiante, vendo naquele ato a chance de resolver todos os seus problemas.

A princípio, não houve uma pessoa que não se chocasse. Logo ele, que sempre fôra o ombro amigo, o cara com quem se podia contar a qualquer momento, iria abandonar esse comportamento e passar a pensar apenas em si mesmo? Que absurdo!

Mas ele estava de fato decidido. Para começar, decidiu acabar com todas as relações que considerava mantidas apenas por conveniência. Deixou claro que não era um amigo, que determinadas pessoas não poderiam mais contar com ele. Indicou que queria tê-los apenas como colegas, meros conhecidos a quem se cumprimenta de forma ocasional.

Com outros, foi ainda mais além. Pediu solenemente que sumissem de sua vida, pois não faziam a menor diferença. “Chega de me relacionar com pessoas inexpressivas, que não têm nada a me acrescentar”. Acreditava mesmo nisso, e fez por onde esquecer rápido aqueles que se enquadravam nessa categoria.

A melhor mudança, porém, foi com aqueles que um dia tinham sido egoístas com ele. Passou a usar de um meio bem eficiente para se atingir alguém: tornou-se um cara falso, capaz de fingir grande empatia por quem mais odiava. Divertia-se muito dando conselhos inúteis e aparentando preocupação com os problemas alheios.
Seguiu agindo assim por um bom tempo, sem se sentir incomodado. Na verdade, vivia feliz dessa maneira, desprezando o mundo. Por mais que tivesse perdido uma ou outra pessoa importante nessa transformação, tinha se livrado de vários estorvos, o que já era motivo para uma sensação de conquista.

Teria seguido com isso muitos anos se um fato não o fizesse questionar o sentido daquilo tudo. Certo dia, teve o impulso de ligar para ela, a pessoa que mais amor lhe havia dado e que, sem motivo aparente, ele resolvera afastar. Ao ouvir a voz dela, estremeceu. Quando começou a falar, no entanto, deparou-se com um seco comentário: “as coisas não voltam atrás”.

Nesse momento, começou a chorar. Por conta de seus medos e de suas incertezas, havia desprezado aquela que lhe oferecera a verdadeira felicidade, e agora só lhe restava alimentar-se das relações vazias e falsas que faziam parte da sua vida desde então.

Ao desligar o telefone, teve vontade de morrer, de sumir do mundo. Foi então que percebeu que se deu conta de que tinha como faze-lo, pois isso já havia sido realizado há muito tempo, na manhã daquela longínqua terça-feira, quando decidiu viver só para si.

Aprendeu tarde demais o quanto precisava daqueles que considerava inferiores.

quarta-feira, novembro 07, 2001

Depois do Amanhecer

Não devia ser mais do que nove da noite quando o som de um disparo rompeu a madrugada naquele bairro tão quieto. Algumas pessoas, assustadas, corriam às ruas para ver o que havia acontecido. Outras, mais precavidas, preferiam manter-se na segurança de suas casas, apenas abrindo as janelas para se certificarem do ocorrido.

A praça, iluminada pela lua cheia que dava àquela noite um teor macabro, era agora o cenário de um crime aterrorizante. Lá, jogado ao chão, o corpo de uma adolescente de uns quinze anos, nu e ensanguentado, demonstrava com vigor os impulsos de crueldade que um ser humano pode ter. Ao seu lado, atônito, um rapaz de cerca de dezessete anos empunhava uma bela pistola prateada, da qual se podia sentir à distância o calor de um disparo recente.

Um grito desesperado quebrou o tom monocromático daquela cena. A mãe da jovem, aos prantos, correu em direção ao cadáver, talvez pensando ser possível fazer algo ainda. Foi inútil. Ao chegar ao centro daquela praça, constatou que a vida de sua filha havia sido de fato tirada por um imbecil qualquer, um desequilibrado, um rapaz que não aparentava ter a menor noção do valor de uma vida.

Os moradores começaram a se aproximar lentamente, temendo um novo disparo. Enquanto isso, o jovem permanecia quieto, como se não estivesse presente àquela cena. Seu rosto, pálido, não deixava transparecer qualquer tipo de sentimento, fosse de raiva, angústia ou arrependimento. Apenas permanecia ali, imóvel, enquanto a mãe da moça desesperava-se ao abraçar o corpo embanhado em sangue. A face da menina dava uma falsa impressão de alívio, enquanto o buraco da bala que atravessou o pescoço jorrava ainda o restante de sangue que cismava em permanecer correndo por suas veias.

Ao perceber a quietude do rapaz, alguns homens do bairro aproximaram-se dele. Com raiva, jogaram-lhe ao chão e passaram a deferir chutes fortes por todo o seu corpo. Nem assim obtiveram qualquer espécie de reação. Era assustadora sua frieza: a quem acompanhava cena, era possível acreditar que ele fosse o morto, não a pobre moça. Abriu levemente a boca, como se fosse dizer algo. Antes que o fizesse, um soco lhe foi dado com firmeza. Desacordado, foi carregado até uma árvore próxima.

