Das voltas, o (re)início
Escreveu a última palavra e sorriu. Chegara ao fim de mais um texto, mesmo depois de tanto tempo sem escrever. Sentia-se livre novamente, longe do bloqueio que o fazia olhar para a folha em branco e só imaginar um destino para ela: o lixo. Cansara de falar das coisas tristes, cinzas e frias, de tudo aquilo que só fazia com que os outros se identificassem pelo lado mais obscuro, pela essência do sofrimento. Não, não era mais o seu caminho. Almejava aprender a usar suas palavras de forma mais positiva, sem clichês de "Londres-em-meio-à-névoa" e de "chuva-que-traz-saudade", e sabia que era possível. Talvez por isso aquela última palavra significasse tanto. Não era mais um peso, daí o sorriso, tão incomum. De fato, não havia sofrido para chegar até ali. Só tinha que achar os meios para continuar.
"Abriu os olhos e ergueu o corpo da cama. O livro havia terminado, a televisão não transmitia um filme que ele não tivesse visto. Olhou para todos os cds expostos na estante e percebeu que a música não trazia significado se enfurnada entre quatro paredes. Precisava soltar as amarras, precisava abrir as janelas e deixar o sol entrar uma vez, precisava sair, precisava. Ir. Sem saber para onde, sem saber por quê. Tal como no dia em que decidiu que devia buscar o seu espaço e se encontrar em si mesmo. Agora era a hora de perceber o que os outros podiam trazer para que ele alcançasse o ser completo, ainda que esse ser completo só se fizesse assim por breves minutos ou segundos. O quarto não era mais suficiente, seus objetos não eram mais suficientes. Seria mais."
Mas como saber o que viria a ser? Continuava rumo ao nada...