quarta-feira, setembro 23, 2015

Gramática pós-moderna


Eu queria escrever um texto sobre você, mas tudo foi tão rápido que só ficaram reticências, exclamações e interrogações.

E eu ainda tinha tantos verbos e adjetivos para contar a história de nós dois...

segunda-feira, setembro 07, 2015

Infinitivos


Fumar era um hábito recente. No entanto, atropelava cigarros, viciando nas últimas 48 horas o tempo que perdeu. Insone. Nenhuma música o acalmava. O chão da casa pediria socorro se pudesse reclamar das pisadas incessantes de um lado ao outro. E a carta ali, em cima da mesa, esquecida entre o manuscrito de um livro que nunca teria coragem de publicar e um filme do Godard que jamais seria visto outra vez. 

Doer era um hábito recorrente. No entanto, sorria nervoso, repassando os dias em que ela estivera ali. Hiperativo. Nenhum sol o iluminava. O teto da casa pararia de descer se soubesse que a redução do espaço não o incomoda. E o corpo ali, jogado no chão, esquecendo da vida entre um passado trágico e um futuro qualquer, daqueles que só se quer experimentar uma vez.

Morrer era um hábito urgente. No entanto, cortava os pulsos com facas de plástico há semanas. Lacônico. Nenhum amor o confortava. As paredes da casa ruiriam se entendessem a prisão que elas representavam para ele. E as chaves ali, penduradas na porta, pedindo para serem giradas até a saída se apresentar e o caminho ser seguro pela última vez.   

Sangrar era um hábito presente. No entanto, estancava as feridas com as mãos, contendo os amores que cismavam em escorrer de si. Sensível. Nenhuma calma o aplacava. As janelas da casa abririam se pensassem que era ar o que faltava para ele sublimar. E as vozes ali, espalhadas na cabeça, dizendo que estava tudo bem e que era só fechar os olhos para acabar de vez.

Viver era um hábito iminente. No entanto, fugia. Sincero. Nenhuma vitória. A cama desarrumada. E os textos. Ao invés.

sábado, julho 25, 2015

Filme francês


Foi estranho não reconhecer o olhar dela - não havia o brilho com o qual ele estava acostumado. Também foi estranho não reconhecer o sorriso - não tinha a alegria que costumava emanar. Talvez por isso as palavras não fizessem sentido, perdidas em gestos tão pouco familiares. O cheiro, é verdade, continuava o mesmo. Mas alguma coisa não estava no lugar. Ele ainda a observava com cuidado, confuso com o que acontecia ali. Seu coração disparara tão logo ela chegou; agora, batia espaçado, em descompasso. Pela primeira vez, não fez menção de a tocar. Pela primeira vez, não sentiu falta daqueles beijos. Ela era outra, e ele esperava pela de sempre. Em outra época, é certo que doeria mais. Naquele momento, porém, foi apenas melancolia. Quis, como em outros encontros, que o tempo voltasse, apenas para que ela não se perdesse tanto assim de si. Reescrever a história. Salvá-la, quem sabe. Não era o caso. Restava o silêncio e o desconforto de quem percebe o inevitável.

Ela foi embora pela segunda e última vez. 

terça-feira, junho 30, 2015

Big Bang


Quando ela abriu um sorriso e perguntou "vem comigo?", o mundo era tão pequeno que só cabíamos nós dois. Lembro que, na hora, pensei que, com ela, qualquer estrada era rota certa, qualquer caminho levava ao mesmo fim. Seus olhos brilhavam tomados de uma alegria quase pueril, e dizer "não" era impossível. Respirei fundo. Senti meu coração bater acelerado. Ela me encarou uma vez mais e insistiu: "vem!". Eu queria. Queria o ar compartilhado, o céu de estrelas, as palavras caladas. Queria o universo num beijo, a vida num abraço, a certeza num sentimento. Ela estava ali. Pronta. Disposta. Entregue. Então, eu fui. Segurei sua mão, trêmulo, e caminhei. Sem medo. Direto. 

