O sentido de lá
As ruas eram tortas, mas ele cismava em andar em linha reta. Tinha os passos firmes, a respiração acelerada e a cabeça erguida, traços de quem sabe o que faz. Por dentro, porém, dividia-se em vários, fragmentos de alma que se ressentiam a cada emoção despertada. Aprendera desde cedo que o ser humano era aquilo que aparentava ser, e não o que era de fato, e talvez por isso acreditasse mais na sua imagem projetada do que em sua própria essência. Era criador e criatura em contato sistemático, harmonia de cores como somente o preto e o branco são capazes de compor, fortalecidos pelo contraste. Contraste que ele mesmo era; dicotomia, paradoxo. Imagem ausente frente ao espelho, formas difusas em uma fotografia. Era único, ser singular e irreal. Porém cismava em andar em linha reta, com os passos firmes, a respiração acelerada e a cabeça erguida, traços de quem quer se convencer de que é maior que o mundo, ainda que o céu sempre prove com sua infinitude que há muito mais além de si mesmo. Mas o olhar seguia perdido em esperanças vãs, na crença de que ainda podia ser diferente, melhor do que fôra até então. E aí não bastava o mundo a confrontar, porque o ato de desencorajar já não era o bastante. É quando se descobre que há a capacidade de ir além, ainda que a insegurança insista em por vezes levar para baixo a sensação de plenitude, lembrando que nunca se sabe o que é o certo a se fazer. Só que as linhas tortas só assim as são para quem não enxerga que só há um caminho a se seguir, e que mesmo o erro é o acerto inevitável da imprevisibilidade da vida. Ele sabia. Por isso nunca olhava para baixo, nunca cerrava os punhos ou relutava em pisar em qualquer caminho. E era feliz assim.