domingo, abril 02, 2006

O Branco

Resolvi lidar com a brancura das folhas. Não por achar que há algo de útil para ser colocado nelas, mas por acreditar que esse deve ser o destino de quem nasce plantando o vazio. E não me importam também as palavras que nelas depositarei, pois hoje o sentido não é o que me move. Simplesmente sinto, e por isso escrevo. Sou mais um na tarefa de trazer para o tátil o que é abstrato, comum e redundante. Desnecessário até, eu diria. E mesmo assim faço. Tolo, simplório e mambembe. Direto.

Para começar, um nome. Lara. Alguns pediriam a idade, outros as características físicas. Eu dou apenas o nome e um hábito qualquer, porque ela é só mais uma, como todos somos. Depois, um sentimento. Saudade seria óbvio, tristeza seria cômodo. Talvez a ira. Mas que personagem conquista o leitor por algo tão negativo? As pessoas gostam de ler sobre aquilo que elas nunca serão ou aquilo que até sonham em ser. Mas o amor esgota o assunto na mesmice que recai sobre si. E eu não quero conquistar ninguém. Fico com a apatia.

Depois, viria o quando. E o como. E o onde. E o porquê. E eu não sei responder, nem quero, nem pretendo. Ao inferno as convenções, a lógica. A folha era branca, e eu só senti que ela não podia continuar assim. Podia ter feito desenhos, rabiscado, amassado, jogado fora. Mas existem as malditas palavras, e elas insistem em brotar dessas mãos inquietas de pseudo-escritor. Não, não cumpro minha sina. Não sou poeta por direito. Sou flaneur por linhas simetricamente colocadas no vazio dessa cor angustiante.

Mas Lara existe, e me olha. E me pede palavras em sua boca, pensamentos em sua mente, paixão em seus afetos. E ela caminha pelo quadrilátero vazio de onde a luz brota preguiçosamente, afoita com sua mesmice. Enquanto isso, só me sobram as palavras iguais, que definem um sem-número de universos já cantados em verso e prosa. Ela não sorri, porque não a ensinei. Mas vejo nos olhos que não fecham as lágrimas que não existem e o choro que teima em silenciar. Por segundos sou capaz de me arrepender de sua existência. Apenas segundos.

Porque o momento seguinte já é meu, e Lara não está mais aqui. Mas seu cheiro ficou no ar, enquanto o papel se curva ao vento que lhe sopra novos caminhos ao ouvido. São só palavras, alguém me avisaria, mas somente os arrogantes acreditam em sua mente, e não fujo à regra. Escrevo sobre o nada como se soubesse tudo, e crio no vazio um planeta completo. Deserto. De letras que crescem para se tornar palavras que se perdem para se tornar exatas. De gente que se cria personagem para ser real no que não existe.

Enquanto isso, Lara espera. Não tenta mais fugir da folha, não acredita que seu destino chegará ao ponto final. As linhas já não existem mais, nem para mim nem para ela. Acabamos sendo silêncio, autor e personagens tornando-se um.

E há outras folhas no bloco que insistem em me chamar.