domingo, junho 22, 2003

Outros Campos

E ela me olhou com os olhos de quem não sabe o caminho certo e disse: “vem, vamos ficar juntos, com você do meu lado nada é ruim, eu preciso de paz agora”, aí pegou em minhas mãos com força, como se isso me fizesse acreditar ainda mais nas suas palavras.

Eu estava quieto. Mais do que nunca queria trazer alguém para perto de mim, começar um mundo novo com ela, que nem eu quis quando conversamos pela primeira vez algumas semanas antes. Mas minhas mãos não mexiam, eu continuava em silêncio e só conseguia pensar em como tudo tinha mudado tão de repente.

Era apenas um sonho, só um sonho. Não conseguia tirar os olhos das mãos dela. Os dedos entrelaçavam-se rapidamente, depois batiam as pontas na mesa, depois se esticavam preguiçosos e então descansavam de novo por alguns segundos, não mais do que alguns segundos, e aí tudo se repetia incontáveis vezes. E eu ria desajeitado, tentando disfarçar o fascínio que aquela timidez me despertava, mas que ao mesmo tempo me dava uma sensação de imobilidade, de que nada daquilo seria de grande serventia no futuro. Era apenas um momento, só um momento, e quando acabasse eu talvez nem fosse lembrar que me sentira bem em estar ali.

O início de uma tarde fria. Os livros, o jazz, o capuccino sobre a mesa redonda. “Você não precisa ficar distante, eu estou aqui, vem, vamos ser felizes, você sabe me deixar assim”, mas eu não consigo, não chego perto, não me mexo. Eu não sou capaz de trazer para perto de mim. E as cortinas se fecham, eu quero abrir, mas elas se fecham, aos poucos, inteiras, cinzas. Que nem ela, quando disse que havia trancado as portas e que só existia o medo de não ter amor para dar em troca. É que a estrada se tornou escura e já não dá para saber se o sonhar é tão real quanto parece ser. Resta sentir.