domingo, abril 08, 2012

Matinê

Ela se sentou de novo naquele café de rua e suspirou. Olhar pelo vidro o velho cinema abandonado, lugar de tantas memórias, era entrar em contato com sua primeira infância, aquela em que as cores e os cheiros eram únicos e, por isso, inesquecíveis. Já ia longe o tempo, e a vida agora era tomada de preto e branco, inodora, típica da mediocridade dos dias adultos. E assim carregava em seu semblante o pesar de quem lamentava a passagem dos anos, bem diferente do brilho que sobressaía de seu olhar em fotos de quando era pequena. Com as memórias se consolava, deixando a realidade distante de si.

Sonhava.

Talvez por isso não tenha contido o sorriso ao avistar aquele senhor vendendo balões de gás em frente à bilheteria, como se a qualquer momento uma fila de pequeninos fosse se formar transbordando genuína alegria. Talvez por isso as lágrimas tenham rolado de seu rosto quando o pipoqueiro de cabelos grisalhos mais uma vez chegou com seu carrinho. Talvez por isso as luzes que se acenderam do outro lado da rua tenham iluminado sua face como da primeira vez que as vira.

Vivia.

O café já não a esquentava mais. As vozes já não mais ecoavam no salão. Suas mãos, antes trêmulas, eram firmes novamente. Levantou-se. A cada passo, sentia o mundo crescer à sua volta. Os carros em velocidade baixa, as árvores verdes, o ar puro. Corria livre, sem o peso que a idade lhe trouxera. As crianças, de repente, tomavam a rua, felizes como sempre devem ser. Havia música, e por isso bailou mais uma vez. Os olhos fechados, os braços abertos, o coração preenchido. A pipoca, o balão, as luzes.

O filme.

O fim.