quarta-feira, março 06, 2002

Cegueira Noturna

Eu já estava caminhando há alguns minutos quando ela passou por mim. A madrugada era clara, de lua cheia, por isso mesmo não fazia idéia de quão tarde podia ser. Na Avenida Atlântica, singularmente bonita, movimento intenso de pessoas e carros em todas as direções. Como sempre.

Amava Copacabana desde que eu era bem moleque ainda, quando meu pai me levava para andar na praia e apreciar, segundo suas próprias palavras, "aquilo que a natureza fez de melhor": as mulheres. Eu devia ter uns nove ou dez anos, nem havia me interessado pelo assunto ainda, mas, para não desapontá-lo, concordava com um sorriso amarelo ou um aceno de cabeça cada vez que ele proferia um elogio às moças que passavam no calçadão. Quando ela passou por mim, senti-me de volta a esse tempo, à infância que já se apagava da minha memória.

Não, não sou tão velho. Na verdade, estar ali me deixava especialmente nostálgico, carente de ingenuidade. Tudo era muito estranho e se confundia em minha cabeça. Eu já era parte de Copacabana, assim como Copacabana já era parte de mim; minha essência, minha alma, minha dor. Sentia Copacabana correr em minhas veias, ouvia Copacabana me chamar na madrugada. Por isso mesmo a Avenida Atlântica era meu lar naquele momento. Só podia ser ali.

Ela olhou em meus olhos com um brilho que nunca havia visto igual; um sorriso discreto atenuou a alvidez de sua pele, antes merecedora de minha atenção devota. Os cabelos ruivos deslizavam sobre seus ombros de tão lisos que eram. Seu andar transmitia segurança e delicadeza, ternura e desafio. O adereço perfeito à beleza de tal lugar.

Quando ela passou ao meu lado, tentei dizer alguma coisa, mas não consegui. Estava atônito, tal qual a primeira vez que avistei a imensidão daquela avenida na companhia de meu pai. Ela se foi e não tive coragem de olhar para trás. Achei por bem não interromper seu caminho, modificar seu destino. Continuei em minha direção, caminhando rumo ao nada. Como sempre.

Ainda hoje, quando Copacabana grita por mim tarde da noite, saio à rua e lembro com clareza fotográfica dela vindo em minha direção, sorrindo e olhando de forma única.

E a odeio por um dia ter me deixado cego para a visão daquilo que me é mais importante.

Copacabana.