Sobre ele, sobra ela
Ele tinha medo. Sabia que não fazia sentido, sabia que a situação era favorável a ele, mas mesmo assim não conseguia obter a segurança necessária para não se preocupar a cada segundo com a possibilidade da perda. Talvez porque, pela primeira vez, tivesse a noção de que tinha em mãos algo de muito de valor, algo com que sempre sonhara e nunca conseguira alcançar. Custava até a acreditar que tinha alcançado, e muitas vezes colocava tudo a perder por causa dessa desconfiança. O fato era que ela estava ali, apesar de todas as dificuldades existentes, e ele simplesmente não sabia como fazer para não deixá-la sair de perto. Deveria saber que, para isso, só bastava sê-lo, pois fôra assim que chegara até ali. Mas não. Tinha a sensação de que tudo que fizesse era pouco, que a qualquer instante os castelos de areia poderiam ruir e seus sonhos se perderiam de vez. E não adiantava as palavras ditas, as confissões trocadas e as juras de amor infinitas; ele não se convencia, talvez traído pela própria consciência de quem não aprendeu a amar e não acredita que possa ser amado por alguém. Por vezes se rendia à impossibilidade da situação, descrente na concretização de um sentimento que parecia atravessar quilômetros em estradas sem fim. Porém, ao dormir, tinha a certeza de que o pensamento sublimava, e eles se encontravam, ainda que no campo em que só os amantes à moda antiga costumavam caminhar. E era ali que tudo fazia sentido, que não havia imperfeições, dúvidas ou dificuldades, apenas dois se tornando um, a felicidade no estado mais simples de sua complexidade. Quando a chuva ia embora, mas o sol não aparecia, nem a lua, porque não havia mais a noção de tempo, nem de espaço, só de que não há medida para a paixão. Porque o amor não se dá calado, eles bem sabem (ao menos nos sonhos eles sabem). Ele tinha medo, é verdade. "Não há motivos para isso", ela costumava dizer. Mas ele sabia que o amor não podia ser compartilhado além de dois. Por isso tinha medo. E ela continuava ali.
Esperando.