Foi assim que dei o primeiro passo em direção ao abismo.

terça-feira, dezembro 23, 2014

Os ponteiros


Olhar o calendário e constatar que mais um ano se passou o fez chorar outra vez. Não que as marcas da idade o incomodassem ou que o simples mudar de número representasse algo. Não. O que doía era reafirmar a ausência, a lembrança de que tudo permanecia igual – esse eterno retornar a uma felicidade que não se desenha mais como possível. E aí então ela vinha. Com forma, som, cheiro. Com saudade. Mas não era real, como nada do que vivera nos 730 dias que se seguiram desde então. Aos poucos, perdia as forças para sua busca por um recomeço improvável ou por um superar pleno, mantendo-se ciente de que o lugar do vazio era um só. Sem ela, os domingos ficaram cinza. Sem ela, o acordar ficou amargo. Sem ela, as horas ficaram pesadas. Estar ali, ao final de outro ano, com as memórias que insistiam em tomar o real, era afirmar que seu mundo parou desde então. Ruim, claro, mas ele não conseguia evitar. Virara refém de sua própria história, vítima de sua própria inabilidade para amar. Desejou ser homem de lata, sem coração que batesse no peito. Só que era tarde demais. O calendário não dizia apenas que mais um ano se passou. O calendário clamava por um mudar de páginas que significasse que era tempo de voltar a sentir. Ele ouviu a campainha tocar. Escreveu o nome dela no papel mais uma vez. Quis voar, leve como quando ela ainda estava, só que suas asas ficaram quebradas. Era pássaro triste, incapaz de cantar. Engoliu a data e pediu ao céu que a chuva voltasse a cair. Só assim, sem o sol de um novo dia, não se lembraria do sorriso que ela levou dali.

quinta-feira, novembro 06, 2014

Amar la trama*


Quando o poeta acordou e viu seus sonhos ruírem, decidiu que as palavras não poderiam cessar. Juntou seus cacos, enxugou suas lágrimas e abriu o peito num suspiro profundo. O coração (sempre ele) espasmava em batidas fracas de pedido de socorro, e a dor tomou conta quando já se pensava superar. Fez-se, então, poesia, preenchendo os versos com os sentimentos mais nobres. Dela pedia o olhar, o abraço, o beijo. Jurava vida a dois e felicidade eterna. E a Musa, coisa amada, nada respondia, guardada em sua torre cega e fria. A ele não importavam mais as horas - longas demais - ou os dias - amargos quase sempre -; somente o retorno, razão de quem ama, ressignificaria a existência. Por isso, a súplica virou refrão, em cores fortes e tons menores. Por isso, o desejo ficou, quieto e constante. Decidiu-se, pois, pela espera, já que seguir não era possível. Fechou o peito num soco, deixando as lágrimas rolarem pela face. Dobrou o papel escrito a sangue e o colocou no bolso. Bailou sem alma a canção do rádio. Amou intenso o cinza da tarde que caía. Brindou com o nada o amor de dois.

E se reafirmou poeta de uma palavra só.   

*com a benção de Jorge Drexler

domingo, setembro 21, 2014

Intocável, infalível


Descobri, com a sua presença, que você nunca foi embora. Que meu coração ainda bate forte, que minhas mãos tremem e que minha respiração para só por causa de você. Que cada gesto seu me faz feliz, que seu olhar me acalma e que seu abraço me traz saudade. Que é por você que eu ainda gasto palavras, que guardo sentimentos e que crio ilusões. Descobri que é você quem não pode ir para onde eu não possa te seguir.

Por isso, descobri que não sei lidar com seu silêncio. Com a sua ausência depois de um dia próximo, com o vazio das mensagens que ecoam no nada. Com a música que me conta nós dois, com os diálogos com que o cinema nos reproduz, com os textos que não deixam de surgir. Com não ver seu sorriso todo dia, com não poder te dar um beijo na despedida, com o sofá vazio onde começamos a ser um só. Descobri que não sei abandonar.

Porque, na verdade, descobri, há um bom tempo, que preciso de você aqui.

(E assim cuido apenas para que você fique o quanto e como puder ficar.)

domingo, setembro 14, 2014

Lunar


A verdade é que eu te amo.

Assim, com poucas palavras, muito sentido e nenhuma dúvida.

Em prosa curta e direta.

Intenso.

Inteiro.

Ainda.

