O Simples Que Se Torna...
Era a terceira vez que o elevador parava em menos de 1 minuto. 5º andar. Quase duas horas da tarde e ainda faltavam 14 andares para que chegasse até o seu. Fazia um calor infernal ali dentro e as três pessoas que lhe serviam de companhia não eram nem um pouco interessantes, pelo menos à primeira vista. 6º andar. O elevador parou de novo. Ninguém entrou e ninguém saiu. A senhora que estava ao lado vira-se para ele e solta a típica pergunta daqueles que querem começar uma conversa mas não sabem como.
- Tá calor aqui dentro, não?
Ele se limitou a acenar com a cabeça positivamente, ao mesmo tempo que pensava em várias respostas aplicáveis àquela situação ridícula.
- Não, não tá calor não, sua velha estúpida! Na verdade isso que está escorrendo do meu rosto não é suor... é água! Estou tentando mudar de estado físico para ver se consigo escapar daqui. Ih, acabei de revelar minha identidade secreta... agora você já sabe quem é o Homem-água das histórias em quadrinhos.
- Calor? Não... tá até um vento fresco aqui. Eu acho que a senhora está é ficando excitada com a minha presença ao seu lado. Controle-se, minha tia, eu não curto coroas não...
- Você tá com calor? Ah, essas mulheres depois da menopausa...
O elevador parou de novo. 7º andar. Não era possível. Os 4 se entreolharam. Nenhum deles fez menção de sair. Do lado de fora, também não havia ninguém.
- Só podem estar de sacanagem comigo, soltou ele em voz alta.
A jovem moça que também estava ali dentro deu uma discreta risada. Ele a reconheceu de algum lugar, mas não sabia de onde. Talvez já tivessem se esbarrado alguma outra vez naquele mesmo elevador. Não era difícil. O horário de almoço das empresas do prédio costumava coincidir e eram apenas 2 elevadores para levar todos de volta ao trabalho depois da breve pausa. De qualquer forma, aquilo não era o que importava. O fato é que ela era muito gostosa. Vestia uma camisa social de seda que deixava transparecer um sutiã meia-taça, branco e rendado, segurando os seios fartos e uma saia azul na altura do joelho que remetia a um uniforme de colegial. Já estava se imaginando em uma transa tórrida com ela ali dentro quando foi despertado de seus pensamentos por um tranco mais forte do elevador.
- Que merda é essa agora?
A porta não se abriu. O indicador digital dos andares marcava o 9º. Só faltava aquela merda ter enguiçado agora.
- Aiiiii, meu Deus! Bem que a mamãe sempre falou que era perigoso andar de elevador! Por que eu nunca acreditei nela?
Os olhos dele fitaram a última pessoa que lhe fazia companhia naquela incômoda situação. Como se fosse pouca a desgraça de ficar preso num elevador às duas da tarde no Centro da cidade do Rio de Janeiro, havia um gay ali e ele resolveu ter um ataque histérico. Não, não era possível. Afrouxou a gravata e respirou fundo. Tinha que manter o controle agora.
- Não é possível! Eu joguei pedra na cruz! Dá pra gazela se controlar um pouco? A situação já não tá ruim o suficiente?
O silêncio que se criou em seguida o levou à consciência de que havia se exaltado além do que deveria com aquilo tudo. A jovem gostosa agora o olhava com ar de desprezo. A velha tinha as mãos cobrindo a boca, quase em sinal de prece. O rapaz homossexual mantinha o rosto dirigido ao chão, com uma expressão que variava entre a vergonha e a raiva.
Nada do que se dissesse agora poderia tirar o incômodo que se havia criado nos quatro companheiros de elevador. Aquele prédio com certeza nunca fora tão alto. Seguiram-se mais alguns segundos sem que nenhuma voz soasse no pequeno espaço de pouco mais de 3 metros quadrados.
O som do elevador voltando a se mover foi o que mudou aquele quadro quase inerte. Ele soltou um suspiro aliviado. Faltavam apenas 4 andares agora e tudo estaria resolvido. Provavelmente demoraria um bom tempo para rever qualquer um dos ali presentes, isso se um dia voltasse a ver.
O elevador ainda parou rapidamente no 11º andar, quando saltou a pobre senhora, que permanecia com as mãos em frente à boca e que sequer desejou um “boa tarde” ao sair dali. No 17º, desceu a moça, apressada. Provavelmente estava atrasada da volta do almoço e o chefe a faria pagar um boquete para compensar aquilo. Ah, como ela era gostosa. Aquela saia...
Seus pensamentos se foram quando no indicador luminoso apareceu o número 19. Olhou para o lado e reparou que o outro rapaz preparava-se para sair também. Não se conteve:
- Você vai descer aqui também?
- Vou. Algum problema?
Nem se deu ao trabalho de responder. “Eu vou lá perder meu tempo com um gay!”, falou em tom quase inaudível.
Cumprimentou a secretária e entrou na sala. Logo que se sentou à mesa, o telefone tocou. Na linha, o advogado que coordenava o escritório o convidava para que viesse conhecer o filho do dono e mais novo advogado dali.
Desligou o telefone suando frio. Era óbvio o que viria a seguir. Caminhou a passos lentos pelo corredor que levava até a sala de seu chefe. Sentia-se tal qual um prisioneiro condenado à pena de morte, rumo à cadeira elétrica.
Ainda tremendo, girou a maçaneta. Trancada. Ouviu pequenos sussurros vindos de dentro da sala e imaginou o que se passava lá dentro. Sorriu com o canto da boca e se virou para voltar ao trabalho quando escutou o barulho da porta se abrindo. Uma mão jogou ao chão um envelope pequeno e pardo, sem qualquer inscrição do lado de fora.
Não teve dúvidas de que a carta era para ele, por isso mesmo não hesitou em abrir.
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“Favor passar no departamento pessoal para assinar sua demissão.”