domingo, abril 20, 2003

Pintura Abstrata

- Sou sentimental como nunca. Inadequado como sempre.

Deu um aperto no peito quando estiquei o braço logo que acordei e você não estava do lado da cama que sempre foi seu. Essa cena já tinha acontecido várias vezes (faz tempo que você não está ali), mas, por algum motivo, só hoje senti o vazio que se instaurara desde então. É um problema grave; às vezes meu cérebro não aceita o perder, me deixando suspenso, longe da realidade, como se o conceito de perda pudesse ser relativizado. Talvez seja essa a explicação de fato - ou apenas a verdade que eu criei para mim, a que eu prefira acreditar para não ter que lutar pela volta e admitir um novo fracasso (não é sempre assim?).

Confesso que estranhei minha frieza ter ido embora nesse momento. O espaço maior na cama me agradava, representação concreta dos anseios de liberdade que sempre tive. Não há constância em minhas vontades, eu sei, só que o caminho percorrido agora é muito longo para fugir do paradoxo. Levanto e olho pela janela, a mesma que já foi um quadro com o tempo parado e hoje vaza a parede. A neve cai forte no mundo que não é meu. Seus óculos ainda estão na mesa de cabeceira, marcados na lente direita pelos seus dedos sonolentos, e me pergunto se o calor que sentíamos dentro dessas quatro paredes um dia realmente existiu.

O cinza delas me diz que não.