E só.

quarta-feira, agosto 20, 2014

Penas


Quanto eu inventei você, havia um espaço que pedia desesperadamente para ser preenchido. Uma ausência do que não tinha sido que doía a cada esperança de que fosse, transformando o viver como um em tarefa da ordem do impossível. Foi assim que seu lugar fez-se lógico, ainda que nunca tivesse lhe pertencido. Eu só não sabia o que viria a partir daí. Tornei-me dependente dos seus olhos, da sua boca, da sua mão branca e insegura - que nunca existiram assim. Era tudo real, a ficção mais perfeita que já construí. Às vezes, quando minha memória me traía, você se transformava em outras que já passaram por aqui. Diferente, mas igual a tudo com que eu nunca sonhei - e sempre tive. Então, quanto mais você existia, mais você sumia, e a verdade é que não tinha me preparado para me perder de mim. De repente, virei ser vagante sem a sua referência. Respirava você, bebia você, existia em você. E no silêncio, sombra. Você era tudo. Parte do que eu sou, parte do que eu nunca poderia ser. Era impossível. Por isso, quando eu matei você, deixei um buraco no meu peito que não cessa de sangrar, e agora caminho triste em busca de um novo jeito de recriar sua inexistência. Mas a mente insiste em não mais te desenhar.

quinta-feira, julho 24, 2014

Dali


Eles eram abstratos. Cores pálidas, sons dissonantes. Andavam em caminhos tortos, com passos desordenados. Tinham pensamentos confusos - mas sorriam. Sorriam sorrisos de gente que sonha que a vida é fácil e que o amor é simples. Eram conta de resultado preciso. Paradoxo de dois contra tudo. Aí fascinavam pelas imprecisões e curiosavam pela beleza surreal-cubista. Ela era doce. Ele era vento. Mar salgado de palavras mudas. E sentiam. Sentiam sentimentos de coisas que se reinventam para serem novas quando cansam e querem sumir. Sinestesia de tudo em dois. Rascunho de obra-prima que não tem tempo para vir à luz. Eram. Não. São. São deles. São só. Sós. Sóis. Porque o resto não existe se não precisa existir. Acaba, fim. Fica silêncio para quem pretende ouvir. E eles vão. Abstratos, mas inteiros. Complexos, mas intensos. Dia da noite que insiste em abraçar.

domingo, junho 08, 2014

Simples


Ela acorda sempre com um sorriso e coloca sua música favorita. Prende delicadamente o cabelo, joga uma água no rosto e toma um chá. Parece dar cada passo com prazer singular, vivenciando como único o mais simples momento. Quem a vê não acredita que há maldade no mundo, que a vida pode dar errado e que as pessoas são ruins. Tudo nela soa amor. É por ela que o sol surge, os pássaros cantam, os olhos brilham. É com ela que as noites fazem sentido, os banhos são mais demorados e os filmes emocionam. É dela a existência perfeita.

Mas a vida não é colorida, as canções não são sempre alegres e os roteiros nem sempre terminam com final feliz. Então ele aparece e tenta roubar a beleza dela para si. Aprisiona, limita, diz que sem dois não pode haver um completo. Então ela ganha olhos avermelhados, noites mal dormidas, pernas fracas e inseguras no caminhar. A água esconde as lágrimas, o silêncio toma suas manhãs. Sua existência se apaga e só resta o desesperar. 

Até que um dia a dor já é mais do que pode. É quando ela tenta ser de novo, ela que sempre foi. É quando ele deixa de existir, ele que nunca é. É quando se separam, eles que jamais deviam ter. É noite que vai embora para um outro acordar.

Ela levanta no novo dia e encontra um sorriso que não sabia estar ainda ali. É perfeita a existência dela. Pisa com leveza, abre os ouvidos para voltar a viver. Dança. E coleciona sonhos para voar de vez. 

sábado, abril 05, 2014

Solitude


Da última vez que as palavras foram dela, escrever ainda era difícil. Sangrava um pouco a cada uma que aparecia no papel, deixando um pedaço de mim. O resultado, apesar de belo, era doloroso - uma sinfonia triste, feita em tom menor. Depois disso, a folha precisou ficar muito tempo em branco, uma história esquecida de um passado nem tão distante. Até que ela reapareceu por aqui, entre um presente escondido e um texto relido, como se quisesse garantir que tudo estava em seu lugar. Mas a sua música não tocava mais. Seu cheiro havia sumido, sua voz era inaudível. A única coisa que restava era uma prosa de despedida, dessas que a gente escreve para dizer que já não se importa. Por isso, é curta e direta. Fria. Feita sob medida para quem escolheu virar sombra de um amor.

