quinta-feira, setembro 12, 2002

P&B

Ela caminhava com leveza, como se os seus pés mal tocassem o chão. Do rosto vinha uma alegria incontida, uma espécie de prazer que parecia ser único. Era impossível passar por ela e ser indiferente. Aquela mesma cena, vista todo dia por quem, às sete horas da manhã, passava pela Avenida Ataulfo de Paiva no trecho entre as ruas Carlos Góes e Cupertino Durão era capaz de dar mais cor às lindas manhãs do Leblon.

Seu nome ninguém sabia; a chamavam "moça do cabelo vermelho", mas só em conversas de bar ou caminhadas na praia, quando ela estava distante e se tornava traços nas memórias apenas. Despertava fascínio e medo, tanto que não se ouvia falar de uma só pessoa que já tivesse falado com ela. A intangibilidade criada pelos que a viam andando por lá havia se tornado tão forte quanto o mito em torno de sua própria existência.

A noite se anunciava lentamente. Os postes acendendo um a um, orquestra de vaga-lumes errantes, clamavam pelo calor humano em suas ruas. A boemia ainda não estava ali, apenas alguns passantes enfadonhos, apressados em suas vidas rotineiras. Não era a hora dela, mas ela apareceu mesmo assim. Branca, leve, serena, como naquelas manhãs. Seu rosto, no entanto, não era o de sempre. Em seu olhar, angústia tão grande parecia corpo estranho. Pela primeira vez, ela parou.

Um adolescente mal vestido aproximou-se. Decerto tinha doze anos, não mais, e era sua coragem pueril traço mais velho que o bairro-cenário. Talvez não tivesse visto a moça antes, talvez sequer soubesse de quem se tratava. Quem sabia, porém? Não a temia. Realidade e fantasia caminhavam juntas sem que se fizessem entender como um algo só naquela história. E a pequena mão que se pronunciou em gesto de afago, compreensiva e trêmula, logo a tocou. Não mais do que dez segundos. Os olhos que voltaram ao jovem penetraram a sua alma masculina com ternura, e a boca exprimiu gratidão em palavra singela: "obrigado".

Ela atravessou a pista e foi em direção à praia. No mar, perdeu-se juntos às ondas nervosas, de olhos de ressaca, tão misteriosa quanto o fora ao longo daquelas manhãs leblônicas de poucos privilegiados, descoloridas a partir de então. Era noite de outono e a boemia chegava às ruas. A vida ainda estava ali.