sábado, abril 23, 2005

Pequeno dicionário do silêncio e do pensamento

Abria a boca e não emitia um som sequer. Sentia-se preso dentro de seu próprio corpo, os sentimentos pedindo para saírem e ele, angustiado, incapaz de libertar tudo aquilo que apertava o peito. Doía não poder mostrar o que tinha em si, ainda que fosse capaz de compreender tudo aquilo que o cercava. De sua boca vinham apenas grunhidos impossíveis de ser entendidos, um misto de angústia e vontade de liberdade, uma aflição que parecia não ter fim. Talvez por isso seus olhos dissessem tanto, cada olhar imprimindo uma verdade ao mundo que poucos seriam capazes de notar. Mas a visão humana era limitada, ele sabia, por isso, por mais que enxergasse além do óbvio, aquilo era só seu, não havia como compartilhar. E assim muitas vezes pensava em se entregar, desistir, porque o caminho que ele via era só seu, e não tinha sentido seguir sozinho.

Só que havia um farol, então continuava ali. Uma luz lhe dava a direção, e o brilho que vinha do horizonte era tão intenso e reconfortante que o fazia insistir em perseguí-lo. Ali não precisava dos sons, nem dos gestos; quem o visse perceberia que era o lugar certo, e que ali encontraria a paz. Porque não havia palavras que dissessem tudo quanto era necessário naquele instante, que fossem precisas o suficiente para explicar o que só se sentia. Não havia prisão. Não havia corpo. Não havia nada. Mas havia sentido. E era tudo que bastava para ele se sentir bem assim.

Um dia, porém, tudo era escuro. A luz não mais piscava, os sons não mais existiam, o olhar não mais falava. Era só tristeza, um reflexo opaco num espelho partido.

Nunca entendera o que se passara para a vida se transformar daquele jeito. Como não tinha as palavras, era incapaz de explicar.

Melhor seria se ficasse assim.

A isso deram o nome saudade.