quinta-feira, maio 30, 2002

Em Um Quarto Escuro

Decidiu que não ia mais se levantar da cama. Ali o mundo parecia mais seguro – era onde se sentia imune a qualquer coisa, capaz de ser feliz de fato –, por isso não havia motivos para sair daquele lugar tão aconchegante. A escuridão do seu quarto trazia a sensação de que, além dele, nada mais existia, e dispersava os pensamentos capazes de lhe fazer sofrer. Na verdade, odiava lembranças. Se tivesse a opção de remover do seu íntimo algo, seria a ridícula capacidade de guardar momentos na memória e traze-los à tona quando menos conveniente.

Mantinha os olhos abertos. Não tinha idéia da hora, mas podia precisar que já era tarde da noite. Madrugada, talvez. Era sempre assim. Não conseguia deitar e simplesmente esquecer de tudo, por mais que quisesse. Seus pensamentos eram tomados por todos os seus fracassos, pela noção de que era incapaz de acertar pelo menos uma vez. Recontava as experiências, via que os erros se repetiam com inacreditável freqüência e só conseguia chorar. Tornara-se um fraco, é verdade. Fragilizado por constantes decepções, atirado ao isolamento por não agüentar mais colecionar insucessos. Se um dia existira esperança em seu peito, ela com certeza se perdera.

Parecia que o mundo se tornara complexo demais para ele. Estava com medo de viver em companhia de outras pessoas, como se todos fossem ameaças à sua felicidade. Não conseguia perceber, no entanto, que não havia mais uma felicidade a ser estragada. Sua conduta lhe fazia amargo e o afastava daqueles que ainda tinham algum tipo de carinho por ele. A solidão daquele momento em seu quarto nada mais era do que uma metáfora do que estava por se tornar a sua vida.

Fechou os olhos por um breve instante e teve vontade de não estar mais ali. Ao abrir, porém, percebeu que nada mudara. Os castelos de areia em que calcou sua vida estavam destruídos há tempos, e era tarde demais para mudar o mundo de ilusões e fantasias que criara para si.

Abraçado ao seu travesseiro, chorou mais uma vez. Descobriu que precisava muito mais do que a escuridão de um quarto e uma cama aconchegante para fingir ser feliz, mas um pouco tarde para que as coisas pudessem ser diferentes. Só conseguia pensar no que havia deixado para trás.

Precisava ter aprendido a viver no universo real.