Ali teve suas roupas arrancadas e seu corpo amarrado. Dois homens aproximaram-se e, de forma cuidadosa, despejaram álcool da cabeça aos pés do rapaz. Em seguida, atearam fogo. O espetáculo arrancou aplausos de todos na praça, à exceção da pobre mãe que ainda chorava copiosamente ao lado do corpo da pobre moça. Ninguém mais se preocupava em consolá-la; a cena do rapaz sendo queimado vivo parecia muito mais interessante do que o outro crime brutal que havia sido cometido naquela noite.

A madrugada passou em festa, com a morbidez de tudo aquilo sendo celebrada como parte natural da vida humana. A jovem permanecia caída ao chão da praça, com o rosto exprimindo uma expressão de alívio, como se alguém tivesse feito um favor ao tirá-la a vida. Do rapaz, sobrara apenas uma estrutura disforme, irreconhecível, muito longe de lembrar qualquer forma humana.

Na manhã seguinte, os corpos foram levados dali. Enquanto isso, a população fechava suas portas e janelas e voltava a seu cotidiano puro e medíocre, seu mundo de paz que cismava em se modificar em acontecimentos esporádicos como o da noite anterior. O sol voltava a iluminar a praça, e toda a violência presenciada a poucas horas em breve seria apenas uma lembrança distante, uma marca feita a carvão que seria levada pela chuva com a mesma facilidade com que foi trazida.

Era apenas mais um dia naquele bairro tão quieto.

terça-feira, novembro 06, 2001

Drama de Morte

O grande número de pessoas concentradas em volta do corpo atestava o gosto pelo mórbido que o ser humano tem. Em uma tarde de terça-feira, não menos do que 30 pessoas estavam ali, paradas naquela rua do Leblon, observando o cadáver de um jovem de aproximadamente vinte e três anos. O porteiro, desesperado, tentava afastar a todos, enquanto esperava a chegada da perícia. O rapaz era morador do prédio em frente. Décimo primeiro andar. Estava sozinho em seu apartamento. Tudo indicava que havia sido suicídio.

A chegada dos especialistas do IML e uma revista ao corpo confirmaram as suspeitas, logo que foi achada uma carta no bolso do terno que usava. Esse fato, por sinal, era bastante curioso. Por que usar um terno para se matar? Para se morrer com elegância? Ninguém conseguia entender.

De qualquer forma, todos que estavam em volta, ao verem o papel, começaram a pedir afoitamente a leitura do mesmo em voz alta por um dos encarregados de remover o corpo. Quem sabe ali não teria os motivos que o levaram ao suicídio? O rapaz agora parecia fazer parte da vida dos que ali se encontravam desde o ocorrido, e não houve quem saísse dali até que a carta fosse lida.

Alguns olhos marejaram, alguns ouvidos mostraram-se atentos, alguns corpos tremeram assim que suas últimas palavras começaram a ser lidas para aquela platéia.

"Hoje pensei em me matar. Na verdade, venho pensando nisso constantemente, desde que tudo aconteceu. Uma, duas, três vezes por dia. Até já me preparei para fazê-lo, mas sempre desisto na última hora, tomado por uma esperança súbita e idiota de que tudo vai melhorar.

Penso que não devo desistir, mas penso isso sem firmeza. Sei que mais cedo ou mais tarde vou me dar por vencido. Será que ainda vai demorar muito? Não aguento mais essa espera. Esse sofrimento podia acabar logo, na boa. Simples, rápido. O que me falta para fazer? Coragem? Nada pode me fazer mais mal do que já venho me fazendo até aqui.

Viver com dor não é viver. Quero ser alegre, mas como? Tudo parece tão difícil. A cada dia me sinto mais sozinho, mais perdido. Com quem achava que poderia contar descobri que era uma ilusão.

Cansei de falsas promessas, de falsos carinhos. Dessa hipocrisia de fingir que gostam de mim eu não preciso, muito menos desse sentimento de pena que vocês que estão lendo essa carta estão tendo agora. É ridícula essa falsa preocupação. Que se foda o mundo! Eu não preciso de ninguém querendo tentar gostar de mim.

Por que as pessoas fingem? Por que tentam evitar que eu faça algo comigo se elas nem se importam de fato? Ninguém sabe o que eu tô sofrendo, e nem quero que saibam. Minha vida é só minha, eu faço o que quiser dela. Cansei de intromissões, de tentativas ridículas de compaixão. Esqueçam que eu existo. Esqueçam que eu existi, porra! A vida é assim, não é? Todo mundo chega ao fim um dia. Por que não posso escolher o meu?

