Pronto Esquecimento
Era uma manhã de terça-feira quando tomou uma decisão que mudaria radicalmente sua vida: “a partir de hoje, serei uma pessoa mais egoísta”. Contou a todos, espalhou a notícia radiante, vendo naquele ato a chance de resolver todos os seus problemas.
A princípio, não houve uma pessoa que não se chocasse. Logo ele, que sempre fôra o ombro amigo, o cara com quem se podia contar a qualquer momento, iria abandonar esse comportamento e passar a pensar apenas em si mesmo? Que absurdo!
Mas ele estava de fato decidido. Para começar, decidiu acabar com todas as relações que considerava mantidas apenas por conveniência. Deixou claro que não era um amigo, que determinadas pessoas não poderiam mais contar com ele. Indicou que queria tê-los apenas como colegas, meros conhecidos a quem se cumprimenta de forma ocasional.
Com outros, foi ainda mais além. Pediu solenemente que sumissem de sua vida, pois não faziam a menor diferença. “Chega de me relacionar com pessoas inexpressivas, que não têm nada a me acrescentar”. Acreditava mesmo nisso, e fez por onde esquecer rápido aqueles que se enquadravam nessa categoria.
A melhor mudança, porém, foi com aqueles que um dia tinham sido egoístas com ele. Passou a usar de um meio bem eficiente para se atingir alguém: tornou-se um cara falso, capaz de fingir grande empatia por quem mais odiava. Divertia-se muito dando conselhos inúteis e aparentando preocupação com os problemas alheios.
Seguiu agindo assim por um bom tempo, sem se sentir incomodado. Na verdade, vivia feliz dessa maneira, desprezando o mundo. Por mais que tivesse perdido uma ou outra pessoa importante nessa transformação, tinha se livrado de vários estorvos, o que já era motivo para uma sensação de conquista.
Teria seguido com isso muitos anos se um fato não o fizesse questionar o sentido daquilo tudo. Certo dia, teve o impulso de ligar para ela, a pessoa que mais amor lhe havia dado e que, sem motivo aparente, ele resolvera afastar. Ao ouvir a voz dela, estremeceu. Quando começou a falar, no entanto, deparou-se com um seco comentário: “as coisas não voltam atrás”.
Nesse momento, começou a chorar. Por conta de seus medos e de suas incertezas, havia desprezado aquela que lhe oferecera a verdadeira felicidade, e agora só lhe restava alimentar-se das relações vazias e falsas que faziam parte da sua vida desde então.
Ao desligar o telefone, teve vontade de morrer, de sumir do mundo. Foi então que percebeu que se deu conta de que tinha como faze-lo, pois isso já havia sido realizado há muito tempo, na manhã daquela longínqua terça-feira, quando decidiu viver só para si.
Aprendeu tarde demais o quanto precisava daqueles que considerava inferiores.