terça-feira, dezembro 23, 2014

Os ponteiros


Olhar o calendário e constatar que mais um ano se passou o fez chorar outra vez. Não que as marcas da idade o incomodassem ou que o simples mudar de número representasse algo. Não. O que doía era reafirmar a ausência, a lembrança de que tudo permanecia igual – esse eterno retornar a uma felicidade que não se desenha mais como possível. E aí então ela vinha. Com forma, som, cheiro. Com saudade. Mas não era real, como nada do que vivera nos 730 dias que se seguiram desde então. Aos poucos, perdia as forças para sua busca por um recomeço improvável ou por um superar pleno, mantendo-se ciente de que o lugar do vazio era um só. Sem ela, os domingos ficaram cinza. Sem ela, o acordar ficou amargo. Sem ela, as horas ficaram pesadas. Estar ali, ao final de outro ano, com as memórias que insistiam em tomar o real, era afirmar que seu mundo parou desde então. Ruim, claro, mas ele não conseguia evitar. Virara refém de sua própria história, vítima de sua própria inabilidade para amar. Desejou ser homem de lata, sem coração que batesse no peito. Só que era tarde demais. O calendário não dizia apenas que mais um ano se passou. O calendário clamava por um mudar de páginas que significasse que era tempo de voltar a sentir. Ele ouviu a campainha tocar. Escreveu o nome dela no papel mais uma vez. Quis voar, leve como quando ela ainda estava, só que suas asas ficaram quebradas. Era pássaro triste, incapaz de cantar. Engoliu a data e pediu ao céu que a chuva voltasse a cair. Só assim, sem o sol de um novo dia, não se lembraria do sorriso que ela levou dali.