domingo, fevereiro 23, 2014

Sobre Balões


Eu sempre soube que levaria um tempo para esquecer você. Não que você merecesse ou fizesse questão. Não que nossa história tivesse sido incrível, única. Não que eu não pudesse recomeçar depois de tudo. Simplesmente porque eu não queria. E, a gente sabe, quando se resolve não querer alguma coisa fica complicado. Foi assim que eu segui ressignificando meu espaço, colocando você em cada parte do que me cercava. Não porque você tivesse, de fato, ganhado importância em toda essa dimensão, mas porque era uma forma de prolongar sua existência depois do término. Uma maneira de lutar contra o esquecimento inevitável, contra o apagar necessário. Uma saída para driblar a solidão. Mas foi quando percebi que essas memórias já não tinham cor, que os momentos já eram feitos de silêncio e que os sorrisos eram borrões que, finalmente, entendi que você nunca esteve aqui. Eu te criei para ser o que eu precisava ter, para ocupar um lugar estratégico no plano de uma vida a dois. Só que era plano de um, hoje eu sei. No fim, você virou prosa, frase, palavra, letra. Interrogação. Ponto final. Imagem criada em um texto que pede despretensiosamente para ser escrito em uma tarde de domingo. História que já não me importo mais em contar.

domingo, dezembro 15, 2013

Domingo, 22h20


Ela prendeu os cabelos mais uma vez e continuou a falar. Confesso que ali já era incapaz de entender qualquer palavra que saía por entre seus lábios - estava apaixonado por sua delicadeza, por aquela forma tão sutil de fazer cada ação. Imagino que eu não fosse o único. Era fácil render-se a ela. Sua pele branca, seus olhos levemente apertados, seu jeito tímido. Poderia passar horas olhando-a fazer coisas simples e, ainda assim, admirá-la mais a cada minuto. Mas era um instante, não mais do que um instante, e eu sabia que logo iríamos nos afastar. Por isso, mantinha minhas mãos inertes, sem qualquer tentativa de aproximação. No máximo, levantava uma delas para tomar um gole do café que já nem quente estava mais, quase como um gesto sem propósito. E guardava para mim as emoções, com medo de abreviar o término inevitável. Eu pensava, admirava, sentia. Enquanto isso, ela falava, e sua pele branca parecia ainda mais bonita em contraste com as luzes que iluminavam a rua lá fora, e os seus olhos quase se fechavam quando ela sorria ao final de uma frase, e sua timidez se destacava quando ela percebia que eu não parava de olhar. Era difícil até respirar. Foi quando seus dedos encostaram nos meus e o mundo parou de girar. Tudo era silêncio. E nós dois ali, no centro do nada. Simplesmente perfeito. Absolutamente único. Obviamente irreal.

- Sua conta, senhor.

domingo, outubro 27, 2013

Filme Noir


Ele olhou pela janela e avistou o horizonte seco mais uma vez. Na casa, a música sublinhava seus pensamentos, pedindo textos que as mãos não queriam escrever. Fazia muito que não dialogava com os sentimentos, sua alma calada no esquecer de fazer pulsar vida ali dentro. Talvez faltassem as gotas de chuva no vidro, o vento frio percorrendo a espinha. Quem sabe alguma saudade, um desespero de solidão. Alguma coisa que o fizesse reviver. Porque agora o horizonte era só horizonte, e os prédios em progressão não indicavam histórias a contar.

Eram cinco da tarde. Não havia mais cigarros, nem vinho. Os livros empilhados resumiam uma existência catalogada por palavras que tentava recriar para si. Via-se imóvel, inatingível, incógnita em busca do desaparecer. Um telefone tocando ao fundo. Um raio de sol invadindo o rosto de relance. O ar rarefeito, mas ideal. Ele se afastou da janela e começou a dançar. A sala logo se preencheu de sombras. As cores perderam seu lugar. Porque agora a tarde era só tarde, e a noite não parecia apressar-se em chegar.

Deitou-se, por fim, com o teto a lhe observar e o tempo a lhe sorrir. Fez-se melancolia, enquanto as luzes lá fora pareciam despertar.

Tornou-se início outra vez.


sábado, agosto 10, 2013

Invernos


Durante muito tempo, eu pedi que você voltasse. Não suportava a cama imensa, o silêncio pela manhã, o café em apenas uma xícara. Doía. Assim, como para fingir que a lembrança não existia, passei a evitar algumas músicas, esconder seus bilhetes, renegar nossos filmes. Às vezes, escrevia palavras a esmo, como se elas fossem lhe alcançar e fazer você reencontrar seu lugar. Tolo, não entendia o que acontecia.