Isso é como no cinema, vocês não entendem? Lá a gente escolhe o destino do personagem logo que se começa a escrever a história. É mais simples assim. Por que não posso ter o direito de fazer isso com a minha vida? É mais simples assim.

Pensar demais faz mal. É, cansei de ouvir isso dos outros. Então agora não quero nem pensar, só acabar logo com isso. Sem medo, sem culpa. Eu criei meu mundo assim, agora acabo com ele também. É minha decisão, é minha vida, e não quero mais me fazer esse mal.

Desejo que o mundo siga em frente, com toda sua mediocridade, mas sem mim. Só espero que as pessaos sejam muito felizes. Felizes como nunca fui."

Quando as últimas palavras acabaram de ser lidas, o corpo já havia sido retirado do chão. Aqueles que presenciaram o ato final de um personagem anônimo foram-se com a certeza de que o suicídio não era uma boa saída para se resolver os problemas. Mas, com toda certeza, era perfeito para tornar a morte um drama muito maior do que deveria realmente ser.

segunda-feira, novembro 05, 2001

Hoje é um bom dia para o "Rumo Ao Nada". Resolvi tomar vergonha na cara e inserir um contador nessa bagunça. Vamos ver se a freqüência de visitas anda sendo boa mesmo...

domingo, novembro 04, 2001

Outubro

Pediu mais uma taça de vinho ao garçom e se calou novamente. Devia ser a sétima ou a oitava, não sabia mais. À sua volta, por todo o restaurante, pessoas comiam e bebiam freneticamente. Falavam alto. Estavam felizes e em grupos. Enquanto isso, ele estava ali. Numa mesa de canto, sozinho, calado. A pouca luz do ambiente fazia com que ninguém o notasse. Talvez por isso tenha chorado.

A cadeira vazia à sua frente parecia representar muito mais do que ele próprio imaginava. Era o retrato fiel do que havia feito com sua vida em pouco menos de um ano; mais precisamente, era a representação de seu maior medo, daquilo que o perseguia desde a infância: a inevitabilidade de, com o tempo, ficar sozinho de vez.

Assim que o garçom chegou com a nova taça, voltou a manter o controle. Enxugou os olhos com as costas da mão e agradeceu a eficiência do serviço. Em segundos, levou o recipiente até a boca e sorveu todo o líquido. Queria embriagar-se para ver se diminuia toda a angústia que sentia naquele momento. Entretanto, à medida que bebia, sentia sua dor crescer mais.

O quarteto de jazz já tocava há uma ou duas horas, mas só agora o havia notado. A música que preenchia o ambiente agora lhe trazia recordações em péssima hora. "My Funny Valentine". Escutara pela primeira vez ainda jovem, interpretada por Ella Fitzgerald ou Chet Baker, não sabia ao certo. Mas sempre fora a sua preferida, e marcara, mesmo que ela não soubesse, toda a sua história com a única pessoa que havia amado de fato. Sem ela ali, toda aquela cena não fazia sentido.

Não suportando aquela situação, pediu a conta. Antes, porém, foi ao banheiro. Lavou o rosto, ajeitou a gravata e tomou uma decisão. Não poderia se dar por vencido sem ao menos tentar uma última vez. Deu o dinheiro ao garçom e saiu do restaurante. Caminhando pela rua, avistou o prédio onde ela mora. Apesar de já serem mais de duas da manhã, viu que a luz da sala ainda estava acesa. Sem que desse tempo para questionar seus próprios atos, encaminhou-se até a portaria e pediu ao vigia que a chamasse.

A previsível recusa dela em recebê-lo foi imediata. Ele não se alterou. Calmamente, agradeceu ao empregado e se retirou dali. Enquanto caminhava para casa, trôpego, confuso, repensava toda a história, buscando o que havia feito de errado para que tudo terminasse assim. Uma vez mais, não conseguiu chegar a conclusão alguma.

Olhou para o céu e avistou a bela lua que iluminava tão triste noite. Lembrou-se da promessa que ela um dia lhe fizera, de que ele não haveria de ser triste enquanto ela estivesse viva, e esboçou um sorriso irônico. Como as coisas poderiam ter mudado tanto? Mais do que nunca, sabia que tinha posto tudo a perder.

Foi assim que, na melancolia de uma madrugada qualquer de Outubro, teve a certeza de que não nascera para ser feliz. Desde então, viveu sua vida esperando a morte chegar, desejando ao mundo que não padecesse do mesmo mal que ele: ter amor por alguém e não saber o que fazer com isso.

"Tornar o amor real é expulsá-lo de você
Pra que ele possa ser de alguém"

Nando Reis, "Quem Vai Dizer Tchau?"