domingo, novembro 04, 2001

Outubro

Pediu mais uma taça de vinho ao garçom e se calou novamente. Devia ser a sétima ou a oitava, não sabia mais. À sua volta, por todo o restaurante, pessoas comiam e bebiam freneticamente. Falavam alto. Estavam felizes e em grupos. Enquanto isso, ele estava ali. Numa mesa de canto, sozinho, calado. A pouca luz do ambiente fazia com que ninguém o notasse. Talvez por isso tenha chorado.

A cadeira vazia à sua frente parecia representar muito mais do que ele próprio imaginava. Era o retrato fiel do que havia feito com sua vida em pouco menos de um ano; mais precisamente, era a representação de seu maior medo, daquilo que o perseguia desde a infância: a inevitabilidade de, com o tempo, ficar sozinho de vez.

Assim que o garçom chegou com a nova taça, voltou a manter o controle. Enxugou os olhos com as costas da mão e agradeceu a eficiência do serviço. Em segundos, levou o recipiente até a boca e sorveu todo o líquido. Queria embriagar-se para ver se diminuia toda a angústia que sentia naquele momento. Entretanto, à medida que bebia, sentia sua dor crescer mais.

O quarteto de jazz já tocava há uma ou duas horas, mas só agora o havia notado. A música que preenchia o ambiente agora lhe trazia recordações em péssima hora. "My Funny Valentine". Escutara pela primeira vez ainda jovem, interpretada por Ella Fitzgerald ou Chet Baker, não sabia ao certo. Mas sempre fora a sua preferida, e marcara, mesmo que ela não soubesse, toda a sua história com a única pessoa que havia amado de fato. Sem ela ali, toda aquela cena não fazia sentido.

Não suportando aquela situação, pediu a conta. Antes, porém, foi ao banheiro. Lavou o rosto, ajeitou a gravata e tomou uma decisão. Não poderia se dar por vencido sem ao menos tentar uma última vez. Deu o dinheiro ao garçom e saiu do restaurante. Caminhando pela rua, avistou o prédio onde ela mora. Apesar de já serem mais de duas da manhã, viu que a luz da sala ainda estava acesa. Sem que desse tempo para questionar seus próprios atos, encaminhou-se até a portaria e pediu ao vigia que a chamasse.

A previsível recusa dela em recebê-lo foi imediata. Ele não se alterou. Calmamente, agradeceu ao empregado e se retirou dali. Enquanto caminhava para casa, trôpego, confuso, repensava toda a história, buscando o que havia feito de errado para que tudo terminasse assim. Uma vez mais, não conseguiu chegar a conclusão alguma.

Olhou para o céu e avistou a bela lua que iluminava tão triste noite. Lembrou-se da promessa que ela um dia lhe fizera, de que ele não haveria de ser triste enquanto ela estivesse viva, e esboçou um sorriso irônico. Como as coisas poderiam ter mudado tanto? Mais do que nunca, sabia que tinha posto tudo a perder.

Foi assim que, na melancolia de uma madrugada qualquer de Outubro, teve a certeza de que não nascera para ser feliz. Desde então, viveu sua vida esperando a morte chegar, desejando ao mundo que não padecesse do mesmo mal que ele: ter amor por alguém e não saber o que fazer com isso.

"Tornar o amor real é expulsá-lo de você
Pra que ele possa ser de alguém"

Nando Reis, "Quem Vai Dizer Tchau?"