sábado, setembro 22, 2001

Trapo

Sempre correra atrás de um grande amor. Procurava-o em cada esquina, em cada nova relação que iniciava sem vontade. Às vezes até sofria pelo término de uma ou outra dessas, mas não durava mais do que algumas semanas assim.

Ouvia de todos que ainda não havia chegado a sua hora, que um verdadeiro amor estava à sua espera. Entretanto, não acreditava nisso. Na verdade, sentia justamente o contrário: que as oportunidades já tinham surgido em sua vida e que ele não aproveitara.

Começou a questionar se não haveria algo de errado com ele mesmo. Seria possível viver sem amar? Com toda certeza, pois senão já teria morrido há tempos. Então por que continuava imune a esse sentimento? Não conseguia mesmo entender.

Aos poucos, foi acostumando-se com a idéia de que não havia nascido para amar. Construiu uma muralha em volta de si e resolveu não se aventurar mais em qualquer relação. Passou a ser considerado extremamente frio por todos aqueles que o cercavam e parecia orgulhar-se disso.

Afastou os amigos de anos por conta de tão arredio comportamento. Logo depois foi a vez dos parentes mais próximos. Não saía mais de casa, não atendia aos telefonemas e nem respondia às cartas enviadas. Tinha como única companhia a velha aparelhagem de som e sua coleção de discos de jazz.

Transformou-se por completo. A aparência agora era das mais repugnantes: barba por fazer, cabelo sem corte, roupas surradas. Não tinha motivos para estar diferente, é verdade, mas estava chegando ao extremo, e isso preocupava os poucos que ainda nutriam alguma compaixão por sua figura.

Meses se passaram sem que houvesse notícias de mudanças em seu comportamento. Parecia que havia mesmo acreditado que não teria chance de amar e se desligado do mundo. Como conseqüência óbvia, qualquer resquício de lembrança de sua pessoa foi apagado daqueles com quem convivera um dia.

Certa vez, caminhando pela casa enquanto ouvia um compacto de Chet Baker à meia-luz, reparou em sua imagem refletida suavemente na janela e observou-a por alguns instantes. Sentiu desprezo por si mesmo. Transtornado, lançou janela afora a taça de vinho praticamente cheia e começou a chorar compulsivamente.

Da gaveta onde estava a luminária tirou o revólver do qual disparou um tiro certeiro em sua própria fronte.

Quando encontraram o corpo, cerca de duas semanas depois, o impacto foi enorme. Todos se perguntavam o porquê de uma escolha tão errada e de um fim tão trágico para uma vida que poderia ser genial.

Mal sabiam que ele morrera por descobrir, ao avistar seu reflexo, que o amor que tanto procurara estava o tempo todo ao seu lado e que havia jogado fora ao longo daqueles anos.

O amor por si mesmo.