sábado, fevereiro 15, 2003

Sem Título

Caiu mais uma folha da árvore lá fora. Acho que chegamos ao outono e nem percebi. É estranho, mas as estações do ano não são diferentes para mim agora. Na verdade, há algum tempo eu já não me importo mais se faz frio ou calor, se a chuva lá fora alaga as ruas por onde poderia andar ou se o sol queima a pele mais do que deveria. São coisas que parecem tão pequenas que prefiro não ligar para elas. Acho que fui mal acostumado, as sutilezas da vida não me comovem mais.

Queria poder olhar para a parede e dizer que o branco dela não me passa nada, mas estaria mentindo de novo, que nem aconteceu certa vez que você estava aqui. Agora falta algo nela, só não sei bem o quê. Já tentei preenchê-la com fotos e desenhos e ela continua olhando severa para mim, pedindo de volta o que eu não sei que se perdeu. Nem mesmo o urso polar de quem fiz só o contorno deixou o espaço mais familiar. Não sei de quem é a culpa pelo vazio, mas nesse quarto parece caber muito mais do que trago comigo ultimamente.

Em meus poucos metros, ando sem firmeza, receoso. Os passos que tenho dado nunca foram tão incertos e o gelo fino que cobre o meu caminho parece que vai se romper a qualquer momento. Fico parado, tentando evitar a queda. É frio lá embaixo, eu sei, e já chega de frieza por aqui. Deixo o vento ir embora, os pensamentos também. Queria tudo quieto como antes – foi assim que aprendemos a nos gostar, lembra? – só que o barulho das vontades agora é mais forte por aqui. Eu não consigo dormir assim.

Já sei que o livro largado na mesa de cabeceira está assim há mais tempo do que deveria, mas não tenho vontade de continuar a ler. Talvez hoje eu prefira ser mais burro, saber menos do que todo mundo (eu acreditava que sabia demais). Ou talvez não o leia simplesmente porque ele me lembra que eu o comprei junto ao seu presente de Natal do ano passado. Confesso que já nem sei ao certo. Às vezes parece que as palavras de suas páginas são tão silenciosas quanto as que tentam sair de minha boca, e em nossa mudez somos cúmplices e inimigos.

A verdade é que tudo que ficou está juntando poeira da mesma forma como junto solidão em mim.