O Maior Espetáculo da Terra
Dez. Vinte. Trinta minutos, talvez. Na verdade, nenhum dos que estavam ali presentes poderiam precisar há quanto tempo aquele corpo estava jogado no asfalto quente. A face, desfigurada, deixava claro que o impacto havia sido muito forte. "Ela morreu na hora", diziam alguns. "Será que ela chegou a sentir dor?", perguntavam outros. Enquanto isso, o cadáver permanecia ali, largado ao chão, desfazendo-se do pouco sangue que ainda insistia em correr nas veias da pobre moça.
Não devia ser mais do que meio-dia quando ela saiu de casa. Sabia que ia ter um dia atarefado, e estava atrasada. "Tenho que parar com essa vida vagabunda", repetia para si mesma enquanto descia no elevador. Os cabelos ainda estavam molhadas e tentava, desajeitadamente, passar batom nos lábios ao mesmo tempo que, já na rua, apressava o passo para chegar ao ponto de ônibus.
A pressa de nada adiantou, porém. Amargou uma longa espera até que passasse um ônibus que servisse. Quando chegou, a multidão que se aglomerava lá dentro quase a fez desistir, mas o fator tempo foi determinante para que continuasse. O trajeto comum demoraria pelo menos uma hora, não poderia mais esperar.
Poucos quilômetros tinham sido percorridos quando uma freada brusca surpreendeu a todos os passageiros. Em meio a cabeças que se precipitavam à sua frente, conseguiu enxergar, com certa dificuldade, o que ocorria. Diante do ônibus, duas viaturas fechavam a rua, impossibilitando qualquer passagem. Tentou, em vão, passar por entre as pessoas para sair da condução. Como única saída, resolveu saltar pela janela.
Ao fazer isso, contudo, não esperava que fosse ser interpretada de forma tão errada. Logo que alcançou o solo, avistou dois homens armados, apontando em sua direção. Em pânico e confusa, passou a correr sem rumo, ao mesmo tempo que ouvia três disparos e via o vidro do carro ao seu lado estilhaçando, o que não deixava dúvidas de quem era o verdadeiro alvo.
Entrou em uma rua transversal, esbarrando em todos que se encontravam no caminho, enquanto as vozes atrás dela iam se tornando mais intensas. Os passantes manifestavam-se, talvez surpresos com tão insólita cena, mas ela era incapaz de perceber quaisquer reações à sua volta.
Foi capaz de notar, no entanto, que estava agora diante de uma escolha difícil e que não poderia durar mais do que alguns segundos. Na frente, a poucos metros, uma avenida bastante movimentada. Logo atrás, dois homens que a perseguiam com armas em punho sem que ela mesma entendesse bem o porquê. Sua decisão foi puramente intuitiva e parecia a mais acertada no momento.
O som dos ossos se quebrando na frente do caminhão foi ouvido por todos que estavam na calçada naquele momento. Os dois policias sorriram com ar de escárnio e triunfo, virando as costas logo em seguida e caminhando lentamente na direção oposta.
Às treze horas e trinta e sete minutos daquele dia ensolarado de abril, uma pequena turma presenciou, atônita, a mais uma vida se perdendo de maneira insensata, digna dos filmes de grande bilheteria.
Quando o plástico preto cobriu o corpo em estado deplorável, as luzes se acenderam e a platéia foi para casa feliz por ter presenciado tão singular espetáculo da estupidez humana. O maior espetáculo da Terra.