terça-feira, novembro 06, 2001

Drama de Morte

O grande número de pessoas concentradas em volta do corpo atestava o gosto pelo mórbido que o ser humano tem. Em uma tarde de terça-feira, não menos do que 30 pessoas estavam ali, paradas naquela rua do Leblon, observando o cadáver de um jovem de aproximadamente vinte e três anos. O porteiro, desesperado, tentava afastar a todos, enquanto esperava a chegada da perícia. O rapaz era morador do prédio em frente. Décimo primeiro andar. Estava sozinho em seu apartamento. Tudo indicava que havia sido suicídio.

A chegada dos especialistas do IML e uma revista ao corpo confirmaram as suspeitas, logo que foi achada uma carta no bolso do terno que usava. Esse fato, por sinal, era bastante curioso. Por que usar um terno para se matar? Para se morrer com elegância? Ninguém conseguia entender.

De qualquer forma, todos que estavam em volta, ao verem o papel, começaram a pedir afoitamente a leitura do mesmo em voz alta por um dos encarregados de remover o corpo. Quem sabe ali não teria os motivos que o levaram ao suicídio? O rapaz agora parecia fazer parte da vida dos que ali se encontravam desde o ocorrido, e não houve quem saísse dali até que a carta fosse lida.

Alguns olhos marejaram, alguns ouvidos mostraram-se atentos, alguns corpos tremeram assim que suas últimas palavras começaram a ser lidas para aquela platéia.

"Hoje pensei em me matar. Na verdade, venho pensando nisso constantemente, desde que tudo aconteceu. Uma, duas, três vezes por dia. Até já me preparei para fazê-lo, mas sempre desisto na última hora, tomado por uma esperança súbita e idiota de que tudo vai melhorar.

Penso que não devo desistir, mas penso isso sem firmeza. Sei que mais cedo ou mais tarde vou me dar por vencido. Será que ainda vai demorar muito? Não aguento mais essa espera. Esse sofrimento podia acabar logo, na boa. Simples, rápido. O que me falta para fazer? Coragem? Nada pode me fazer mais mal do que já venho me fazendo até aqui.

Viver com dor não é viver. Quero ser alegre, mas como? Tudo parece tão difícil. A cada dia me sinto mais sozinho, mais perdido. Com quem achava que poderia contar descobri que era uma ilusão.

Cansei de falsas promessas, de falsos carinhos. Dessa hipocrisia de fingir que gostam de mim eu não preciso, muito menos desse sentimento de pena que vocês que estão lendo essa carta estão tendo agora. É ridícula essa falsa preocupação. Que se foda o mundo! Eu não preciso de ninguém querendo tentar gostar de mim.

Por que as pessoas fingem? Por que tentam evitar que eu faça algo comigo se elas nem se importam de fato? Ninguém sabe o que eu tô sofrendo, e nem quero que saibam. Minha vida é só minha, eu faço o que quiser dela. Cansei de intromissões, de tentativas ridículas de compaixão. Esqueçam que eu existo. Esqueçam que eu existi, porra! A vida é assim, não é? Todo mundo chega ao fim um dia. Por que não posso escolher o meu?

Isso é como no cinema, vocês não entendem? Lá a gente escolhe o destino do personagem logo que se começa a escrever a história. É mais simples assim. Por que não posso ter o direito de fazer isso com a minha vida? É mais simples assim.

Pensar demais faz mal. É, cansei de ouvir isso dos outros. Então agora não quero nem pensar, só acabar logo com isso. Sem medo, sem culpa. Eu criei meu mundo assim, agora acabo com ele também. É minha decisão, é minha vida, e não quero mais me fazer esse mal.

Desejo que o mundo siga em frente, com toda sua mediocridade, mas sem mim. Só espero que as pessaos sejam muito felizes. Felizes como nunca fui."

Quando as últimas palavras acabaram de ser lidas, o corpo já havia sido retirado do chão. Aqueles que presenciaram o ato final de um personagem anônimo foram-se com a certeza de que o suicídio não era uma boa saída para se resolver os problemas. Mas, com toda certeza, era perfeito para tornar a morte um drama muito maior do que deveria realmente ser.