Foi então que o inverno chegou, e eu precisei encontrar calor de novo. Deixei de lado a busca pelo seu abraço e a intensidade do seu beijo. Esqueci seu cheiro, desaprendi a percorrer seu corpo. Escolhi deixar as folhas em branco outra vez. Comecei a construir uma nova existência na qual de você eu não fosse refém. E esperei.

Até que, certo dia, senti que você não estava mais aqui - e isso, finalmente, não foi razão para lamentar. Acordei, abri os olhos e soube que era hora de seguir. Dei passos firmes como alguém que não teme mais andar sozinho. E me despedi de você como sempre pretendi fazer.

(Mas como nunca gostaria de ter)

domingo, maio 12, 2013

Partir, andar, um lar, adeus



Ela precisava ir. Já não tinha mais fôlego, já não sentia mais pulsar sua vontade. Apesar disso, seus passos eram firmes, bem como sua decisão. Comprara um bilhete, tinha um destino. Ficar não lhe cabia agora. Aquele lugar não mais bastava. Aquele amor não mais existia. Não havia nem o que deixar para trás. Mas o dia era claro, e a luz era inimiga da fuga. Como sair sem ser notada? Como partir sem dizer adeus? Não suportaria as lágrimas da despedida. Estava preparada para tudo, menos para o apelo. Por isso, queria a noite. O escuro, o silêncio. O cúmplice dos amantes, o refúgio dos solitários. No entanto, as horas lhe sobravam, em eternidade circular. Arrumara e rearrumara todos os itens. Refizera todos os passos. Faltava apenas cruzar a porta. Lá fora, a liberdade a esperava. Uma nova vida de dúvidas e experiências. Fora do conforto. Fora do banal. Fora do óbvio. Enquanto isso, ele ainda seguia. Certo de que nada acontecia, satisfeito em seu pequeno universo. Incapaz de temer o girar da chave. E ela ali, olhando pela janela a vida lhe passar. Pensou em uma música e uma lágrima escorreu em seu rosto. Fraca. Suas mãos procuraram os bolsos, nervosas. Forte. Não cabia mais esperar. Aproximou-se da saída. Ele a chamou.

Talvez fizesse frio naquela tarde.

Talvez o céu brilhasse azul.

Talvez os olhos estivessem nublados.

Foi amargo o caminhar.

segunda-feira, fevereiro 04, 2013

Da ausência e do silêncio


Ainda hoje, quando me lembro do seu silêncio ao meu lado, fecho os olhos e posso ver seu olhar calmo, sentir sua respiração forte em mim. Foi com você que aprendi a valorizar o não-dito, o compartilhar mudo, o estar junto por estar. Nunca te disse, mas foi. E essa é uma daquelas lembranças fortes que não sou capaz de apagar. Talvez por isso, desde que você partiu, eu tente preencher os espaços com a música, aflito em não deixar as pausas soarem. Mas não adianta, a gente sabe. Porque os sons me doem agora, e o silêncio que cisma em reinar aqui é o da ausência, e não o da cumplicidade. E cada vez que você, já distante, emudece, eu, perdido, enlouqueço mais. Aí volto aos nossos espaços, mas você não está ali. Sou imposto a um novo começo, ainda que sua presença esteja em cada lugar que descubro. Então imploro, procuro, insisto. Me desespero. Só que você foi, e a cada vez parece se afastar mais. Impotente, assino a rendição e assumo que não sei como superar você, enquanto você segue seu caminho, sem nada do que um dia fomos. Porque se calar, para você, é ir adiante - e não ouvir, para mim, é morrer aos poucos. Assim, eu espero um sinal que nunca chega, e o silêncio que paira não é mais aquele que me faz feliz. E eu temo pelo dia em que nem o lembrar caiba mais a mim.

terça-feira, janeiro 08, 2013

Do zero ao zero


Eu queria escrever um texto para apagar você. Um texto que fosse de superação, daqueles que incentivam a todos que precisam seguir em frente depois de um coração partido. Um texto cujas palavras fossem amenas e esperançosas, sem qualquer resquício de mágoa ou de frustração. Um texto que não evocasse seu nome, que não me trouxesse sua imagem, que não tivesse o seu cheiro (sim, é possível senti-lo mesmo agora, apesar de toda a distância que você nos impôs). Mas não consigo. Basta colocar a caneta no papel e você volta no mesmo instante, como se a casa se preenchesse da sua presença mais uma vez. Aí as letras, as palavras, as frases, as imagens redundam, e tudo é seu, de novo. E você vira protagonista, antagonista, personagem secundário, obra completa - só não é narradora porque desistiu de contar nossa história. Até a trilha sonora é para você, ainda que você não saiba. Parece proposital. Talvez até seja. Afinal, eu escolhi, mas pensava em você. Sempre penso, não é? Sempre. Daí o texto fica repetitivo, as palavras soam iguais, o sentimento não muda. Daí quem vem aqui ler apenas pensa que perdeu seu tempo, acreditando que veria algo que o incentivasse a mudar de caminho, em vez de seguir rumo ao nada. Desculpem-me, eu não consegui. Fui clichê. Isso tudo porque eu queria escrever um texto que não contivesse você. Só que você ainda segue em mim. Mora. E a página em branco não consegue ganhar vida se não for assim. 

