sexta-feira, dezembro 08, 2006

Reiventando o irreparável

Eu queria ter te dito a palavra mais doce. Queria ter te dado o abraço mais apertado, o beijo mais carinhoso, o afago mais adequado. Queria ter olhado nos seus olhos sem medo, ter revelado meus pensamentos mais bobos, ter sussurrado palavras sem sentido. Queria ter cantado aquela música que sempre foi nossa, ter dado um sorriso pela sua felicidade, ter tido aquele seu sorriso que me trazia felicidade. Queria ter enxugado suas lágrimas na hora que escorriam, ter soluçado no seu peito por estar angustiado, ter desabafado por agir sempre errado. Queria ter sentido mais vezes o seu cheiro, ter visto mais filmes abraçado, ter dormido ao seu lado. Queria ter contado estrelas com os dedos, ter escrito poesias inadequadas, ter ouvido você respirar e pensar como era bom estar vivo ali. Queria ter tido mais almoços, jantares. Queria ter preparado o café da manhã, ter tomado sorvete de fim de tarde, ter bebido vinho de madrugada. Queria ter sabido o que você sempre deixou óbvio, ter dado o presente no dia certo, ter ligado quando era hora. Queria ter a consciência de que ainda era tempo, ter a decência de não fugir do erro, ter a sapiência para não insistir quando já é tarde. Queria ter dito como eu gostava de você, ter mostrado como você era a pessoa certa, ter revelado como eu era um tolo por não reconhecer. Queria ter dado o meu melhor por saber que tinha o melhor de você. Queria ter segurado a sua mão e falado o quanto eu precisava de você, ter pedido ajuda para não sumir, ter sido sincero para não precisar me envergonhar. Queria ter deixado você ser a única, porque de fato era, e não temer isso como um adolescente que não sabe o que fazer quando começa a amar. Queria não ter perdido a esperança de que você ainda estaria aí, ter de volta a sua vontade de estar comigo para o que fosse a vida juntos. Queria ter berros, suspiros e suas mãos entre as minhas. Queria ter prometido que faria você feliz e cumprido. Queria ter feito você se sentir especial como era. Queria ter saído do meu mundo para criar o nosso e de mais ninguém. Queria ter sido clichê para poder reinventar o amor ao seu lado. Queria voltar e ser feliz. Porque eu só queria ter sido eu como deveria ser para você para você ser para sempre o que eu queria para mim. E fim.

domingo, abril 02, 2006

O Branco

Resolvi lidar com a brancura das folhas. Não por achar que há algo de útil para ser colocado nelas, mas por acreditar que esse deve ser o destino de quem nasce plantando o vazio. E não me importam também as palavras que nelas depositarei, pois hoje o sentido não é o que me move. Simplesmente sinto, e por isso escrevo. Sou mais um na tarefa de trazer para o tátil o que é abstrato, comum e redundante. Desnecessário até, eu diria. E mesmo assim faço. Tolo, simplório e mambembe. Direto.

Para começar, um nome. Lara. Alguns pediriam a idade, outros as características físicas. Eu dou apenas o nome e um hábito qualquer, porque ela é só mais uma, como todos somos. Depois, um sentimento. Saudade seria óbvio, tristeza seria cômodo. Talvez a ira. Mas que personagem conquista o leitor por algo tão negativo? As pessoas gostam de ler sobre aquilo que elas nunca serão ou aquilo que até sonham em ser. Mas o amor esgota o assunto na mesmice que recai sobre si. E eu não quero conquistar ninguém. Fico com a apatia.

Depois, viria o quando. E o como. E o onde. E o porquê. E eu não sei responder, nem quero, nem pretendo. Ao inferno as convenções, a lógica. A folha era branca, e eu só senti que ela não podia continuar assim. Podia ter feito desenhos, rabiscado, amassado, jogado fora. Mas existem as malditas palavras, e elas insistem em brotar dessas mãos inquietas de pseudo-escritor. Não, não cumpro minha sina. Não sou poeta por direito. Sou flaneur por linhas simetricamente colocadas no vazio dessa cor angustiante.

Mas Lara existe, e me olha. E me pede palavras em sua boca, pensamentos em sua mente, paixão em seus afetos. E ela caminha pelo quadrilátero vazio de onde a luz brota preguiçosamente, afoita com sua mesmice. Enquanto isso, só me sobram as palavras iguais, que definem um sem-número de universos já cantados em verso e prosa. Ela não sorri, porque não a ensinei. Mas vejo nos olhos que não fecham as lágrimas que não existem e o choro que teima em silenciar. Por segundos sou capaz de me arrepender de sua existência. Apenas segundos.

