Depois do Amanhecer
Não devia ser mais do que nove da noite quando o som de um disparo rompeu a madrugada naquele bairro tão quieto. Algumas pessoas, assustadas, corriam às ruas para ver o que havia acontecido. Outras, mais precavidas, preferiam manter-se na segurança de suas casas, apenas abrindo as janelas para se certificarem do ocorrido.
A praça, iluminada pela lua cheia que dava àquela noite um teor macabro, era agora o cenário de um crime aterrorizante. Lá, jogado ao chão, o corpo de uma adolescente de uns quinze anos, nu e ensanguentado, demonstrava com vigor os impulsos de crueldade que um ser humano pode ter. Ao seu lado, atônito, um rapaz de cerca de dezessete anos empunhava uma bela pistola prateada, da qual se podia sentir à distância o calor de um disparo recente.
Um grito desesperado quebrou o tom monocromático daquela cena. A mãe da jovem, aos prantos, correu em direção ao cadáver, talvez pensando ser possível fazer algo ainda. Foi inútil. Ao chegar ao centro daquela praça, constatou que a vida de sua filha havia sido de fato tirada por um imbecil qualquer, um desequilibrado, um rapaz que não aparentava ter a menor noção do valor de uma vida.
Os moradores começaram a se aproximar lentamente, temendo um novo disparo. Enquanto isso, o jovem permanecia quieto, como se não estivesse presente àquela cena. Seu rosto, pálido, não deixava transparecer qualquer tipo de sentimento, fosse de raiva, angústia ou arrependimento. Apenas permanecia ali, imóvel, enquanto a mãe da moça desesperava-se ao abraçar o corpo embanhado em sangue. A face da menina dava uma falsa impressão de alívio, enquanto o buraco da bala que atravessou o pescoço jorrava ainda o restante de sangue que cismava em permanecer correndo por suas veias.
Ao perceber a quietude do rapaz, alguns homens do bairro aproximaram-se dele. Com raiva, jogaram-lhe ao chão e passaram a deferir chutes fortes por todo o seu corpo. Nem assim obtiveram qualquer espécie de reação. Era assustadora sua frieza: a quem acompanhava cena, era possível acreditar que ele fosse o morto, não a pobre moça. Abriu levemente a boca, como se fosse dizer algo. Antes que o fizesse, um soco lhe foi dado com firmeza. Desacordado, foi carregado até uma árvore próxima.
Ali teve suas roupas arrancadas e seu corpo amarrado. Dois homens aproximaram-se e, de forma cuidadosa, despejaram álcool da cabeça aos pés do rapaz. Em seguida, atearam fogo. O espetáculo arrancou aplausos de todos na praça, à exceção da pobre mãe que ainda chorava copiosamente ao lado do corpo da pobre moça. Ninguém mais se preocupava em consolá-la; a cena do rapaz sendo queimado vivo parecia muito mais interessante do que o outro crime brutal que havia sido cometido naquela noite.
A madrugada passou em festa, com a morbidez de tudo aquilo sendo celebrada como parte natural da vida humana. A jovem permanecia caída ao chão da praça, com o rosto exprimindo uma expressão de alívio, como se alguém tivesse feito um favor ao tirá-la a vida. Do rapaz, sobrara apenas uma estrutura disforme, irreconhecível, muito longe de lembrar qualquer forma humana.
Na manhã seguinte, os corpos foram levados dali. Enquanto isso, a população fechava suas portas e janelas e voltava a seu cotidiano puro e medíocre, seu mundo de paz que cismava em se modificar em acontecimentos esporádicos como o da noite anterior. O sol voltava a iluminar a praça, e toda a violência presenciada a poucas horas em breve seria apenas uma lembrança distante, uma marca feita a carvão que seria levada pela chuva com a mesma facilidade com que foi trazida.
Era apenas mais um dia naquele bairro tão quieto.