sexta-feira, janeiro 20, 2006

Dos sons que tiram os sonhos daqui

Treze vezes o relógio bateu e ele relutou em acordar. Mexera-se levemente, abrindo os olhos por não mais do que dois segundos para encarar o raio de sol que fugia por entre a fresta na cortina. Estava calor. Ainda não conseguia raciocinar direito, a cabeça lenta que acabava de despertar. Aos poucos, lembrara que sonhara durante a noite. ?Mas todos sonham?, o leitor irá dizer. E eu digo: não ele. Não ele, que desconhecia até o sonhar acordado. Cético, talvez sequer conseguisse visualizar a realidade. Mas as treze badaladas do relógio lhe disseram algo, e a preguiça precisava lhe abandonar. Seu corpo fez algum esforço, reclamou, mas enfim tomou movimento.

Levantou-se. A cozinha não era longe, e sabia que havia um resto de leite na geladeira. No caminho, jornais espalhados tentavam atrapalhar os pés que cismavam em se arrastar. Esfregou os olhos com força, tentando injetar ânimo em ao menos um dos sentidos. De pouco adiantou. Era início de tarde, mas tudo cheirava a manhã. Mais uma vez a lembrança de um sonho tomou-lhe a mente e se foi com o primeiro gole de leite. Era bom sentir um líquido que não tirasse seus sentidos descer pela goela depois de tantos dias. A cabeça agradecia.

Estava desperto agora. Inquieto. Sentia fome. Sabia bem aquela sensação. Afinal, sentia fome há vários dias. Nem por isso tentava comer. Talvez achasse bom sentir seu corpo declarando-se vivo. Nessas horas costumava lembrar que havia algo com que se preocupar além de olhar o teto ou estalar os dedos. De vez em quando, tomava uma atitude e fazia algo de produtivo. Refletiu por alguns segundos, buscando algo que lhe desse sentido naquele cedo-tarde dia. Nada lhe ocorreu.

Deitou-se. A sensação de que tivera um sonho antes lhe preencheu outra vez. Fechou os olhos. Quis dormir.

De repente existia algum sentido que o tempo não dissesse. Calou os sons que lhe tiravam dali.