Porque o momento seguinte já é meu, e Lara não está mais aqui. Mas seu cheiro ficou no ar, enquanto o papel se curva ao vento que lhe sopra novos caminhos ao ouvido. São só palavras, alguém me avisaria, mas somente os arrogantes acreditam em sua mente, e não fujo à regra. Escrevo sobre o nada como se soubesse tudo, e crio no vazio um planeta completo. Deserto. De letras que crescem para se tornar palavras que se perdem para se tornar exatas. De gente que se cria personagem para ser real no que não existe.

Enquanto isso, Lara espera. Não tenta mais fugir da folha, não acredita que seu destino chegará ao ponto final. As linhas já não existem mais, nem para mim nem para ela. Acabamos sendo silêncio, autor e personagens tornando-se um.

E há outras folhas no bloco que insistem em me chamar.

segunda-feira, fevereiro 27, 2006

Atores Perfeitos

Ele se virou para o lado e os seus olhares cruzaram novamente. Apesar do tempo longe, foi capaz de sentir aquilo da mesma forma que há mais de um ano. A respiração se manteve forte, o orgulho também, e em poucos segundos já fingia que nada havia acontecido, que estava imune àquele reencontro.

Mas não estava. E ela sabia disso, e parecia olhá-lo ainda mais fixamente, com a certeza de quem um dia foi capaz de enxergar muito além da superfície dura e arrogante. Suas mãos eram as mesmas, trêmulas, só as unhas tomadas de cor se afastavam do passado. Ela havia mudado, sem dúvidas. Mas não tanto que ele também não a reconhecesse.

Falaram. Ele falou. Ela tentava. Havia uma tensão no ar, algo que qualquer um seria capaz de prever, menos os tolos que se consideram imunes ao que vem quando se mexe em baús de antiguidades. É como olhar uma foto antiga e não se perguntar o que passava na cabeça naquele momento. Ou ouvir uma música de outra década e não ser tomado pelas reminiscências de uma situação qualquer. Ilusões próprias. Necessárias para a sanidade.

E então veio o objeto. "Afinal, foi para isso que viemos aqui, não é?". Não, óbvio que não. Eles foram para estudar um ao outro, ver quem sobreviveu melhor, quem percorreu outro caminho, quem consegue ser inabalável, quem é mais forte... ou quem cede primeiro. Porque alguém vai ceder, vai dar o primeiro toque, o primeiro passo, e se render ao inevitável do reencontro.

Não. São olhares, gestos ensaiados, tímidos, pensados, relutantes. Distantes, ainda que próximos. Não avançam. Não podem avançar. Aprenderam a ser românticos e dali nada farão.

Talvez tudo vire palavras. Costumam ser assim. Dizem para si o que não diriam para o outro. Defender.

Foi para isso que voltaram ali. E ainda voltarão.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Dos sons que tiram os sonhos daqui

Treze vezes o relógio bateu e ele relutou em acordar. Mexera-se levemente, abrindo os olhos por não mais do que dois segundos para encarar o raio de sol que fugia por entre a fresta na cortina. Estava calor. Ainda não conseguia raciocinar direito, a cabeça lenta que acabava de despertar. Aos poucos, lembrara que sonhara durante a noite. ?Mas todos sonham?, o leitor irá dizer. E eu digo: não ele. Não ele, que desconhecia até o sonhar acordado. Cético, talvez sequer conseguisse visualizar a realidade. Mas as treze badaladas do relógio lhe disseram algo, e a preguiça precisava lhe abandonar. Seu corpo fez algum esforço, reclamou, mas enfim tomou movimento.

Levantou-se. A cozinha não era longe, e sabia que havia um resto de leite na geladeira. No caminho, jornais espalhados tentavam atrapalhar os pés que cismavam em se arrastar. Esfregou os olhos com força, tentando injetar ânimo em ao menos um dos sentidos. De pouco adiantou. Era início de tarde, mas tudo cheirava a manhã. Mais uma vez a lembrança de um sonho tomou-lhe a mente e se foi com o primeiro gole de leite. Era bom sentir um líquido que não tirasse seus sentidos descer pela goela depois de tantos dias. A cabeça agradecia.

Estava desperto agora. Inquieto. Sentia fome. Sabia bem aquela sensação. Afinal, sentia fome há vários dias. Nem por isso tentava comer. Talvez achasse bom sentir seu corpo declarando-se vivo. Nessas horas costumava lembrar que havia algo com que se preocupar além de olhar o teto ou estalar os dedos. De vez em quando, tomava uma atitude e fazia algo de produtivo. Refletiu por alguns segundos, buscando algo que lhe desse sentido naquele cedo-tarde dia. Nada lhe ocorreu.

Deitou-se. A sensação de que tivera um sonho antes lhe preencheu outra vez. Fechou os olhos. Quis dormir.

De repente existia algum sentido que o tempo não dissesse. Calou os sons que lhe tiravam dali.