sexta-feira, dezembro 21, 2012

Mora


Quando a porta se fechou, depois do último beijo, foi como se meu coração parasse por alguns momentos. O silêncio que reinava na casa contrastava ainda com o seu cheiro espalhado no ar. Meus olhos, vermelhos, evitavam os ambientes que fizeram parte de nossa história. Minhas mãos cerradas tentavam, desesperadamente, agarrar algo que já não existia mais. Você estava indo, eu sabia, e eu só podia lamentar que as minhas escolhas nos levassem até ali. Nunca quis tanto saber dizer o que sentia. Desejei saber colocar em gestos todo o meu gostar. Quis voltar no tempo para responder a você da maneira correta no momento em que eu não podia falhar. Mas não posso. Falhei. Não disse, não mostrei, não vivi. Deixei que os meses juntos fossem perdendo em força, medroso que fui em não assumir o óbvio.  Esperei o momento certo para ter você e ele passou porque eu não quis assumir. Por isso, quando a porta se fechou, estava eu de um lado e você do outro. Por isso, o último beijo dado não foi apenas mais um de muitos. Por isso, a esperança do retorno passou a ser tudo o que restou. Porque não há mais desculpas que possam salvar nós dois. Não há mais pedidos que possam te deixar aqui. Devia eu ter aceitado as incoerências e vivido o que tínhamos de especial. Agora, é silêncio, é dor, é ausência. É vontade de que, um dia, você volte. Afinal, o lugar, você sabe, ainda é seu – “que mora no meu coração”, não era assim?  

quarta-feira, novembro 28, 2012

Casanova lament

Quando ela puxou seu braço e ele a olhou mais uma vez, a chuva já caía forte e era hora de ir. Havia a expectativa de um beijo, e aquela troca de olhares pedia uma urgência que não cabia hesitar. Foram segundos. "Tchau, então". "Tchau".

Ela caminhou firme enquanto ele a via partir, já de dentro do carro. Não houve olhar para trás. Mas ele, como ninguém, sabia que tinha deixado o momento escapar. Perdera a cena perfeita. Logo ele, tão afeito à ficção que vivia a sonhar com algo assim. Logo com ela, recém-saída de suas páginas para a vida. Falhara?

Sim, falhara. Ainda que, romanticamente, pudesse pensar que o retardar tornava a conquista mais valiosa, sabia que não conseguiria dormir com a angústia do não ocorrido. Pensou em telefonar, descer do carro, enfrentar a tempestade. Mas a esquina já ia longe, e o beijo também. Resignou-se. O abraço seria tudo que teria para lembrar.

"O senhor quer um pouco de ar?" - o taxista ainda comentou.

"Você não imagina como..."

terça-feira, novembro 13, 2012

Candelabros

As luzes acesas lá fora ainda são opacas, mas isso não me incomoda. Prefiro a boa música que ecoa em minha sala ou o frio que chegou precocemente em mim. Enquanto isso, a cerveja que você deixou à mesa apenas esquenta, junto com a vontade de que o seu retorno possa acontecer. Enquanto isso, você caminha na chuva, misturando as gotas com as lágrimas e fingindo sorrir. Quase tudo igual. Sempre soubemos que eram outros os nossos caminhos, e que as mãos dadas não tardariam em desatar. Não me incomoda. Há tempos aprendi que a travessia pode valer mais do que o chegar. Talvez você lamente. Talvez você me odeie. Talvez tenha deixado para lá. Tanto faz. Eu pego outra cerveja. Eu deixo você não estar. Porque a música é boa, o frio também. A luz aqui dentro é mais do que metáfora. A chuva não cai sobre mim. Então invento alguém que eu saiba onde encontrar. E vivo minha ficção porque a realidade em que você está já não é a que me satisfaz.