Mais do Mesmo Início
Olhou pela primeira vez depois de anos para a velha foto da casa onde passara a infância e sentiu saudades. Uma lágrima quase escorreu pelo rosto, mas foi contida pela mesma mão que há pouco achara aquela lembrança jogada embaixo de papéis na gaveta da cômoda ao lado da cama. O dia já tinha ido embora, e a pequena luz que iluminava o quarto de súbito tornou-se desconfortável para seus olhos. Achar aquela imagem em papel desbotado, quase sépia, significava voltar duas décadas no tempo, a uma época em que decisões não eram tão penosas e sua vida não havia mudado tanto. Olhava-se no espelho agora e sentia o peso de uma idade que não parecia ser a sua, curvada pelas responsabilidades que lhe vieram tão cedo e sem que desejasse. Não era mais forte, e só ela sabia disso. Antes, pouco importava como reagia ao que lhe vinha de repente, acostumada que era a não se importar com o diferente. Agora, tremia pelo inesperado, fugia do obscuro que o destino lhe trazia como oportunidade. Talvez tivesse se perdido na própria rotina que criara ao optar por viver sozinha desde que tudo se foi e não conseguia mais se achar em si mesma. Estava cansada de tentar definir. Aquela velha foto da casa onde passara a infância lhe dizia muito mais. Viu pela janela seu rosto alegre, brincando sozinha em seu quarto ainda bem nova. Ouviu os latidos do cachorro do vizinho e notou que a mangueira com que brincava no quintal nos dias de sol voltara a jorrar. Fechou os olhos e se sentiu em paz. Lágrimas escorreram livres pelo rosto, mas pela primeira vez em muito tempo, elas não eram de tristeza. Abriu os olhos e a foto continuava sépia. Guardou-a na gaveta, junto com o seu passado de meias rosadas e desenhos em papéis amassados. Era o fim daquela idade. Sabia que precisava seguir em frente.