sexta-feira, abril 12, 2002

Bola de Papel

O papel continuava em branco, exceto por uma discreta mancha de tinta no canto inferior esquerdo. Uma mão, a que segurava a caneta-tinteiro, parecia frágil, como se não suportasse o peso daquele pequeno instrumento. A outra, mais decidida, sustentava a testa com força, como se ajudasse em um esforço máximo de concentração.

Retrato-vivo, ele estava parado naquela posição há minutos. Os olhos miravam o espaço em branco em tom de súplica, pedindo compreensão e auxílio daquele que um dia fora seu maior companheiro. Não obtia qualquer resposta. Suspirou profundamente e tentou rabiscar algo na folha. A imprecisão das palavras irritou-o a tal ponto que quase atirou a caneta de encontro à parede. Na mesa iluminada por uma pequena luminária de querosene, sua angústia parecia crescer.

Levantou-se e caminhou até a janela. Procurou estrelas no céu mas só as encontrou em seu pensamento. A noite era fria, como todas daquele mês. Olhou mais uma vez o papel em branco. Jamais imaginara uma metáfora tão perfeita para si mesmo. Vazio. Puxou a cadeira com sutileza e se posicionou mais uma vez diante daquilo que se tornara o seu maior desafio.

De súbito, a caneta agora percorria a superfície com desenvoltura. Parecia ter vida própria. Uma. Duas. Três linhas. Parou mais uma vez. Seus olhos acompanharam afoitos o que escrevera até ali. Fecharam-se lentamente. Abriram, porém, a tempo de presenciar as palavras uma a uma serem riscadas.

Havia agora uma grande mancha preta na folha. Com as duas mãos, levou-a à altura do queixo e a amassou com um prazer antes nunca sentido por ele. Voltou à janela e atirou a pequena esfera que se constituíra dos pedaços de sentimentos escritos.

Pela primeira vez entendera o quanto era difícil escrever o amor.