segunda-feira, dezembro 17, 2001

Para Entender Os Humanos

A noite começava a cair quando ela chegou à portaria de seu prédio. Esbaforida, adentrou a portaria e apertou o botão do elevador. 12º andar. Iria demorar alguns minutos para descer, e ela não podia esperar tanto. Tomou as escadas e subiu correndo até o seu apartamento no 8º andar.

Abriu a porta de casa e acendeu a luz. O apartamento ainda estava revirado. Papéis espalhados e roupas por todos os lados davam o tom caótico do local, assim como os objetos jogados ao chão e os vidros rachados que não a deixavam esquecer o que havia acontecido a poucas horas naquele mesmo local.

Deviam ser pouco mais de três da tarde quando a campainha tocou. Pelo pequeno orifício da porta pode ver quem se encontrava ali. Deu dois passos para trás e pensou se valia a pena abrir. Caminhou até a cozinha e pegou um copo d'água, enquanto a campanhia voltava a tocar. Aproximou-se da porta e, com uma calma surpreendente, abriu.

Olhou o relógio e viu que já se passavam das oito horas da noite. Pegou uma roupa qualquer no armário e entrou no chuveiro. Aprontou-se em pouco mais de 20 minutos. Reparou mais uma vez no apartamento todo desarrumado e teve ainda mais raiva do que havia acontecido. Porém, como estava com pressa, não podia perder tempo arrumando as coisas agora. Apagou a luz e fechou a porta.

Ele entrou rapidamente. Olhou-a nos olhos e disse que precisavam conversar. Ela continuou bebendo sua água, com certa indiferença ao que ouvia. Não conseguia abstrair, contudo, da tristeza que tomava conta da face daquele que um dia amara tanto. Num gesto desesperado, tentou pegar sua mão, e ela, arredia, esquivou-se. Mandou que se sentasse e colocou o copo na pia.

Enquanto descia no elevador, ia cantarolando baixinho a melodia de "My Funny Valentine". Sempre que estava triste colocava essa música para tocar, mas nem para isso ela tinha tempo agora. Já estava ficando tarde e iria acabar se atrasando ainda mais. Como era impossível esquecer aquele hábito, seguiu cantarolando até chegar à garagem e pegar seu carro.

Já fazia meia hora que ele estava ali, falando sem parar. Ela continuava apenas observando, pensando até quando aquilo iria durar. As lágrimas caíam compulsivamente dos olhos do rapaz, com ela permanecendo impassível diante de toda aquela cena.

As ruas livres eram um convite à direção perigosa. Ela acelerou seu carro, ultrapassando os cento e vinte quilômetros por hora. O rádio às alturas tocava algum antigo sucesso dos Rolling Stones. Quem a visse tomada por tal euforia, jamais poderia imaginar que não mais do que oito horas atrás estava num estado de absoluta insatisfação.

Levantou-se do sofá e caminhou até o quarto. De lá, trouxe uma caixa de tamanho razoável. Abriu-a sem dar uma palavra e foi retirando um a um todos os presentes que ele havia lhe dado em quatro anos de relacionamento. Quando acabou, secamente se pronunciou: tire-os daqui. Ele ficou atônito.

Dirigia agora calmamente. Estava chegando e não precisava mais ter tanta pressa. Apesar do atraso, conseguira estar lá em um horário bastante razoável, e não haveria de ouvir reclamações por causa disso.Estacionou o carro e desceu, caminhando logo até a entrada.

O rapaz não consegui acreditar no que estava acontecendo. Não iria ficar ali suportando tamanha humilhação por nada. Resolveu então mudar aquela situação. Foi até a estante e, enquanto ela permanecia sentada, observando-o, atirou ao chão tudo o que ali estava. Em seguida, abriu as gavetas da escrivaninha e revirou os papéis, espalhando-os por todo canto.

Tocou a campainha por três vezes, mas ninguém atendeu. Estranhando tal situação, puxou o telefone celular da bolsa e discou. Conseguiu ouvir o telefone tocando dentro da casa, porém não obteve retorno do outro lado da linha. As luzes do lado de fora estavam acesas, o que parecia ser um indício de que havia alguém lá.

Partiu para cima dele com raiva e tristeza. Sabia que tinha dado motivos para que ele tomasse uma atitude como aquela, mas mesmo assim sentiu-se injustiçada. Ergueu a mão e tentou dar-lhe um tapa na cara, no que foi prontamente impedida por outra mão, a dele. Gritava para que a soltasse e ele não parecia ouvir. De pé, permanecia ali a olhá-la, agora com uma estranha indiferença.

Tentou tocar mais duas vezes a campainha. Sem sucesso, optou por pular o muro e ver o que estava acontecendo. Os cachorros não latiram. Conseguia agora ouvir bem ao fundo uma música, algo como uma velha canção típica. Caminhou pelo pequeno terreno que separava o muro da porta da casa com certo receio do que pudesse estar acontecendo. Chegou até a janela e olhou para dentro da sala.

Ele virou as costas e foi embora do apartamento. Ela ficou jogada ao chão, chorando copiosamente. Em sua cabeça, a idéia de que algo precisava ser feito como resposta era pulsante e repetitiva. Não queria mais aquele cara na sua vida, e faria de tudo para que ele sumisse de vez.

Lá dentro, o ambiente não estava muito claro. Apenas a luz de uma pequena luminária preenchia a sala. Seus olhos, porém, avistaram uma cena que ficaria marcada para o resto da sua vida: o rapaz agarrava uma outra jovem por trás, ambos sem roupa. Deitaram-se no chão e iniciaram uma transa tórrida, a qual lhe arrancou lágrimas de indignação. Saiu de lá com pressa, visivelmente transtornada.

Ele nunca mais a procurou, ela também não. Por mais que um ou outro tivesse alguma recaída, mantiveram o distanciamento necessário para se tornarem apenas um ponto no passado, a sombra de uma relação conturbada e sem importância, no final das contas. Assim como devem ser todas as relações.