Across The Universe
Era quase meia-noite e ainda não saíra de casa. A garrafa de vinho estava pela metade, os sapatos pela sala, ela no sofá. Apesar do quadro aparentemente caótico, sentia por dentro uma serenidade incomum. Já perdera as esperanças de fazer algo naquele sábado, mas mesmo assim não se sentia mal por isso. Talvez fosse a primeira vez que não desejava avidamente estar em outro lugar, estar em companhia de outras pessoas. Nunca lhe parecera tão bom estar ali sozinha.
Os últimos acontecimentos não a encorajavam muito, é verdade, porém não era hora de se lamentar. Jurara não se deixar abater na próxima vez que tivesse uma decepção e iria cumprir isso. Por pior que fosse a situação, tudo haveria de melhorar. Um dia chegara ao extremo de tentar cometer suicídio por overdose de remédios. Hoje ria de quão patética fora sua postura. "Nada vai mudar meu mundo", pensou.
Sentia-se especialmente forte aquele noite. Singularmente bela. Nada conseguiria mudar o seu mundo. Levantou-se do sofá e caminhou até a estante. Tirou com carinho um velho compacto dos Beatles e o colocou para tocar. O som que preenchia o ambiente a fazia ainda mais leve. Aquela talvez fosse a melhor herança deixada por seus pais. Se pudesse ficar ali todo dia ouvindo as mesmas músicas, seria até capaz de esquecer que eles a expulsaram de casa aos dezesseis anos quando descobriram que estava fumando maconha. Infelizmente o tempo lhe incutira responsabilidades.
O que lhe importava agora não era nada disso, porém. Mesmo com todas as dificuldades, conseguira se firmar na vida e estar ali agora. Tinha um bom emprego, um bom apartamento, um bom carro. Faltava-lhe um amor, é verdade, mas se acostumara a essa ausência com o passar dos anos. Seu rosto delicado denunciava os vinte e cinco anos que tinha, ainda que a postura tentasse dizer que esse tempo já se passara há muito. Aprendeu desde cedo que é preciso se impor para conquistar aquilo que mais se deseja; talvez por isso a inocência lhe parecesse tão remota.
O relógio já marcava quinze para uma. Encheu mais uma taça de vinho e levou à boca com calma. O prazer que tal degustação lhe dava era algo que poucos conseguiriam entender, disso ela não tinha dúvidas. Foi até a janela e reparou que poucas luzes nos prédios próximos ao que morava estavam acesas. Uns três ou quatro apartamentos apenas. Madrugada de sábado. Por que haveria de ser diferente? Todo mundo ansiava por sair em noites assim. Não ela.
Voltou seus olhos para a rua e reparou que o fluxo de carros era provavelmente mais intenso do que em muitos dias úteis. E era tão tarde! Várias dúvidas surgiram em sua cabeça nesse instante. Para onde iam todos? O que gostavam de fazer? Por que não conseguiam ficar em casa? Será que ela era a única que pensava diferente? Estava na hora de mudar seu comportamento?
Notou que o mundo não parou enquanto esteve imersa em suas próprias complicações por anos a fio.
Decidiu apagar a luz e ir dormir.